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Primeiros comentários sobre “A ditadura revolucionária do proletariado”, de N. Moreno #2 (E. Mandel)





Primeiros comentários sobre “A ditadura revolucionária do proletariado”, de Nahuel Moreno

(junho, 1979)

Ernest Mandel

Tradução de Roberto F.


Índice

2 – Um início de revisão do programa da Quarta Internacional


2 – Um início de revisão do programa da Quarta Internacional


A polêmica se torna mais séria — tanto no seu propósito declarado, quanto na sua objetiva significância — quando ela lida com questões chaves do programa marxista revolucionário acerca da ditadura do proletariado. Aqui, nós somos compelidos a reparar que, nesses pontos chaves, o camarada Moreno está iniciando uma revisão do programa da IV Internacional, que foi o programa da III Internacional à época de Lenin, e que foi a tradição criada pelos escritos teóricos fundamentais de Marx, Engels e Lenin sobre o assunto, acima de tudo a “Guerra civil na França”, de Marx e o “Estado e a Revolução”, de Lenin.


Incidentalmente, não é acidente que, em um livro de 250 páginas sobre a ditadura do proletariado, camarada Moreno não se refira uma vez às teses do primeiro e do segundo congressos da III Internacional sobre essa questão, ou às outras obras teóricas fundamentais que acabamos de citar… exceto para fazer críticas indiretas a elas, ou até para atacá-las abertamente. Justamente porque a resolução Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado” está, em relação ao programa, em completa continuidade com esses documentos e 99% dela pode ser achada neles. O camarada Moreno prefere polêmicas conjunturais ou panfletos sobre esses documentos programáticos, trabalhos escritos para circunstâncias específicas, que não podem, de jeito nenhum, se sobrepor às tão consideradas formulações teóricas dos mestres do marxismo revolucionário.


Consideremos o exemplo mais claro e impressionante. O Programa de Transição — que, precisamos admitir, tem valor programático muito maior que uma polêmica ocasional do camarada Trotsky com algum militante ou ideólogo revisionista — afirma claramente:


“A luta pela liberdade dos sindicatos e dos comitês de fábrica, pelo direito de assembleia, por liberdade de imprensa, vai se desenrolar na luta pela regeneração e pelo desenvolvimento da democracia soviética… Democratização dos sovietes é impossível sem a legalização dos partidos soviéticos. Os trabalhadores e camponeses vão indicar, de sua própria vontade, por meio de seu livre voto, quais partidos eles reconhecem como partidos soviéticos”. (Pathfinder, 1977, pp. 145–146)


O camarada Moreno revisa o Programa de Transição quando dá, à frase “liberdade para os partidos soviéticos”, o significado de “liberdade para os partidos que apoiam a revolução”. Se isso fosse assim, a segunda frase perderia boa parte de seu conteúdo. Os trabalhadores (para não falar dos camponeses) não mais seriam livres para eleger os deputados que quisessem para os sovietes. Não teriam mais o direito de eleger social-democratas, stalinistas, eurocomunistas, peronistas, componentes do “partido do congresso” da Índia, PRIstas do México, isso para não dizer anarquistas e vários outros tipos de representantes, caso os partidos aos quais são filiados não mudassem sua atitude ideológica fundamental frente à revolução.


O camarada Moreno busca refúgio em uma linha de defesa pré-estabelecida quando afirma que será a maior parte dos deputados dos sovietes que decidirão se legalizarão ou não um partido. Entendemos essa interpretação do texto do programa como discutível [não comprovada, unwarrant]. O programa não diz que os trabalhadores e camponeses decidirão por maioria quais partidos serão legalizados. Ele diz clara e argutamente que eles [os trabalhadores] mostrarão (a versão em inglês diz: indicarão, o que é ainda mais explícito) pelo voto livre, ao eleger esse ou aquele deputado que pertence a algum partido, quais partidos são partidos soviéticos.


Entretanto, mesmo se aceitássemos a reinterpretação discutível do texto do Programa de Transição realizada pelo camarada Moreno, ela voaria na cara de sua visão. Justamente porque, se, por um grande infortúnio, a maioria dos trabalhadores botasse para legalizar todos esses partidos “ideologicamente contrarrevolucionários”, o camarada Moreno, como um papa da Igreja Neo-Bolchevique, apoiada por um braço secular que não é difícil de visualizar, repreendê-los-ia indignadamente: “em minha sabedoria infinita, eu, Moreno, os proíbo de decidir legalizar partidos contrarrevolucionários. E, se vocês não me acatarem, chamarei vocês mesmos de contrarrevolucionários, declararei seus sovietes contrarrevolucionários, dissolvê-los-ei e governarei, se necessário, contra vocês”, ainda confiando em seu braço secular, obviamente.


Em outras palavras, na verdade, o tema da polêmica não é a questão grotesca das liberdades garantidas a Somoza, Pinochet ou ao xá do Irã, menos ainda a bastante marginal questão das liberdades políticas e ideológicas garantidas aos grandes burgueses e camponeses ricos (depois de expropriá-los e desarmá-los e após a consolidação da ditadura do proletariado). Não, o tema verdadeiro da polêmica é as graves restrições à democracia dos trabalhadores, à democracia dos sovietes, aos direitos e liberdades políticas da classe trabalhadora, implicados no “sistema” do camarada Moreno.


