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Primeiros comentários sobre “A ditadura revolucionária do proletariado”, de N. Moreno #1 (E. Mandel)




Primeiros comentários sobre “A ditadura revolucionária do proletariado”, de Nahuel Moreno

(junho, 1979)

Ernest Mandel

Tradução de Roberto F.


Índice

Introdução

1 – Uma deformação sistemática das posições do Secretariado Unificado (SU)



O camarada Moreno achou inteligente enviar um livro de 249 páginas intitulado “a ditadura revolucionária do proletariado” para a discussão preparatória do décimo primeiro congresso mundial da Quarta Internacional. Esse procedimento é altamente irregular, antidemocrático e contrário à necessidade de “proletarizar” a organização, ideia pela qual o camarada Moreno tem tanta empatia.


Esse livro se propõe a ser uma resposta ao rascunho de resolução Democracia socialista e Ditadura do Proletariado, que está disponível para os militantes da Quarta há dois anos. Contrapor um livro à resolução, poucos meses antes da data de encerramento da discussão pré-congressual, significa, no mínimo, três coisas: que o camarada está pedindo um tratamento preferencial, um privilégio, visto que, obviamente, nenhum militante, líder ou até tendência da Internacional tem a possibilidade de responder o livro do camarada Moreno com um documento que tenha tamanho minimamente semelhante; que se reduz seriamente a chance da Fração Bolchevique de ter sua tese fundamental ouvida; que se faz impossível para milhares de militantes examinar, antes do congresso mundial, a contribuição mais importante à discussão de um dos pontos mais relevantes do cronograma (já que ninguém acredita de verdade que eles lerão um livro de 249 páginas em tão pouco tempo, ou que debates sérios de visões opostas serão organizados sobre o livro em nossas seções), ou seja, se aplica um golpe aos seus direitos democráticos.


Como a maior parte dos escritos do camarada Moreno, esse texto não objetiva principalmente convencer os membros da Internacional e, menos ainda, elucidar uma questão teórica e política de suma importância. O foco principal é homogeneizar e fanatizar os membros de sua fração, na qual o livro foi estudado e discutido meses antes de ser enviado para a apreciação internacional, tudo sem que a liderança da Internacional tivesse possibilidade de ter uma resposta aos argumentos do camarada Moreno que foram apreciados pela sua fração. Isso também é um fato relevante, não apartado da estranha concepção do camarada Moreno de construir o partido revolucionário, que ele confunde com construir uma fração, e de sua mais estranha ainda concepção de construção de um Estado operário [workers state], que ele identifica com a gestão deste por uma fração minoritária do proletariado.


Para tentar corrigir o máximo possível do dano causado pelo lançamento do polêmico livro do camarada Moreno, nós apresentamos o primeiro rascunho de resposta concentrado em aspectos essenciais e deixando de lado centenas de erros políticos e teóricos presentes no trabalho do camarada Moreno. Quando a oportunidade e a necessidade se apresentarem, nós nos reservaremos o direito de complementar essa primeira e curta resposta com um anexo mais detalhado.


A essência do livro do camarada Moreno combina quatro elementos:


1 - Deformações sistemáticas da posição do Secretariado Unificado [SU], ao ponto da explícita calúnia e falsificação

2 - Um início de revisão do programa da Quarta Internacional sobre a ditadura do proletariado, como está descrito, mais notavelmente, nas Teses e nas resoluções programáticas dos primeiros quatro congressos da Internacional Comunista, no Programa de Transição, e nas obras teóricas fundamentais de Marx, Lenin e Trotsky sobre o tema.

3 - Concessões políticas e teóricas à ideologia da burocracia dos trabalhadores, sobretudo as estalinistas, social-democrata e sindical-nacionalista de países anti-coloniais.

4 - Uma falha no entendimento de determinados problemas relevantes do período de transição entre capitalismo e socialismo, ou seja, a época histórica da ditadura do proletariado.


Um exame cuidadoso desses componentes da tese do camarada Moreno (nós estamos tentados a dizer: de sua doutrina), que recebem a distinção de uma inegável coerência interna, vai possibilitar que nós definamos as principais diferenças que separam as posições do camarada Moreno daquela da maioria da liderança da Quarta Internacional em relação à ditadura do proletariado e de sua relação com a democracia dos trabalhadores. Essas diferenças, deve-se dizer de antemão, não dizem respeito às questões nas quais o camarada Moreno gostaria que nós acreditássemos.


