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A greve geral – questões estratégicas #3 (Ernest Mandel)



A greve geral – questões estratégicas

Ernest Mandel

Tradução de Julia Palmberg

Revisão de Pedro Barbosa


Sumário

7) A centralização

8) As lealdades da classe operária às organizações tradicionais e o problema da tomada do poder

9) O armamento operário e a autodefesa


7) A centralização


Nos deparamos aqui com um fenômeno que é de grande importância psicológica e que, sem dúvidas, Lenin subestimou quando quis transpor para a Europa ocidental um certo número de experiências da Revolução Russa: a classe operária da Europa ocidental está centralizada há muito tempo nas organizações operárias, sindicais e políticas. E quando o camarada Posadas veio à Europa e deu um tapinha nas costas dos trabalhadores lhes dizendo: “sabem, vocês têm de aprender a se centralizar”, ele ensinou algo que eles já sabiam há 75 anos.


Infelizmente, a experiência que os proletários realizaram é dupla e, pelo menos parcialmente, negativa: a centralização aumenta incontestavelmente a força, mas a forma concreta da centralização também reforçou a burocratização; e quanto mais centralizada é uma organização de massa hoje, mais ela é burocrática. Não há uma única exceção a essa regra em toda a Europa.


No entanto, explicamos que, em larga medida, justamente o que é positivo em uma greve geral é que ela vai libertar as forças da autonomia operária podendo recolocar em questão o controle burocrático sobre a classe trabalhadora e o movimento operário. É quase inevitável que esta autonomia operária seja caracterizada, no início, por um grau não negligenciável de descentralização. É menos a revolta contra a burguesia e seu Estado que contra a burocracia. Mas as duas estão, por força das coisas, muito intimamente ligadas.


O que quer dizer que a centralização de todas as iniciativas que serão tomadas não será uma coisa tão evidente quanto em um discurso de trotskista ou em uma escola de formação de quadros. Tomemos um exemplo extraído da Revolução Espanhola (devemos nos referir a ela frequentemente porque é a experiência mais rica desse tipo que conhecemos nos países imperialistas até hoje): os órgãos de tipo soviético criados espontaneamente pelos trabalhadores durante os primeiros dias da revolução não tinham os mesmos nomes nas diferentes cidades: na Catalunha, onde o movimento estava mais avançado, eles se chamavam no geral (mas não por toda parte) “comitê de milícia”; em outras partes do país, eles se chamavam diferentemente, “comitê de produção”, “comitê local”, “comitê de fábrica”, “conselho operário”, “comitê de frente popular”, etc. Isso variava de uma cidade à outra. E o título não era somente uma questão formal, ele revestia também uma função diferente, uma composição diferente, uma autoconsciência diferente por parte das pessoas que estavam dentro sobre o que ele representava. E federar todos esses comitês dentro de 24 horas em um Congresso Nacional, não era só impossível, como não foi feito e não é por acaso.


Gostaria de indicar algumas vias pelas quais essa centralização pode progredir:


1. Uma via muito importante, é a via econômica ou economista, da qual eu já falei: à medida que passamos à greve ativa, há na lógica da greve ativa uma força centralizadora colossal que devemos destacar. É impossível começar a produzir em uma empresa sem fazer contato com as empresas de transporte, de matérias-primas, de distribuição, de energia. Há uma força de centralização e de coordenação que nasce quase automaticamente. Este é mais um argumento para indicar a importância da passagem à greve ativa para transformar uma greve geral em início de um processo em direção à revolução socialista.


2. Um outro fator muito importante que ainda temos a tendência de subestimar: a centralização da comunicação. Atualmente existem centros nervosos da sociedade que não são mais os mesmo que havia 60 anos atrás. Não é mais a estação [de trem]; a ideia de ocupar a estação – que era uma ideia lógica para os trabalhadores de 1917 – não ocorreria a ninguém na maioria dos países. Os centros nervosos atuais são os centros de telecomunicação, de rádio, de televisão, e tudo o que está ligado a eles: as gráficas (não devemos subestimá-las, principalmente aquela onde se imprime o dinheiro), bancos, correios, etc.