Sejamos claros. Como o camarada Trotsky explicou em diversas ocasiões, é difícil imaginar uma vitória da ditadura do proletariado na Grã-Bretanha, na Alemanha, na França, na Argentina, no Brasil, no México ou na Índia, a menos que uma grande parte da classe trabalhadora — que, hoje, ainda segue as direções tradicionais (reformista, stalinista, eurocomunista, nacionalista-burguesa) — esteja ganha, ao menos nas questões decisivas — que foram enumeradas acima — pelo partido revolucionário.


Todavia, tudo isso, em primeiro lugar, não implica necessariamente que essa maioria do proletariado vai romper em todas as questões com sua direção tradicional, especialmente quando ela tem raízes históricas profundas na história desse dado proletariado nacional e quando está incorporada em partidos que predominaram sobre esse proletariado por, aproximadamente, meio ou até mesmo um século. Em segundo lugar, o fato de que uma maioria assuma essa posição não significa de forma alguma que não se possam formar grandes minorias que continuarão a defender posições mais retrógradas.


Nós já dissemos uma vez e diremos de novo: é uma absoluta utopia supor que, imediatamente após a socialização do poder, menos ainda no período posterior imediato à consolidação da ditadura do proletariado (quando não há mais o perigo imediato de um levante armado pela burguesia), não haverá 10000 partidários do Labour entre os 25 milhões de proletários britânicos; que não haverá 10000 social-democratas na Alemanha; que não haverá 10000 stalinistas entre os 3 milhões de proletários portugueses; que não haverá 10000 trabalhadores eurocomunistas na Itália; que não haverá 10000 trabalhadores ligados o trabalhismo no Brasil; que não haverá 10000 partidários do PRI no México; 10000 trabalhadores “congressistas” na Índia, etc., etc. Na realidade, nós devemos multiplicar por dez — ou por cem — essas estimativas na maior parte dos países mencionados.


Portanto, a questão real é se a ditadura do proletariado implica graves restrições nas liberdades democráticas para milhões de trabalhadores, para um segmento importante do proletariado. A questão é quais formas concretas de poder (de governo, de coerção, de violência) o camarada Moreno defende, não contra o inimigo de classe, mas contra grandes seções de sua própria classe (sejam elas minoria, para não mencionar os casos em que se tornem maioria).


A questão é se Lenin estava grosseiramente equivocado — e se Marx estava grosseiramente equivocado — quando eles revisaram a doutrina do camarada Moreno e afirmaram que a ditadura do proletariado não necessitaria de um aparato repressivo muito poderoso, visto que seria a ditadura da imensa maioria sobre uma minúscula minoria:


“Ainda é necessário reprimir a burguesia e esmagar sua resistência. Isso foi particularmente necessário para a Comuna; e uma das razões para a sua derrota foi que ela não o fez com determinação suficiente. Entretanto o órgão de repressão é, agora, a imensa maioria da população e não uma minoria, como foi sempre o caso sob a escravidão, a servidão e o assalariamento. E, no momento em que a maior parte do povo reprimir, por si mesmos, seus opressores, uma “força especial” de repressão não será mais necessária. Nesse sentido, o Estado começa a desaparecer [perder vigor — N.T]. Em vez de instituições especiais de uma minoria privilegiada (oficialato privilegiado, líderes do exército), a maioria pode, por si, executar essas funções diretamente; e, quanto mais as funções do poder de Estado são devolvidas para o povo diretamente, menos é necessária a existência desse poder” (Lênin, O estado e a revolução”)


Em vez dessa doutrina “revisionista” Lenin e Marx, nós devemos estabelecer como regra programática que a ditadura do proletariado vai necessitar de um poderoso aparato coercitivo consistindo de 55% da população contra 45% dela, incluso nos países industrializados, ou, melhor ainda, vai necessitar de uma minoria de “proletários conscientes” (por definição esses, e só esses, que concordam com o camarada Moreno em tudo) contra a maioria da população, incluindo a maior parte dos trabalhadores?


O camarada Moreno tenta se contorcer para sair dessa dificuldade ao realizar uma distinção sutil entre “o direito de eleger um representante” (digamos, um social-democrata) e o direito desses deputados organizarem um partido. Contudo, ao fazê-lo, ele se enrola ainda mais na teia de suas próprias contradições. Ele é forçado a reconhecer que a “quase absoluta” liberdade de imprensa — esse é um dos raros exemplos em que o camarada Moreno reflete, ele mesmo, a “pressão dos preconceitos democráticos dos proletários ocidentais” — seria útil à ditadura do proletariado:


“A quase absoluta liberdade de imprensa e de opinião que a ditadura do proletariado deve manter é útil em esclarecer a força das diferentes correntes de opinião e em explicitar que a ditadura está informada objetivamente dos problemas existentes, mas está condicionada ao mais absoluto monopólio do poder político pela classe trabalhadora industrial e pelas massas revolucionárias. Isso quer dizer que a liberdade de imprensa, acima de tudo artística e científica, não implica automaticamente liberdade de organização e de atividade para todos os partidos contrarrevolucionários” (págs. 85–86)


Nós deixaremos de lado problemas secundários como o de determinar se a liberdade de imprensa na época de transição pode ser “acima de tudo artística e científica” (o camarada Moreno parece esquecer que comer vem antes de filosofar e que problemas sociais e econômicos — para não mencionar os políticos — vão aparecer muito mais para as amplas massas do que problemas artísticos e científicos). Nós não nos incomodaremos nem com a fórmula ridícula “todos” os partidos revolucionários (ninguém está defendendo liberdade para os fascistas; e é bem provável que “partidos contrarrevolucionários” que não tenham raízes tradicionais no proletariado não elejam ninguém para os sovietes. A questão de sua liberdade de organização não será, portanto, colocada nesses termos).