1 – Uma deformação sistemática das posições do Secretariado Unificado (SU)


O aspecto mais gritante do texto do camarada Moreno é que a maior parte de sua argumentação — uma rápida estimativa nos diria que a metade dela — é baseada em uma deformação sistemática e deliberada das posições com as quais ele polemiza. Em alguns momentos, essa deformação toma uma forma tão ultrajante e caluniosa que beira o grotesco, privando o autor de toda a sua credibilidade.

O exemplo mais nítido dessa deformação está na afirmação de que a resolução do SU evita as questões da insurreição e da guerra civil. Camarada Moreno argumenta que o SU defende a posição de:


“irrestrita liberdade política para Somoza, Pinochet e para o xá do Irã até o dia em que eles lancem insurreições armadas contra a ditadura do proletariado, sem que haja a possibilidade de julgá-los pelos seus crimes” (página 7).


Por isso, o capítulo 1 é intitulado “Um programa de ‘liberdade política ilimitada’ para o Xá, ou um programa para depô-lo impiedosamente?” (na página 33, nós lemos até que o SU deveria, logicamente, (!) lutar pela “libertação incondicional do Xá e de seus assassinos das prisões da ditadura do proletariado”).


Na realidade, a resolução Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado coloca, de forma inequívoca, que a liberdade para organizar partidos representados nos sovietes, sem nenhuma restrição ideológica, não se aplica a uma situação insurrecional (quando a ditadura do proletariado não existe) nem a uma guerra civil, mas a uma situação de poder dos trabalhadores consolidado, depois da completa expropriação e desarmamento da burguesia e das outras classes proprietárias. E também se exclui a provisão de liberdade para todos aqueles que tentem derrubar o poder dos sovietes. É descaradamente óbvio que a resolução nada tem a ver com as situações atuais do Chile, Nicarágua ou Irã, onde, infelizmente, a ditadura do proletariado nem existe, muito menos está consolidada de forma séria.


Se quiséssemos jogar o jogo polêmico do camarada Moreno, conseguiríamos, facilmente, virar seu argumento contra ele e responder: para que possamos usar Somoza, Pinochet e o Xá do Irã como provas de revisionismo do SU, o camarada Moreno supõe que seja possível expropriar e desarmar as burguesias nicaraguense, chilena e iraniana; destruir o aparato de Estado burguês, a polícia e o exército dessas ditaduras; estabelecer o poder dos sovietes nesses países e consolidar a ditadura do proletariado sem tocar um fio de cabelo de Somoza, Pinochet ou do xá do Irã. Mais do que isso, ele supõe que vão existir milhares de trabalhadores, nesses países, burros o suficiente para eleger tais tiranos sanguinários para os sovietes e que esses carrascos estarão contentes em viver pacificamente nesses países sob um regime de ditadura do proletariado, sem temer pelas suas vidas ou pela segurança, meramente escrevendo suas “memórias” e fazendo contra-propostas “ideológicas” nos conselhos de trabalhadores, sem tramar para destruir o poder operário. Só nessa situação, com todos esses pré-requisitos atendidos, o SU poderia ser “culpado” de dar-lhes “liberdade” (uma liberdade que os trabalhadores de tais países teriam sido tolos o suficiente para garantir antes que o SU pudesse, ao elegê-los ou eleger seus amigos para os sovietes).


Precisamos dizer que tudo isso não tem nada — nem remotamente — a ver com as teses do SU?


Nós testemunhamos outra rude deformação das posições do SU, quando o camarada Moreno escreve, calmamente, que o SU “gostaria de colocar a revolução e a guerra civil sob as regras do código penal” (p.30). Na verdade, a resolução do SU, literalmente, diz o contrário. Todas as “normas jurídicas” que discutimos — e teremos chance de voltar à sua importância — não se aplicam, nem a uma situação revolucionária/insurrecional, nem a uma guerra civil, mas a uma situação de ditadura do proletariado consolidada. Portanto, lidamos com óbvias falsificações de nossas posições.


Outra amostra da lista de deformações grosseiras das posições do SU é a afirmação do camarada Moreno de que:


“A maioria do SU adota o mesmo programa, para a ditadura do proletariado, que os eurocomunistas adotaram para o socialismo e para o regime capitalista. Nós precisamos ser totalmente nítidos sobre esse ponto.”