Se observamos esses poucos elementos, vemos as forças de centralização que podem nascer em uma greve geral. Do ponto de vista da possibilidade de uma revolução socialista, ninguém percebeu a reviravolta da greve geral de maio de 68: nos primeiros dias da greve todas as empresas eram ocupadas e controladas pelos trabalhadores, incluindo aquelas de telecomunicação; em Paris não havia uma única antena de telecomunicação que não era controlada pelos grevistas – mesmo aquelas do Ministério do Interior e do Ministério da Defesa Nacional. A única intervenção militar que o governo gaullista fez foi para liberar uma antena em Paris para o Ministério do Interior. Uma intervenção de cem policiais foi suficiente.


Se houvesse uma outra direção para a greve – com a qual poderíamos obviamente fazer muitas outras coisas –, se houvesse uma outra consciência nos proletários, se eles tivessem compreendido a importância decisiva das coisas, eles se oporiam à apreensão dessa antena, e é inútil explicar aquilo que poderia ter surgido de tal resistência – vitoriosa, sem dúvida nenhuma.


Temos que entender que o grau de paralisia que uma greve geral, que toma medidas de centralização dessa natureza, pode impor ao Estado burguês é qualitativamente superior a tudo aquilo que vimos no passado. Nela aparece um dos aspectos mais impressionantes da incompreensão de todos aqueles que fazem a crítica falsa e unilateral à tecnologia contemporânea e que a veem apenas como força de opressão e exploração – o que ela é sob o regime capitalista –, e que não compreendem que ela torna a sociedade burguesa, precisamente porque é tecnológica, infinitamente mais vulnerável do que no passado diante de uma ação unanime e generalizada de todos os assalariados.


Qual era a repressão burguesa há 50 ou 60 anos? Era alguns milhares de soldados armados lançados sobre a população; só havia, naquele momento, uma única coisa a fazer: opor as armas às armas. Hoje, a sociedade é muito mais vulnerável; são unidades altamente móveis, mas todas conectadas por rádio, telex, teleimpressor, etc. com um número fortemente reduzido de centros nervosos. Confiscar todas as antenas de telecomunicação, cortar as possibilidades de transmissão e, em um quarto de hora, a centralização passa para o campo do proletariado e da revolução, e a contrarrevolução é completamente descentralizada.


Durante os primeiros dias da greve geral de maio de 68 na França, chegamos a uma situação na qual o ministro do Interior não tinha mais nenhum meio de comunicação com os prefeitos. E a situação era forçada ao grotesco, pois mesmo os secretários, os escrivães, os empregados das prefeituras estavam em greve, o que quer dizer que a questão mesmo não era a impossibilidade de se comunicar com as prefeituras, mas que isto já não servia de nada: seria preciso falar diretamente com o prefeito ou um de seus adjuntos, porque de outra forma o recado não seria transmitido.


É fundamental compreender a importância destes novos centros nervosos, que são todos esses meios de telecomunicação, para a passagem da centralização para o campo operário e para paralisar o campo burguês e a contrarrevolução. A greve passiva transformada em greve ativa nestes domínios é uma centralização automática. Imaginem a passagem à greve ativa durante uma greve geral do pessoal do rádio e da televisão. Quer dizer que o rádio e a televisão estão colocados a serviço da greve, com uma força de centralização indescritível. A contrarrevolução compreende isso perfeitamente: cada golpe contrarrevolucionário dos últimos quinze anos visou agarrar antes de mais nada os sistemas de rádio e televisão. Eles sabiam que se esses sistemas estivessem nas mãos do povo e dos trabalhadores, isto daria um poder colossal, que jamais existiu no passado, para a centralização de um poder operário.