Porém, o camarada Moreno não parece perceber que a liberdade de imprensa e de opinião “quase absoluta” (essa fórmula é de sua criação) implica, em particular, liberdade para fazer propaganda via panfletos, jornais e panfletos pela liberdade desta ou daquela organização, pela liberdade dos representantes eleitos para sovietes se organizarem em partidos como quiserem, pela liberdade para apelar para os trabalhadores pela reversão do voto de maioria de um congresso dos sovietes proibindo essa ou aquela fração de se organizar num partido, etc., etc.…


Ou o camarada Moreno está pronto para aceitar isso — e aí todas as suas palavras “duras” e “cheias de princípios” sobre restrições a partidos legalizados nos sovietes não passam de ar quente, porque é absolutamente certo que grandes segmentos do proletariado vão usar a sua liberdade de imprensa e a sua liberdade de opinião para ganhar a legalização de suas frações e partidos; ou o camarada Moreno acredita que essa legalização é tão desastrosa para a ditadura do proletariado (veremos o porquê depois) que ele teria que restringir gravemente a liberdade de imprensa e de opinião, generalizar a censura prévia e barrar milhões de proletários de acessar estações de imprensa, televisão e rádio. Visto que muitos desses trabalhadores vão levar sua “impertinência objetivamente contrarrevolucionária” ao ponto de responder com disparates às proibições do camarada Moreno e de seus decretos e de dizer, publicar e disseminar o que eles pensam dessas proibições (o que será bem difícil para o camarada Moreno, deixamos essa gentil advertência previamente), o famoso “braço secular” será necessário de novo, a saber, um enorme aparato policial para impor essas restrições à liberdade do proletariado.


O que sobrará da “quase absoluta liberdade de imprensa e de opinião” sob essas condições? O que sobrará da liberdade dos trabalhadores elegerem quem quer que eles queiram para os sovietes? O que restará do poder da maioria do proletariado em sovietes livremente eleitos? Definitivamente, não pode ser por acaso que o camarada Moreno conclui seu livro com essa nota tipicamente paternalista (para não usar termo mais duro):


“Uma ditadura do proletariado Trotskista (sic) … concederá (sic, de novo) amplas liberdades para cientistas e artistas, da mesma forma que para revolucionários” (p.253)


Para artistas, cientistas e revolucionários. Mas não para o proletariado, ao menos para a sua grande maioria. Entendemos sua mensagem.


A última linha de retirada do camarada Moreno consiste em dizer: ok os novos partidos soviéticos aparecerão na ditadura do proletariado — como último recurso, que seja. Porém Trotsky nunca disse que isso implicaria a legalização de partidos que existiam antes da revolução e cuja natureza contrarrevolucionária tem sido claramente demonstrada de fato, como social-democratas, estalinistas, etc.… Moreno, de sua parte, defende bani-los (p.123). A resolução do SU “evita” esse problema (p.15). Mais uma vez, o camarada Moreno está enganado. Trotsky tinha uma posição clara sobre essa questão:


“No Estado proletário, os meios técnicos de imprensa serão colocados à disposição de grupos de cidadãos em acordo com a sua real importância numérica. Como isso deve ser feito? [Bom, o senhor Hugenberg vai ter que se restringir um tanto, junto com os outros capitalistas monopolistas que fazem negócios com a imprensa. Não tem outro caminho]. A social-democracia receberá um número de gráficas correspondente ao seu número de apoiadores” (Trotsky, a luta contra o fascismo na Alemanha, A frente única de defesa: uma carta para um trabalhador social democrata (fevereiro 23, 1933).


Uma ideia idêntica é colocada em um artigo sobre os Estados Unidos citado acima, datado de 1934. Deixem-nos lembrar que, na república de Weimar, Hugenberg, ao mesmo tempo em que era o principal barão da imprensa, era o líder de um partido de extrema direita aliado aos nazistas. Apesar disso, nem nesse caso Trotsky previu o banimento de seu jornal, mas meramente a restrição — radical, é claro — de seu acesso às gráficas em proporção ao número de membros que ele manteria nas condições de uma ditadura do proletariado consolidada! (Incidentalmente, isso mostra quão errado está o camarada Moreno quando ele afirma (p.87) que, no que tange à liberdade de imprensa, nós podemos nos basear em somente um artigo de Trotsky, o de 1938.)