E ainda mais explicitamente:


“O SU cometeu um genuíno crime político, teórico e histórico quando colocou, para a ditadura do proletariado, um programa 90% similar ao eurocomunista e diametralmente oposto ao de nossos mestres”


Sim, você leu corretamente: um programa 90% similar (ou seja, praticamente idêntico) ao dos eurocomunistas! Em outras palavras, de acordo com o camarada Moreno, a questão de ser contra ou a favor da ditadura do proletariado; contra ou a favor da destruição do aparato de Estado burguês; contra ou a favor de desarmar e expropriar a burguesia numa crise revolucionária; contra ou a favor de armar o proletariado; contra ou a favor da criação de um novo tipo de Estado, um Estado de sovietes baseado na organização do proletariado; contra ou a favor do gradualismo, “as vias parlamentares e pacíficas ao socialismo”; contra ou a favor de radicalizar e generalizar mobilizações de massa ao ponto de uma confrontação final com a burguesia; tudo isso separa política, estratégica e teoricamente a Quarta Internacional dos eurocomunistas, tudo isso separa os leninistas dos reformistas de todos os tipos — tudo isso não vale nada (ou vale por mínimos 10%…). Não, o que é decisivo mesmo é o pluralismo de partidos políticos, os avisos de que os leninistas serão “impiedosos” com os “inimigos da ditadura do proletariado”, incluindo aqueles que são parte do proletariado, e a projeção de décadas de guerra civil. Tudo isso é a terra da fantasia.


Alguém consegue nomear UMA revolução socialista que tenha falhado, em qualquer país em que o proletariado urbano constituía a maior parte dos lutadores, por causa do pluralismo partidário? Essas revoluções que falharam, começando pela alemã de 1918–1919 até a chilena e a portuguesa, não obtiveram esse resultado por causa das traições perpetradas por suas direções— e por causa do nível inadequado de compreensão da maior parte dos trabalhadores — em relação às questões que nós acabamos de enumerar?


Não é óbvio que, em todas essas questões — ou seja, em 90% ou até 95% das questões teóricas, políticas, estratégicas e táticas concretas que decidem o destino de revoluções proletárias, ou ao menos o resultado de lutas correntes —, existe uma oposição irredutível, não uma identidade ou similaridade, entre as posições do SU da Quarta Internacional por um lado e as dos eurocomunistas de outro, apesar das enganosas declarações do camarada Moreno dizendo o contrário?


Por razões que continuam obscuras, nos últimos vários anos, o camarada Moreno tem se prestado a atacar de forma caluniosa e teimosa um particular membro do SU, o camarada Mandel. Ele lança outro desses ataques no seu livro. Primeiro, faz-me uma longa acusação — que dura um capítulo inteiro! — de alegar que Trotsky, conforme se aproximava do fim de sua vida, alterou sua posição em algum ponto dos problemas que estamos discutindo e, então, afirma que essa alteração não ocorreu. Aqui, mais uma vez, estamos lidando com uma falsificação grosseira.


O próprio Moreno indica que me refiro à autocrítica de Trotsky sobre a questão do banimento de frações no partido Bolchevique e a uma possível autocrítica (somente implícita) da questão do banimento dos partidos dos sovietes em 1921; mas, tendo dito isso, ele prossegue… e muda de assunto. Fala sobre a guerra civil, Kronstadt, posições de Trotsky de 1924, 1928, 1930, o debate com os Urbahns e a necessidade do papel de direção do partido revolucionário tanto na revolução quanto na ditadura do proletariado.


Entretanto, eu não levantei nenhum desses pontos. Moreno nada diz sobre o que Trotsky escreveu no fim de sua vida sobre as conexões entre o banimento dos outros partidos dos sovietes, o banimento das frações no partido Bolchevique e a ascensão da ditadura totalitária da burocracia. O fato é que, nesses pontos específicos, a posição de Trotsky depois de 1933–34 (que ele não defendera antes dessas datas), era inequívoca. Quatro citações serão suficientes:


Em 1934, Trotsky escreveu um artigo intitulado “Se a América se tornasse comunista”:


“Se a América deveria ser comunista”:


“com a gente [na Rússia - N.T.], os sovietes foram burocratizados como resultado do monopólio político de um partido único, que se tornou uma burocracia. Essa situação resultou das dificuldades excepcionais do pioneirismo socialista em um país atrasado e pobre” (Writings of Leon Trotsky 1934–35, New York: Pathfinder Press, 1971, p. 79)


Em 1936, em “A Revolução Traída”, Trotsky afirmou de forma mais explícita:


“a proibição de partidos de oposição trouxe atrás de si a proibição de frações [no partido]. A proibição de frações resultou na proibição de pensar de forma diferente dos líderes infalíveis. O monolitismo, manufaturado de forma policialesca, do partido resultou numa impunidade burocrática que se tornou a fonte de todas as formas de arbitrariedade e de corrupção” (Writings of Leon Trotsky 1934–35, New York: Pathfinder Press, 1971, p. 79)


Em 1937, em “Estalinismo e bolchevismo”, Trotsky diz de forma ainda mais peremptória:


“é absolutamente indiscutível que a dominação de um partido único serviu como ponto de partida jurídico para o sistema totalitário estalinista” (Trotsky, Stalinism and Bolshevism, New York: Merit, 1970, p. 22)


E, finalmente, em 1939, no seu artigo “Trotskismo e o PSOP”, Trotsky torna nítido e generaliza seus pensamentos sobre o assunto:


“é verdade que o partido bolchevique proibiu frações no décimo congresso do partido, em março de 1921, um tempo de perigo mortal. Pode-se discutir se isso foi ou não correto. O curso subsequente do desenvolvimento [da URSS] provou, de um jeito ou de outro, que a proibição serviu como um dos pontos de partida da degeneração do partido. A burocracia fez, do conceito de fração, um bicho-papão, de forma a não permitir que o partido respire ou pense. Portanto, foi formado o regime totalitário que matou o bolchevismo.” (Leon Trotsky on France, New York: Monad Press, 1979, p. 231) [Grifos de Ernest Mandel]


Então, um aviso perspicaz:


“Quem proíbe frações acaba liquidando a democracia do partido e dá o primeiro passo rumo a um regime totalitário”. (Ibid., p. 228 — Trotsky grifou toda a frase.)


Obviamente, essas citações vêm sempre antes ou depois da refutação das teorias que afirmam que o sistema de partido único ou o banimento de frações do partido Bolchevique causaram a degeneração do Estado operário. Para um Marxista, materialista, é certo que causa principal está na situação de atraso do país, na fraqueza relativa do proletariado russo, na derrota da revolução mundial, que deixou a revolução [soviética] isolada nessas condições de atraso. Contudo, a essas causas principais, Trotsky agora adiciona as medidas políticas adotadas em 1920–21 como facilitadoras da degeneração. Isso é uma decorrência indubitável das quatro citações que acabamos de reproduzir. Por isso, devemos escolher uma das duas interpretações possíveis. Ou se pensa que, entre 1933 e 1940, Trotsky — repentinamente tornou-se fatalista e “objetivista” — acreditava que não existia forma de evitar que se facilitasse a criação de um regime totalitário à época de 1920–1921; ou se rejeita essa tese, que contradiz todo o pensamento e todo o significado da luta da Oposição de Esquerda, que se baseou precisamente na possibilidade de contrapor, ao curso rumo à degeneração burocrática, uma alternativa para evitá-la. Nesse caso, a autocrítica implícita nas três primeiras citações — e explícita na última — é inegável.


Sobre a falsificação caluniosa das minhas posições sobre a crise revolucionária no Chile, que atribui a mim a ideia de que o proletariado chileno poderia ter triunfado sobre a ameaça de golpe de Pinochet por uma via inteiramente pacífica confiando (sic) que o governo da Unidade Popular “purgaria o exército e eliminaria o aparato repressivo”, sem uma palavra (sic, de novo) sobre a necessidade de uma mobilização armada do proletariado, ocupando pacificamente as fábricas e estabelecendo cordões industriais: isso é ridículo demais para merecer uma resposta. Alguém só precisa se referir ao que eu escrevi sobre o tema no “Em defesa do leninismo, em defesa da IV Internacional” ou no rascunho de resolução política do IMT para o qual eu fui relator no décimo congresso mundial [da Quarta]. Esse tipo de calúnia costuma retornar, como um bumerangue, contra seu autor. Melhor o Camarada Moreno mudar sua abordagem.


Acreditamos que não tem por que continuar. Cinco exemplos são suficientes. Uma boa parte do livro do camarada Moreno é feito de polêmicas contra posições que não estão nas resoluções do SU, ou seja, polêmicas completamente inúteis, que gastam tempo e energia, exercícios estilísticos por propósitos puramente fracionais. Não há nada de “proletário” ou de “bolchevique” neles. Eles não contribuem em nada para a formação de um verdadeiro partido revolucionário dos trabalhadores.

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