E podemos tirar conclusões, com certeza, para o futuro: é em torno destes centros que as primeiras provas de forças se darão. A força policial belga não se divertirá ao expulsar os grevistas da Cockerill ou da ACEC [Ateliê de Construção Elétrica de Charleroi] – eles deverão estar loucos para fazer algo parecido. Eles não se concentrarão mais na estação de trem de Waremme, ou na estação-fronteira de Haine-Saint-Pierre. Eles irão aos grandes centros de telecomunicação, à RTB [Rádio-TV Belga], aos correios, aos grandes bancos: estes são os centros que, se forem controlados por um campo ou pelo outro, podem determinar o curso geral dos acontecimentos por um período.


É possível, justamente em torno do problema da autodefesa deste tipo de instituições que, pela sua própria natureza, passam em uma boa medida o poder de um campo ao outro, que se dê a tomada de consciência de uma massa muito maior de trabalhadores e que se compreenda a necessidade de um certo número de coisas que não se compreende enquanto são colocadas de uma maneira um tanto abstrata e geral.


8) As lealdades da classe operária às organizações tradicionais e o problema da tomada do poder


Trata-se da articulação de tudo o que acabo de dizer até agora a respeito do desenvolvimento da dualidade de poder que nasce da greve geral com as lealdades políticas, digamos, tradicionais da classe operária, que leva à famosa questão da forma transitória governamental. Somos confrontados com a contradição fundamental sob a sua forma mais pura e mais elevada.


Objetivamente a questão da greve geral coloca a questão do poder político. Objetivamente os comitês de greve federados são órgãos de dualidade de poder. Objetivamente os comitês de greve federados que começam a assumir outros poderes, além de gerir a greve, começam a agir como órgãos de poder. Mas tudo isso é, infelizmente, compatível com outro fenômeno, que a maioria dos trabalhadores, elegendo esses comitês e lhes apoiando, continuem a apoiar ao mesmo tempo os partidos reformistas que, justamente em situações desse tipo, manifestaram seu caráter contrarrevolucionário da maneira mais prejudicial no curso da história do movimento operário.


É preciso deixar dizer que o veredito da história é absolutamente claro: ele ocorre a cada vez. Os operários russos elegeram os sovietes por toda parte em fevereiro e março de 1917, e eles elegeram uma maioria de mencheviques e socialistas revolucionários de “direita”, ou seja, de reformistas. Os operários alemães elegeram por toda a Alemanha em novembro de 1918 os conselhos operários e eles elegeram uma maioria de social-democratas. Os operários espanhóis criaram comitês em toda a Espanha em julho de 36, mas a grande maioria dos membros destes comitês eram social-democratas, anarquistas e membros do Partido Comunista, ou seja, membros de organizações que não compreendiam a natureza da dualidade de poder, para não falar da necessidade de conquista do poder por meio desses comitês. Devemos entender essa contradição e não podemos negá-la com palavras.


Não podemos dizer: “Assim, enquanto os operários não tiverem rompido conscientemente com o reformismo, eles jamais criarão sovietes”. Isto foi demonstrado ser falso pela história. E menos ainda podemos dizer: “Assim, enquanto os operários não tiverem rompido com o reformismo, eles não deveriam criar sovietes”, o que é quase a teoria dos maoístas. Pois é apenas por meio da criação dos sovietes, estando em uma situação revolucionária, que eles acabarão por romper, em maioria, com o reformismo. Aí se encontra a verdadeira dificuldade, a verdadeira contradição, que encontra sua expressão mais clara na questão do poder.


Pois não se pode convencer os trabalhadores de que esses órgãos devem tomar todo o poder se se opuser esse poder aos partidos aos quais eles ainda são leais. E também não podemos ter a ilusão de que estes partidos, sob a pressão dos trabalhadores, acabarão por tomar o poder. Não podemos excluir de antemão esta eventualidade marginal, mas ela é extremamente improvável, e para a Europa ocidental, ela está excluída.


Até agora, o movimento revolucionário em geral propôs duas soluções para sair desta contradição. Estas soluções, que são proposições para resolver o problema, continuam sendo as únicas válidas.