Deixem-nos repetir: nada disso se aplica em uma situação de guerra civil, obviamente, somente à uma ditadura do proletariado consolidada. Quando você está tomando tiros, você não deixa os assassinos justificarem seu crime. Os anarquistas mais libertários e os social-democratas não apoiavam a liberdade de imprensa para os Falangistas após julho de 1936 em Barcelona, até onde sabemos.


Entretanto, nosso debate não é exatamente sobre essas condições excepcionais (essa palavra aparece dúzias de vezes nos escritos de Trotsky), que pedem por medidas excepcionais. A questão real é se a época de transição do capitalismo ao socialismo, ou seja, a época da ditadura do proletariado, durando meio ou um século, é dominada por essas “condições excepcionais”, se existem, explicitamente, “condições de guerra civil” hoje na URSS, na Polônia, na Tchecoslováquia, na RDA, ou se essas condições já não existem lá por décadas e, portanto, se as restrições de liberdade de imprensa não podem, de jeito algum ser explicadas pela necessidade de uma “guerra civil”, mas por uma ditadura totalitária da burocracia. Nesse ponto, o camarada Moreno revisa flagrantemente o trabalho de Trotsky, para não mencionar Marx e Lenin.


A dialética da teoria, de um sistema de ideias, é implacável. Quem quer que diga A está quase irresistivelmente compelido a dizer B (uma das funções da discussão democrática em uma organização revolucionária é fazer essa compulsão menos irresistível, tentar pará-la no tempo. Se essa tentativa é bem ou mal sucedida, a evolução subsequente mostrará). Então o camarada Moreno é compelido a adicionar, à sua revisão inicial do nosso programa sobre a democracia nos sovietes, uma revisão inicial do nosso programa sobre a natureza espacial do Estado dos trabalhadores, ou seja, dos sovietes!


De “A guerra civil na França” ao “Programa de Transição”, passando pelas “Teses do congresso de fundação da Internacional Comunista”, marxistas tem reafirmado que a ditadura do proletariado não poderia ser exercida por meio de quaisquer instituições. Ela somente pode ser exercida pela destruição da antiga máquina estatal burguesa (herdada, em grande parte, do absolutismo semi-feudal) e pela sua substituição por um novo tipo de Estado, um Estado de sovietes baseado na auto-organização das massas e caracterizado por: a natureza eletiva de todos os postos; possibilidade de remover alguém eleito caso seja a vontade dos eleitores; a redução dos salários dos eleitos para o salário de um trabalhador médio; rotação regular de oficiais eleitos; mescla crescente de funções executivas e legislativas (hoje, após sessenta anos de experiência com revoluções proletárias, nós adicionaríamos três condições: uma drástica redução na jornada de trabalho; a drástica eliminação de qualquer monopólio de cultura ou de acesso à informação centralizada; participação compulsória em todos os órgãos de poder baseada em uma delegação da maioria absoluta de trabalhadores que tenha se mantido ativa na produção).


Toda essa teoria dos sovietes — é disso que estamos tratando — não é, de forma alguma, prescritiva, arbitrária ou uma mera generalização temporária das (ditas parcialmente mal-sucedidas) experiências da Comuna de Paris e da revolução de Outubro. Ela tem fundações profundas, que têm a ver com a própria natureza do proletariado, da ditadura do proletariado e da construção do socialismo, ou seja, da sociedade sem classes. Nós não podemos repetir aqui todos os aspectos dessa teoria, que tem sido explicada de novo e de novo pelos clássicos do marxismo revolucionário. Todavia, as conclusões dessa teoria são claras. Dada a sua natureza social, o proletariado só pode exercer o poder por meio de instituições do tipo soviete. Não existe forma histórica de ir da ditadura do proletariado, como instrumento da transição rumo ao socialismo (ou seja, à eliminação de classes, que quer dizer eliminação da divisão da sociedade em uma classe que produz e outra classe ou camada social [casta] que monopoliza a administração do sobreproduto social com tudo que isso implica), exceto pela organização e pelo exercício do poder pelos próprios trabalhadores para esse propósito.


Mesmo quando a auto-organização dos trabalhadores é complicada pelo atraso do país, pela guerra civil ou pela intervenção externa, ela se mantém como um objetivo imediato dos marxistas revolucionários que deve ser buscado de todas as formas possíveis. Aqui está o que Lenin escreveu sobre o tema no meio da guerra civil em 1918:


“Nosso objetivo é colocar o todo dos pobres no trabalho prático de administração, e todos os passos que são tomados nessa direção — quanto mais variados, melhor — devem ser cuidadosamente gravados, estudados, sistematizados, testados por ampla experiência e incorporados na lei. Nosso objetivo é assegurar que todo trabalhador, ao terminar as oito horas de ‘tarefa’ no trabalho produtivo, consiga realizar tarefas de Estado sem remuneração; a transição para isso é especialmente difícil, mas só ela pode garantir a consolidação final do socialismo”. (Lenin, “As tarefas imediatas do governo soviético”)


Quando Lenin e Trotsky escreveram de forma contrária em 1920 e 1921, foi porque as condições “excepcionais” haviam se tornado “excepcionalmente excepcionais”: o proletariado russo foi reduzido a uma pequena porcentagem da população em condições terríveis de fome e exaustão. O camarada Moreno acha que, dadas as condições presentes (e presumíveis) da revolução mundial, essas condições ocorrerão de novo? E acha que serão a regra? Devemos construir nossa orientação política baseada nessas condições “excepcionalmente excepcionais”?


Além disso, o camarada Moreno achou que era aconselhável iniciar todo um capítulo (5) em que ele ataca a nossa, alegada, “fetichização dos sovietes”. E ele “coroa” esse ataque à “fetichização dos sovietes” com um ataque empolado ao “ultra-democratismo” da Comuna de Paris, baseando-se em duas observações feitas por Trotsky em polêmicas internas da seção francesa (p.140). Nesses documentos, Trotsky colocou que a diferença entre sovietes e uma “municipalidade” do tipo da Comuna é expressa no apoio de um poder centralizado de sovietes de trabalhadores (o que não é exatamente uma suposta reserva de Trotsky a uma “fetichização da forma soviete”).


Não é muito responsável contrapor polêmicas conjunturais a documentos programáticos. Todos os textos programáticos da III Internacional, sob a liderança de Lenin, e da IV Internacional, sob a liderança de Trotsky, apresentam os sovietes e só eles como os órgãos de poder do futuro Estado dos trabalhadores. Da mesma forma, citemos o texto do Programa de Transição, que é positivamente inequívoco:


“Como as diferentes demandas e formas de luta devem ser harmonizadas, mesmo que só nos limites de uma cidade? A História já respondeu a essa questão: por meio de sovietes. Esses unirão representantes de todos os grupos de lutadores. Para esse propósito, ninguém, até então, propôs uma forma diferente de organização; de fato, seria dificilmente possível imaginar algo melhor… Todas as correntes políticas do proletariado podem lutar pela liderança dos sovietes com base na mais ampla democracia. O slogan dos sovietes, portanto, coroa o programa de demandas transicionais.”


“O poder dual é, por sua vez, o ponto culminante do período de transição. Dois regimes, o burguês e o proletário, são irrevogavelmente opostos entre si. Conflitos entre eles são inevitáveis. O futuro da sociedade depende do desfecho. Se a revolução for derrotada, uma ditadura fascista da burguesia se seguirá. No caso contrário, o poder dos sovietes, ou seja, a ditadura do proletariado e a reconstrução socialista da sociedade surgirão”


O mínimo que alguém pode dizer é que esse programa é tão “fetichista” sobre a questão dos sovietes quanto a resolução do SU!


Qual é o conteúdo real das poucas polêmicas de Trotsky contra “o fetichismo da organização por sovietes” que o camarada Moreno cita com tanto deleite? O contexto, amplamente, confirma: estamos lidando unicamente com polêmicas contra aqueles que se fixavam no nome e não no conteúdo. Um soviete não precisa ser chamado de soviete para servir como soviete. Pode ser chamado “comitê de fábrica”, “comitê de milícia”, “comitê da frente única”, “comitê do povo” (sim, de fato!) até mesmo “comitê sindical” ou “comitê de ação”. Mas o conteúdo deve ser o mesmo: auto-organização das massas, eleição de delegados com o direito de remover eleitos; centralização em uma escala local, regional e nacional; capacidade de unificar o proletariado como um todo, etc.… Certamente, pode-se começar com formas de organização que não correspondem exatamente a esses critérios e tentar ir além. Mas, se há falha em ir além, restarão “sovietes” ou burocratizados desde sua concepção ou imitações de sovietes condenadas a desaparecer rapidamente.


Essa foi a doutrina de Trotsky, e ele a defendeu ferozmente em conexão com a revolução alemão, com a greve geral inglesa, com a revolução chinesa, durante a ascensão do fascismo, durante a crise pré-revolucionária na França em 1934–1937, durante a revolução espanhola e em suas projeções dos Estados Unidos socialistas. O que são polêmicas ocasionais contra o fetichismo organizacional frente à essa indefectível continuidade, que, além disso, levou os centristas a acusarem-no de querer “exportar a revolução soviética e torná-la universal”? Em nenhum lugar dos trabalhos de Trotsky se pode achar um ataque ao “fetichismo organizacional à forma soviete” relativo não a uma situação insurrecional ou pré-insurrecional, mas ao problema de organizar as instituições estatais de uma ditadura do proletariado estabilizada.


Contudo, essa não é, de jeito algum, a posição do camarada Moreno. Sua incipiente revisão programática sobre a questão dos sovietes, que começou ao girar os moinhos do “fetichismo organizacional”, vai bem além dele. Ele escreve:


“Nós queremos dizer que a Quarta Internacional deve se esforçar para encontrar organizações desse tipo, como as milícias do COB Boliviano em 1952, da Assembleia do Povo de 1971 e dos sindicatos peronistas em 1956–1957 foram aos seus tempos, ou como as Comissões de Trabalhadores (CCOO) poderiam se tornar na Espanha. Seria um crime se, por resultado de uma fetichização dos sovietes por parte do SU, a Quarta Internacional, por causa da tradição em cada país e da influência destrutiva de partidos de massa oposicionistas, em vez de se basear nessas organizações que nos foram dadas pela realidade da luta de classes, procurasse substituí-las por sovietes irreais. É bem possível que, em vários países, organizações como os sovietes só surjam após a socialização do poder pelo partido revolucionário e que, como nós mostramos, essas mesmas organizações do tipo soviete sejam submetidas aos fluxos e refluxos do processo revolucionário” (p.163)


Tudo isso culmina em uma clara e definida conclusão:


“Ou seja, a ditadura do proletariado, ao longo das próximas décadas, não será sinônimo de organizações do tipo soviete, mas sim da ditadura revolucionária de partidos Trotskistas ou quase-Trotskistas” (mesma página)


Essa citação é a melhor codificação possível do revisionismo sobre a ditadura do proletariado — com relação a toda a tradição e ao programa marxistas revolucionários — feita pelo camarada Moreno!