1. No nível da propaganda, é a famosa e clássica tática dos bolcheviques de 1917 que diziam aos trabalhadores: “Vocês estão organizados nos conselhos operários, vocês querem que eles tomem o poder. Ao mesmo tempo, vocês ainda têm ilusões com o partido social-democrata. Exijam de seu partido que ele tome todo o poder no quadro dos sovietes”.


Insisto no fato de que tal agitação tem uma dinâmica completamente diferente, em uma situação revolucionária na qual já existem órgãos de dualidade de poder, com relação a uma tática de convocar os trabalhadores para votar nos partidos operários, e também com relação à tática de exigir que o Partido Trabalhista chegue ao poder na Inglaterra por meio das eleições, o que também é útil a fim de propaganda, mas que é totalmente diferente em sua dinâmica. Creio que no futuro não estaremos poupados de atravessar pelo mesmo caminho. A única eventualidade na qual poderemos economizar essa etapa intermediária será se as organizações revolucionárias, desde o início, forem majoritárias na classe operária, eventualidade que excluímos como pouco provável, senão impossível, nos próximos anos.


Entretanto, é preciso ter atenção à formulação precisa dessa palavra de ordem governamental transitória, pois ela deve corresponder à realidade da lealdade da classe operária. E a mesma pode variar. Hoje, há uma tendência na Europa ocidental – que constatamos na Bélgica, talvez antes que os camaradas de outros países –, que é uma certa transferência de lealdade dos velhos partidos tradicionais da classe operária aos sindicatos. A forma reformista tradicional clássica em um país como a Bélgica é muito mais a FGTB que o Partido Socialista Belga, na Itália muito mais os sindicatos que o Partido Comunista, para não falar do Partido Social-Democrata.


Devemos, então, considerar na formulação da palavra de ordem governamental: é necessário incluir os sindicatos de toda maneira e, em certas situações, as organizações sindicais antes das organizações políticas tradicionais. Lembremo-nos de que na Bélgica, durante todo um período a partir da greve geral de 1960, tivemos como palavra de ordem governamental de transição “governo operário apoiado nos sindicatos”, o que correspondia a uma realidade da classe operária, do movimento operário na Bélgica. Não devemos pré-julgar o futuro, pois esta questão é muito concreta e ela se modifica com as realidades da classe operária, e ela não deve sair de um esquema ou de um texto escrito há 40 anos, mas deve estar colada à realidade concreta da etapa na qual nos encontramos em cada país.


2. O outro aspecto da solução desta contradição é o aspecto organizacional. Quando há uma crise revolucionária muito aguda, quando há uma greve geral que realmente paralisa todo o país e cria órgãos de dualidade de poder, um reagrupamento ultrarrápido, uma recomposição ultrarrápida se opera na classe operária e no movimento operário. É o grande momento do centrismo na história do movimento operário. Há forças centristas que surgem de diversos horizontes, de diversos pontos de partida, e que, em geral, se encontram rapidamente em um denominador comum na luta, que é positivo – não falo aqui do centrismo no sentido negativo, mas positivo, pois se trata de forças que vão do reformismo em direção à revolução.


Então, a tarefa de criar uma unidade de ação entre os revolucionários e os centristas em torno de algumas questões-chave para o nascimento do poder operário é, em geral, a tarefa organizacional mais importante. Na Revolução Espanhola eram a esquerda anarquista, a esquerda socialista, o POUM [Partido Operário de Unificação Marxista] e os trotskistas. Na Revolução Alemã eram a esquerda do partido socialista independente, o Partido Comunista e certas forças anarco-sindicalistas. Na Revolução Russa eram o Partido Bolchevique e a esquerda do Partido Socialista-Revolucionário.


Evidentemente, a situação ideal é – novamente – a situação na qual o partido revolucionário tem, desde o início, a hegemonia neste movimento, assim, não há muitos problemas e o desenrolar russo pode ser imitado. Mas me permito fazer um prognóstico pessimista. Não creio que isto se repetirá com frequência na Europa ocidental. Não digo por pessimismo congênito, mas porque essa situação excepcional na Rússia foi produzida por um passado que devemos explicar: o partido bolchevique pôde conquistar a hegemonia na extrema-esquerda russa porque ele já tinha a hegemonia em toda a classe operária há dez anos.


Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o partido bolchevique era absolutamente hegemônico no movimento operário russo, tanto do ponto de vista eleitoral, quanto dos pontos de vista da imprensa, sindical e do número de membros. Há uma enquete conhecida de Émilie Vandervelde, então inimigo feroz dos bolcheviques, que chegou à Rússia, em nome do Bureau Socialista Internacional, no início de 1914 e que reconhece que os bolcheviques eram majoritários em todos os pontos de vista na classe operária russa.


Isto que aconteceu na Rússia é algo totalmente diferente do que existe atualmente na Europa Ocidental. A corrente revolucionária que possuía a hegemonia no seio da classe operária russa quando esta era realmente pouco ativa perdeu temporariamente a hegemonia. Quando a corrente revolucionária se estendeu a todo o povo, em fevereiro e março de 1917, ela recuperou sua hegemonia de forma bastante rápida seis meses depois. E ela pôde fazer isso porque ela tinha quadros operários em cada fábrica, e tinha adquirido implantação na classe operária.


Esta não é, absolutamente, a situação da vanguarda revolucionária atual em qualquer país da Europa ocidental. E, nestas condições, é pouco provável que mesmo com a ajuda de uma ascensão revolucionária – e mesmo pensando na multiplicação da força por dez, ou mesmo por cinquenta, o que é provável em tal ascensão – sejamos imediatamente mais fortes do que as correntes centristas saídas das grandes correntes de massa, que representa uma força infinitamente mais importante. O Partido Comunista alemão em 1919, 1920 até o congresso de Halle, representava de 15 a 25 mil membros, a esquerda dos socialistas independentes representava de 300 a 500 mil pessoas. Vejam a relação de forças. Na Espanha, o POUM – com todas as críticas que podemos fazer – e os trotskistas representavam de 4 a 6 mil pessoas, e a esquerda socialista e anarquista de 200 a 300 mil pessoas. É a mesma relação de forças.


É pouco provável que no futuro conheceremos relações de forças radicalmente diferentes no início de uma ascensão revolucionária. O que quer dizer que evitar todo sectarismo entre estas correntes de esquerda é uma questão vital para não perder a vitória da revolução, e que é preciso encontrar as formas organizacionais para a criação de uma frente única de revolucionários no seio da frente única das organizações operárias. Quando digo “frente única de revolucionários”, refiro-me a uma frente dos partidos revolucionários e dos centristas, pois, por definição, todos aqueles que não estão no partido revolucionário, são centristas.


Na França, isto se concretizou durante o maio de 68: uma espécie de frente de revolucionários funcionou. Era ela que tomava todas as iniciativas de ação. As grandes manifestações, as reuniões, etc. Nossos camaradas desempenharam um papel exemplar, sem sectarismo algum. Vem dali o início de seu avanço na extrema-esquerda francesa como uma força politicamente hegemônica. Creio que esta seja uma imagem a se utilizar. Na Itália, por exemplo, isto não foi feito. Durante a grande ascensão de greves em 69, diferentes grupos e grupúsculos revolucionários jamais chegaram a estabelecer um mínimo de frente única entre eles. Eles [só] perceberam isso agora, em um período de recuo e sob uma linha direitista, mas isto é clássico. E este fato resultou em consequências desastrosas na Itália.


Dou o exemplo mais desastroso. Quando o primeiro conselho de delegados operários foi criado na Fiat, no fim de 69, por meio de iniciativas de grupos da extrema-esquerda, uma conferência proletária nacional reuniu 3 mil operários revolucionários; nossos camaradas, que eram uma pequena minoria, batalharam “até a morte” por uma questão: que todos os revolucionários tomassem a iniciativa de imitar nas outras empresas italianas aquilo que havia sido feito na Fiat. Havia meios de fazê-lo, pois as forças presentes eram capazes. Todos os grupos maoístas e espontaneístas se opuseram, com argumentos estúpidos e típicos da ultra-esquerda: “todos somos delegados”, “nós não temos necessidade de delegados”, “queremos emancipar a massa”, etc.