Uma vez mais, não estamos preocupados com palavras, mas sim com a substância, com o conteúdo. Se o objetivo é dizer que era possível utilizar as milícias de trabalhadores do COB como ponto de partida e transformá-las em genuínos sovietes (mesmo que com outro nome), ninguém acharia problema na afirmação. Porém a lista de organizações referida pelo camarada Moreno é extraordinariamente heterogênea, e isso confirma que a polêmica não lida com a forma (ou com o nome), mas sim com o conteúdo. Nós tivemos uma impressionante confirmação disso durante a discussão do SU sobre a revolução Iraniana, quando um representante da Fração Bolchevique particularmente audacioso adicionou… os comitês de Khomeini à lista feita pelo camarada Moreno.


Ninguém é capaz de sustentar seriamente que a Assembleia do Povo boliviana de 1971, ou os sindicatos peronistas de 1956–1957 eram órgãos de auto-organização de todo o proletariado ou que poderiam tornar-se em pouco tempo (isso para não mencionar o CCOO espanhol). A Assembleia do Povo nem foi eleita; foi escolhida e totalmente controlada pelos burocratas que colaboraram com um ramo do exército burguês. Analogamente, a burocracia peronista de 1956–1957 também não mudou seu caráter, atingiu a independência política do proletariado e quebrou seus laços com a burguesia, até onde sabemos.


Por trás da teoria do camarada Moreno, está o fato de que Marx, Lenin, Trotsky, a III e a IV Internacionais estavam erradas quando conceberam a ditadura do proletariado como auto-organização do proletariado. Não, diz Moreno. O partido revolucionário vence via mobilização das massas sem necessariamente permiti-las organizar-se democraticamente para gerir o poder. Para atingir essa mobilização, ele (o partido) utiliza tudo a seu alcance: sindicatos, assembleias mais ou menos eleitas por cima, comitês escolhidos e até mesmo organizações de conciliação de classes controladas por um clero. O que importa é a manipulação das massas, não a sua auto-organização. Essa é a ideia chave do camarada Moreno. Ela tem origem e natureza sociais precisas. Todos os trotskistas a reconhecerão sem dificuldade.


Logo, não é impressionante que o camarada Moreno combine seu ceticismo frente às organizações tipo soviete e uma atitude ultra-oportunista frente às instituições do Estado burguês-democrático. Ele antevê calmamente — sob certas condições, é claro — que será perfeitamente possível “combinar democracia burguesa e democracia proletária” (p.94), especialmente sob as condições de “luta contra o fascismo ou ameaças de golpes reacionários”. Uma receita perfeita para trazer as mesma derrotas que na Alemanha de 1918 e 1920, na Espanha em 1936 e no Chile em 1973 às revoluções futuras, quando os centristas utilizaram as mesmas circunstâncias contra os “ultra-esquerdistas” que diziam que o proletariado não conquistaria o poder sem destruir as instituições do Estado burguês e substitui-las pelo poder centralizado dos sovietes, dos comitês que eles estavam criando.


Quem quer que diga B, deve dizer C. O camarada Moreno nem mais esconde o seu revisionismo. O “Estado e a Revolução” é um livro para ser descartado como lixo. No fundo, é um “trabalho do Mandel”, repleto de “preconceitos burgueses-democráticos”. Deve ser substituído por:


“O que Lenin e Trotsky escreveram após a Revolução Russa, quando suas teorizações (sic) tiveram que levar em consideração as mudanças impostas pela realidade. O SU erra ao não reconhecer o quanto a Revolução de Outubro enriqueceu (sic, novamente) a teoria Marxista do Estado e da revolução” (p.107. Veja passagem semelhante na página 223)


E de forma mais nítida:


“Todas (sic) as revoluções e ditaduras do proletariado vitoriosas de nosso século foram ditaduras e revoluções de um único partido, nunca de sindicatos, sovietes, comitês de fábrica ou comitês de camponeses. Ou seja, elas nunca foram ditaduras de todos os trabalhadores e de todos os operários, mas sempre de uma minoria organizada como aço, que obteve o apoio, ou a mais ou menos ativa neutralidade, da maioria” (p.113)


Aqui o revisionismo estoura sem embaraço. Tudo que foi afirmado por Marx, por Lenin, pelo primeiro Congresso da III Internacional e pelo “Programa de Transição” — que, enquanto estava sendo escrito em 1938, aparentemente não leva em consideração as “lições da Revolução de Outubro” — é bobagem liberal pequeno-burguesa. A “real” teoria da ditadura do proletariado foi formulada agora pelo camarada Moreno, o “Lenin de nossa época”.


Entretanto, a generalização do camarada Moreno, longe de ser “realista”, em contraste com as supostamente “prescritas” teorias do SU, está longe de ser “concreta” e “dialética”. É simplesmente errada, porque contém, ao menos, quatro erros graves.


Primeiramente, falsifica a história da Revolução de Outubro, que, de fato, culminou em um período de uma ditadura exercida pelos sovietes democraticamente eleitos que representavam a imensa maioria dos operários da Rússia.


Então, ignora o fato de que, após uma curta transição, o exercício do poder por um partido na Rússia deu lugar a uma contrarrevolução política, um Termidor, cuja vitória Trotsky datou, finalmente, em 1923–1924.


Adicionalmente, (a generalização de Moreno) tende a generalizar (e, portanto, a apresentar como inevitável) o fato de que o poder é exercido pela burocracia, ou seja, baseado na expropriação política do proletariado. Isso se dá, visto que, com exceção da revolução Cubana, “todas as revoluções proletárias do nosso século” a que se referem o camarada Moreno terem sido lideradas, desde seu início, pela intenção de uma burocracia privilegiada de excluir o proletariado do exercício do poder político e da auto-organização. O camarada Moreno deve responder à seguinte questão: essa “lei geral” vai se manter válida no futuro? As futuras revoluções também serão lideradas por partidos profundamente burocratizados? Se sim, o que acontece com o famoso papel de direção da IV Internacional? Se não, como se podem tirar conclusões sobre o que pode acontecer com organizações do tipo soviético sob uma liderança leninista proletária a partir do que fizeram Tito, Mao e Ho Chi Minh?


Por fim, o camarada Moreno esquece que todas essas revoluções proletárias vitoriosas a que alude ocorreram em países atrasados em que o proletariado representava uma (às vezes, minúscula) minoria da população, com um nível de desenvolvimento cultural e técnico baixo.


Podemos estender as conclusões tiradas dessas experiências especiais e excepcionais para revoluções proletárias que acontecerão em países em que o proletariado urbano é a maioria, se não a maioria absoluta (países que não são, de forma alguma, limitados à Europa capitalista, mas incluem a América do Norte, Austrália, Japão, os países semi-industrializados da América Latina e várias semi-colonias da Ásia)? Não, claro que não. O que está envolvido aqui não é nenhum tipo de enriquecimento do marxismo, mas uma generalização enganosa que empobrece o marxismo. Essa não é a opinião só do SU. É também a opinião do camarada Trotsky:


“Não se pode pensar que a ditadura do proletariado está necessariamente ligada aos métodos do terror Vermelho que nós tivemos que aplicar na Rússia. Nós fomos os pioneiros. Cobertas de crimes, as classes dominantes russas não acreditavam que nosso regime duraria. A burguesia da Europa e dos EUA apoiou a contrarrevolução Russa. Sob essas condições, só se pode sobreviver à custa de um terrível esforço e da punição implacável dos nossos inimigos de classe. A vitória do proletariado na Alemanha teria um caráter bem diferente. A burguesia alemã, tendo perdido o poder, não teria a menor esperança de recuperá-lo. A aliança da Alemanha soviética com a Rússia Soviética multiplicaria, não duas, mas dez vezes a força dos dois países. Em todo resto da Europa, a posição da burguesia está tão comprometida que não é muito provável que conseguisse colocar seus exércitos em marcha contra a Alemanha proletária. É certo que a guerra civil seria inevitável: existem fascistas suficientes para isso. Porém o proletariado alemão, armado com o poder de Estado e tendo a União Soviética atrás de si, causaria rapidamente a atomização do fascismo ao trazer para seu lado setores substanciais da pequena burguesia. A ditadura do proletariado na Alemanha teria, incomparavelmente, uma forma mais branda e mais civilizada que a ditadura do proletariado na Rússia”. (Letter to social-democratic worker, Trotsky)


E, de modo similar:


“Entretanto, a revolução comunista nos EUA será insignificante, comparada à revolução Bolchevique na Rússia, em termos de suas riquezas nacionais e de sua população, não importando quão grande seja seu custo comparativo. Isso acontece porque a guerra civil de natureza revolucionária não é lutada pela meia-dúzia de homens no topo — ou 5 ou 10% que detêm 90% da riqueza americana; essa meia-dúzia poderia recrutar seus exércitos contra-revolucionários somente das classes médias baixas. Ainda assim, a revolução conseguiria facilmente atrai-los para o seu lado, mostrando que somente o apoiou aos sovietes pode oferecê-los um projeto de salvação…”


“Não existe nenhuma razão pela qual esses grupos deveriam mostrar resistência à revolução; eles não têm nada a perder, considerando, é claro, que os líderes revolucionários adotem uma política moderada e com visão de longo prazo em relação a eles…”


“O mesmo método seria utilizado para atrair pequenos negócios e pequenas indústrias para a organização nacional da indústria. Por meio do controle de matérias-primas, créditos e cotas de pedidos por meio dos sovietes, essas indústrias secundárias poderiam se manter solventes até que elas fossem, gradualmente e de forma não obrigatória, sugadas para o sistema de negócios socializados.”