O resultado disto: a burocracia sindical acabou por expandir a constituição dos comitês no lugar da vanguarda revolucionária, e pôde retomar, assim, o controle de um movimento que poderia lhes ter escapado totalmente. E a conclusão lógica: os mesmos que clamaram em 69 “todos somos delegados” hoje apoiam a burocracia sindical em sua manobra de integração dos conselhos operários ao aparelho sindical.


Este exemplo mostra também que a luta pela frente única de extrema-esquerda no quadro da luta pela Frente Única Operária (F.U.O) exige a ausência de sectarismo, mas também a ausência de alinhamento mecânico e seguidor de posições ultra-esquerdistas e oportunistas que podem ser defendidas pelas diferentes variantes que encontramos nesta fauna.


Qual é, assim, a chance dada aos revolucionários? Gostaria de dar alguns exemplos históricos. A associação da esquerda do Partido Socialista Independente e do Partido Comunista em 1922 permitiu a conquista da maioria do sindicato dos metalúrgicos na Alemanha, e abarcou a maioria na direção (do maior sindicato alemão). Nos meses de setembro e outubro de 1936, o POUM, a esquerda anarco-sindicalista e a esquerda socialista tiveram uma maioria incontestável no seio dos comitês de milícia na Catalunha. E quando criticamos o POUM ou a direção direitista do Partido Comunista alemão de 22 a 23, não é porque eles passaram por essas etapas absolutamente indispensáveis para conquistar a maioria da classe operária, mas porque eles não aproveitaram estas chances para colocar e resolver a questão do poder. Não há outros meios de resolver esta questão. Não a resolveremos com uma pequena minoria contra a maioria da classe operária nos países imperialistas.


9) O armamento operário e a autodefesa


Mesmo quando a extrema-esquerda já possui a maioria nos conselhos operários, mesmo quando a burguesia está profundamente desmoralizada e desorganizada, mesmo quando as classes médias passam cada vez mais para o lado da classe operária, porque elas acreditam que esta vai triunfar – todas estas são características de uma crise revolucionária que está amadurecendo –, a questão da conquista do poder não será solucionada se a questão do armamento não estiver solucionada. E a questão do armamento tem dois aspectos que têm de ser interligados para serem resolvidos:


1. A questão do armamento da classe operária.

2. A questão da desagregação do exército burguês.


Um não anda sem o outro. Sem um início de armamento da classe operária, a desagregação do exército burguês não ultrapassará um limite mínimo. Trotsky falou a respeito desse assunto tudo aquilo que faltava ser dito, tudo aquilo que é clássico dizer sobre a força da disciplina dentro do exército burguês; que só pode explodir totalmente quando o soldado individual encontra uma defesa, incluindo uma defesa armada em outro lugar. Por outro lado, a autodefesa operária não ultrapassará um certo limite mínimo, bastante primitivo, se não houver uma decomposição em grande escala do exército burguês.


É preciso compreender que essa questão é essencialmente política, e não técnica. Todos aqueles que tentam colocar esta questão como sendo técnica acabam, cedo ou tarde, dizendo que a revolução é impossível. É a posição de Régis Debray tirando lições da Revolução Chilena: “não temos pilotos de avião o suficiente (quem poderia ter formado pilotos de avião?). Não haviam o suficiente em 73, nem em 72, ou 71. E se tivéssemos começado a armar os operários mais cedo, os pilotos já teriam batido antes”. Em última análise, é a explicação dos stalinistas nos debates que tivemos com os dirigentes do Partido Comunista belga, ou seja, “o resultado obtido era inevitável”. Não quero entrar na questão do Chile, este não é o assunto.


Tivemos um debate semelhante, evidentemente acadêmico, sobre o que teria acontecido em 1968 se os trabalhadores tivessem começado colocar a questão do poder. O problema essencial é um problema político, e não técnico. E é um problema muito complicado, cuja dificuldade deve ser entendida, e em que se deve entender que a maior parte dos que apresentam soluções técnicas precipitadamente o fazem, na verdade, porque estão tentando fugir da dificuldade por meio de uma fuga precipitada.


Qual é a dificuldade? É a mesma que mencionei anteriormente em relação ao parlamento. Por toda a tradição do movimento operário na Europa ocidental – com a possível exceção da Espanha –, os trabalhadores não estão preparados para pegar em armas. Isso lhes parece uma preocupação totalmente alheia à sua experiência real. E ela é alheia, não há sombra de dúvidas! É preciso, então, encontrar as mediações necessárias para fazê-la entrar em sua experiência e compreensão. Aí está a importância do problema da autodefesa, da questão da luta antifascista, das experiências específicas dos piquetes de greve e da extensão destes.


Pois é somente através destas experiências que isto se torna mais concreto para uma massa mais ampla. Deixo de lado o problema da preparação dos quadros e do papel da organização revolucionária neste assunto, sobre o que coisas suficientes já foram escritas. Mais uma vez a dificuldade, que é muito grande, é em parte reduzida pelo próprio adversário.


Se a burguesia e o Estado se comportam de maneira totalmente passiva a respeito de uma greve geral com ocupação das fábricas, com conselhos operários e início de organização da produção pelos próprios operários, com a ocupação das telecomunicações [...]; neste caso, a consciência não progredirá muito pela via do armamento. Mas compreenderemos que reunindo todas estas condições, isso é pouco provável: uma resposta bastante rápida da burguesia é absolutamente inevitável. Ela toma a forma de uma provocação armada, a princípio pequena e depois cada vez maior. A questão do papel da vanguarda revolucionária no aproveitamento de cada uma dessas experiências envolve operar um salto na consciência e na organização prática dos trabalhadores no plano da autodefesa armada.


É assim que a greve geral com ocupação de fábricas e surgimento de órgãos de dualidade de poder se aproxima da situação onde a insurreição armada e a conquista do poder começam a ser colocadas na ordem do dia. E a preparação dos revolucionários neste âmbito é uma preparação antes de tudo política, cujo aspecto técnico não deve ser negligenciado, mas é secundário.


Todos os fracassos das revoluções na Europa ocidental no curso dos últimos 50 anos não ocorreram porque houve muito pouca preparação técnica, mas porque houve falhas no plano político. Se a classe operária espanhola chegou a desarmar praticamente todos os quartéis das grandes cidades, não foi por ter tanta riqueza técnica, ela conquistou este feito por meio de um ataque colossal. Se fracassou na conquista do poder não é porque os meios técnicos que possuía em setembro não eram mais os mesmos que os de julho, mas porque manifestamente careciam de compreensão política, de vanguarda e de direção política sobre este assunto.


E eu gostaria de terminar com dois exemplos da Revolução Alemã, que são os dois momentos nos quais a conquista do poder foi concretizada. Primeiro, a greve geral contra o golpe do General Kapp em 1920. A emoção provocada pelo golpe e a enorme autoconfiança despertada pelo fato deste golpe ter colapsado após três dias de greve geral levaram a que mesmo o partido social-democrata e, principalmente, o sindicato, pela primeira e única vez na Alemanha, colocassem a questão de um governo operário.


Legin, secretário-geral do sindicato alemão colocou a questão da constituição de um governo composto dos sindicatos, do Partido Social-democrata, do Partido Socialista Independente e do Partido Comunista. O Partido Comunista cometeu o erro enorme de não aproveitar a situação e de não lançar uma campanha de agitação pela aplicação imediata desta demanda. Sobretudo porque em uma parte da Alemanha (Ruhr e Saxônia), os operários estavam novamente armados para se opor ao golpe. Neste determinado momento, foi possível um avanço. Não foi, então, uma falta de armas e de forças técnicas, mas uma falta de sagacidade política que determinou que esta reviravolta não tenha sido aproveitada.