“De forma não obrigatória! Os sovietes dos EUA não precisariam recorrer às medidas drásticas que as circunstâncias, frequentemente, impuseram aos russos. Nos EUA, por meio da ciência da publicidade e da propaganda, vocês têm meios de ganhar o apoio de sua classe média que estão muito além do alcance dos sovietes da Rússia atrasada com sua vasta maioria de camponeses pauperizados e iletrados…


“Em algumas semanas ou meses após o estabelecimento dos sovietes dos EUA, o Pan-Americanismo seria uma realidade política.


“Os governos das Américas Central e do Sul seriam puxados para a federação de vocês como recheios de metal para um imã. Da mesma forma, seria o Canadá. Os movimentos populares nesses países seriam tão fortes que eles iriam forçar esse grande processo unificador em um tempo curto e a custos insignificantes” (Escritos de Leon Trotsky, 1934–1935)


Sobre a Espanha em 1936, apesar de ela ser substancialmente menos industrializada e seu proletariado ser três vezes menor que o proletariado do Estado Espanhol hoje — isso para não mencionar os (proletários) franceses, italianos, alemães, britânicos ou dos Estados Unidos — Trotsky escreveu tão categoricamente quanto:


“No momento atual, enquanto isso está sendo escrito [duas semanas após o início da guerra civil], a guerra civil na Espanha ainda não terminou. Os trabalhadores de todo o mundo esperam fervorosamente por notícias da vitória do proletariado espanhol”


“De um ponto de vista puramente militar, a revolução espanhola é muito mais fraca que seu inimigo. Sua força está em sua capacidade de colocar as grandes massas em ação. Ela é até capaz de tirar o exército de seus oficiais reacionários. Para conseguir isso, só é necessário, de forma séria e corajosa, avançar o programa da revolução socialista."


“É necessário proclamar que, a partir de agora, as terras, as fábricas e as lojas vão passar das mãos dos capitalistas às mãos do povo. É necessário mover-se de uma vez só em direção à realização desse programa nas províncias em que os trabalhadores estão no poder. O exército fascista não seria capaz de resistir à influência de um programa como esse por 24 horas; os soldados amarrariam as mãos e os pés de seus oficiais e os entregariam ao quartel mais próximo das milícias operárias” (The lessons of Spain, Trotsky)


Várias outras passagens nos escritos de Trotsky sobre a Espanha enfatizam que uma vitória na guerra civil era possível em um curto período (poucas semanas ou poucos meses) e que não implicaria nenhuma possibilidade de intervenção militar internacional de larga escala por parte do imperialismo mundial.


Nós vemos que as “generalizações” retiradas da experiencias de guerra civil russa, iugoslava, chinesa e vietnamita pelo camarada Moreno ignoram suas condições especiais e excepcionais: o atraso desses países, a extrema fraqueza de seu proletariado e, exceto na Rússia, a natureza burocrática e politicamente oportunista das lideranças do campo proletário.


Todavia, no mundo capitalista atual, restam somente poucos países grandes em que o proletariado é uma minoria relativamente pequena da população ativa: Índia, Paquistão, Nigéria, Indonésia e, talvez, Egito. Em todos os outros grandes países — incluindo os semi-coloniais — o proletariado já é uma minoria bem grande da população ativa (ao menos duas vezes maior do que foi na Rússia de 1917), a maioria, ou — no caso dos países imperialistas — a maioria esmagadora da população. Acreditar que, sob essas condições e sob uma liderança Bolchevique, Trotskista a se iniciar, as guerras civis precisam, mais uma vez, ocorrer ao longo de anos e até de décadas (sic — veja as páginas 52 e 53 do livro do camarada Moreno), com o tipo de repressões e restrições à democracia socialista que essas guerras implicam, é revisar completamente os ensinamentos de Marx, Lenin e, especialmente, Trotsky sobre o tema.


Deixem-nos adicionar que o proletariado espanhol conseguiu suas enormes vitórias de julho de 1936 sob condições de extremo pluralismo de partidos e de correntes, liberdade de imprensa e de mídia ilimitadas e com a participação de um grande partido burguês, o Esquerra Catalan, nos comitês de milícia (sovietes emergentes). O poder nos comitês e nas fábricas estava na mão dos trabalhadores, não de um único partido. Essas conquistas foram perdidas, certamente, não pelo pluralismo e pela existência de várias autoridades e partidos horizontais (isso é o que a teoria estalinista diz!), mas por causa da política contrarrevolucionária das lideranças dos trabalhadores.


Com certeza, um partido revolucionário do tipo Bolchevique era necessário para centralizar o poder dos trabalhadores e para, rapidamente, esmagar a contrarrevolução. Porém um partido que mereça esse nome, nas condições concretas da Espanha em 1936, longe de restringir a democracia nos comitês e a democracia direta em relação ao que era em 1936, teria a estendido consideravelmente. Teria se contido de “banir” o PSOE e o PC (que teriam sido reduzidos a uma minoria insignificante caso a direção revolucionária seguisse uma política correta, como Trotsky explicou várias e várias vezes), para não mencionar a CNT-FAI ou o POUM. A experiência concreta da revolução Espanhola se joga na cara do esquema revisionista do camarada Moreno.


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