O segundo exemplo é aquele de setembro e outubro de 1923. Já falei muito e não posso fazer uma descrição de 1923, que é o ano da reviravolta na história europeia. No verão de 1923, a classe operária alemã, por meio de uma greve geral, derrubou o governo conservador do chanceler Kuno. Neste momento, o Partido Comunista estava ocupado conquistando a maioria nos grandes sindicatos e nos muito numerosos conselhos de empresas. O dirigente do Partido Comunista, Brandler, tem um projeto de conquista do poder. É um projeto arriscado, mas que não é idiota. É um projeto de três tempos. No início, o Partido Comunista constitui um governo de coalizão em duas províncias, Saxônia e Turíngia, com a esquerda socialista. Em segundo lugar, ele utiliza a posição no interior destes governos para constituir milícias operárias armadas e, finalmente, ele se apoia nestas “guardas vermelhas” para preparar a insurreição em toda a Alemanha.


Evidentemente este não é um projeto secreto; todo mundo, mesmo a burguesia, sabia: ele era discutido abertamente na imprensa do Partido Comunista. O que tornava o segundo ponto vulnerável, era, evidentemente, que a burguesia iria reagir assim que os ministros comunistas colocassem em prática o armamento dos operários. Foi o que aconteceu! Assim que a primeira medida de constituição da “guarda vermelha” foi aplicada, a Reichwehr [forças armadas alemãs] entraram na Saxônia e na Turíngia e dissolveu estes dois governos. É um aspecto técnico da questão, que podemos discutir.


Qual é, atualmente, o aspecto político que é, de longe, decisivo? A Saxônia e a Turíngia eram dois estados governados por primeiros-ministros social-democratas de esquerda. Os dois governos apoiavam totalmente os sindicatos. A ofensiva militar do exército contra estes dois governos foi uma afronta, um verdadeiro ataque lançado contra o movimento operário organizado na Alemanha. Era possível tornar este pequeno sucesso tático, secundário em outros lugares, nos dois estados, sob a condição de ter, de maneira sistemática, preparado o Partido Comunista e a vanguarda operária para uma prova de forças de âmbito nacional, inclusive a nível de armamento.


O camarada Brandler não o fez, ele hesitou sobre essa questão e, sobretudo, sobre a questão de saber se a situação estava madura para uma prova de forças. Ele encarou a dificuldade de uma maneira tradicionalmente centrista: ele convocou um congresso de conselhos operários, de comitês de fábricas, e lhes perguntou “vocês estão prontos para resistir com armas à Reichwehr?”. A resposta foi enviada com antecedência. Devo dizer, pois é uma prova da maturidade extraordinária da situação, que havia mais de 40% dispostos para a resistência armada em um congresso deste tipo.


Mas como Trotsky resumiu a situação: “Se uma massa de militantes operários hesitantes se encontram diante de um dirigente hesitante que lhes diz ‘estou pronto para segui-los, qual iniciativa vocês tomarão?’, evidentemente, não podemos esperar que eles irão correr para a conquista do poder”. É obviamente a relação inversa que precisaríamos: uma liderança muito decidida, que deveria convencer uma massa ainda hesitante de que só há uma saída, e indicar esta saída de uma maneira muito clara, tomando as iniciativas necessárias neste sentido. Foi o que os bolcheviques fizeram em 1917.


O que é absolutamente decisivo é a preparação das condições subjetivas necessárias para fazer a classe operária aceitar em sua maioria a necessidade de um conflito decisivo com a burguesia.


Toda a lógica desta apresentação é que uma greve geral, uma greve geral ativa, uma greve geral que dá lugar à eleição de conselhos operários, está preparando tal prova de forças, que possui enormes vantagens do lado operário. Quanto mais um país é industrializado, mais avançada é a tecnicidade dos processos sociais, mais vantagens se encontram no campo operário.


Mas o fator em última análise decisivo continua sendo o campo que toma a iniciativa na ação. Tomar iniciativa na ação, mesmo que em um dia, derrotar o adversário em um momento decisivo, isso muda totalmente as relações de forças. É aí que vemos toda a importância do partido revolucionário e do fator subjetivo para mudar o curso da história!

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