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O PT e o partido revolucionário no Brasil (Democracia Socialista, 1981) #1


O PT e o partido revolucionário no Brasil (agosto, 1981)


Transcrição extraída de “Perspectiva Internacional” (dezembro, 1984) por Fernanda Rocha, Julia Silvestrini, Julio Bueno, Pedro Barbosa e Vinicius Souza.


Conteúdo

I - Introdução

II - As lições da história

1. A necessidade de um partido operário e do marxismo revolucionário

2. A crise histórica da direção revolucionária

III - O PT e a experiência clássica de construção do Partido Revolucionário

1. A situação no Brasil hoje, condições objetivas enormemente favoráveis para a construção de um partido marxista-revolucionário

2. O tratamento de situações semelhantes na história do movimento operário

3. A construção do partido revolucionário no Brasil - um caminho clássico

4. A construção do partido revolucionário no Brasil - não é possível apenas refazer o caminho clássico

5. Por que se justifica a necessidade de uma organização marxista-revolucionária hoje?

6. As limitações do PT - o PT poderá vir a ser um partido marxista-revolucionário de massas?

7. A construção de uma organização marxista-revolucionária

8. Problemas envolvidos em uma política marxista-revolucionária para o PT

9. Resumo da política marxista-revolucionária no PT

IV - O PT hoje


Acesse o documento na íntegra aqui: https://bit.ly/2Z4gqwq


O PT e o partido revolucionário no Brasil


Republicamos aqui o caderno lançado em 1981 pelo coletivo do jornal EM TEMPO. Defendendo um ponto de vista político inédito no interior da esquerda organizada, ele mantém a sua atualidade e é ainda uma referência importante para o debate sobre os rumos do partido. [Perspectiva Internacional, dezembro de 1984, p. 3-16]


I – Introdução


O lançamento do movimento por um Partido dos Trabalhadores no Brasil, obtendo desde o início uma ressonância de massas e o apoio das principais lideranças operárias do país, pegou de surpresa a maior parte da esquerda. Afinal, formada principalmente numa interpretação bastante estreita do leninismo (quando não inteiramente stalinizada), acostumada a uma ênfase unilateral no papel da vanguarda na construção do partido, esta esquerda teria mesmo de reagir com surpresa e reprovação diante do PT.


Pouco a pouco, o PT foi se impondo e ganhando terreno. Da reação negativa inicial, muitos grupos passaram ao apoio e à participação no PT. Para isto foram levados tanto pelo peso demonstrado pelo movimento do PT quanto pelo fracasso de propostas alternativas, como a do “Partido Popular” (que era concebido como expressão institucional e parlamentar de uma frente popular). Estes grupos têm tentado compatibilizar a sua participação no PT com a sua visão anterior, dogmática e estreita do leninismo. De modo geral, insistem em caracterizar o PT como uma frente, uma “frente política”, quando não diretamente uma frente popular. Insistem em chamar o PT de partido “tático”, forma disfarçada de designar não um partido, mas uma coligação eleitoral-parlamentar. Para esses grupos o PT não pode passar de certos limites, ou arrasa com seus esquemas teóricos. A política dessas correntes para o PT é um dos obstáculos ao seu desenvolvimento como partido operário de massas, independente da burguesia.


Outros setores da esquerda, desiludidos com o leninismo, em geral estreito, que praticaram, optaram por um caminho inverso: tomar o PT justamente como a demonstração da falência, da inutilidade ou até da perniciosidade do leninismo, da organização da vanguarda. Sua política só pode ser, então, a de barrar o caminho do PT até o marxismo revolucionário, que tem no leninismo um de seus elementos essenciais.


Os primeiros (os que se agarram à concepção do PT como uma frente política, frente popular ou coisa parecida) reduzem o significado e o alcance do PT. Os segundos (os anti-leninistas) querem chegar ao socialismo sem passar pelo partido revolucionário, organizado e centralizado.


Hoje, só os setores mais burocratizados e degenerados da esquerda, como o PCB, o PCdoB e o MR-8, se obstinam em combater o PT.


Por outro lado, os setores não originários da esquerda organizada, os mais expressivos no PT, como os “sindicalistas autênticos”, como setores de base e de esquerda da Igreja, pela sua falta de tradição marxista, só podem ter uma aproximação empírica com o PT. Em geral caminham para o economicismo, em formas variadas (a expressão mais clara disso é a recusa em empunhar a bandeira da Constituinte, da luta contra a ditadura, com o argumento de que “isto não interessa aos trabalhadores”).


Nós não fugimos inteiramente a este quadro. Embora estejamos entre os que saudaram a proposta do PT, desde a primeira hora, como um passo decisivo para o movimento operário, tivemos uma dificuldade inicial de compreender o caráter do movimento pelo PT. Tendemos a compreendê-lo como uma expressão da frente única operária. Lentamente fomos evoluindo para a idéia de que, pelo contrário, o PT era mesmo um movimento para formar um partido, e que nossa política deveria ser de ajudar a que fosse um partido operário de massas, independente.


No entanto, esta perplexidade da esquerda e dos militantes do movimento operário em geral, diante do PT, não pode ser justificada com o argumento tantas vezes utilizado de que o PT é uma experiência nova, diferente de tudo o que já houve na história do movimento operário. É evidente, é certo, que qualquer nova experiência da classe tem algo de novo, e não vai jamais repetir simplesmente alguma outra já vivida.


Mas longe de ser alguma coisa “exótica”, a forma de construção do PT é uma proposta que já se apresentou diversas vezes na história do movimento operário! Mais ainda, a política geral a ser adotada pelos marxistas dentro do PT, longe de ser uma coisa “pouco ortodoxa”, pouco coerente com a tradição marxista, foi defendida... pelo próprio Marx (e por Engels)! E não em algum texto pouco conhecido ou marginal em seu pensamento, mas no próprio Manifesto Comunista!


O problema chave com o qual se enfrentam hoje no Brasil todos os revolucionários, todos os militantes conscientes do movimento operário, e mais ainda, todos os marxistas, é o de se saber trabalhar dentro do PT, saber que política defender no PT, saber como contribuir para o seu avanço.


Nosso objetivo com este texto é justamente contribuir para fazer avançar esta discussão. Para isto, começamos com a abordagem de como a questão da construção de partidos operários de massa, combinada com a existência de vanguardas marxistas mais reduzidas, e com a necessidade de construção de um Partido Internacional, se colocou na história do movimento operário, e a discussão da situação específica do Brasil hoje. É dentro deste quadro que podemos situar os problemas atuais vividos pela construção do PT, e uma política marxista revolucionária no seu interior.


II – As lições da história


1. A necessidade de um partido operário e do marxismo revolucionário


O desenvolvimento do modo capitalista de produção, isto é, das relações mercantis e da exploração do trabalho assalariado pelo capital, produziu uma classe de proletários cujo único interesse histórico possível é a abolição deste regime econômico e a construção de uma sociedade sem classes, a sociedade socialista.


Mas o processo de formação da consciência da classe proletária, embora tenha as suas raízes na exploração cotidiana sofrida pela classe, não se completa de maneira espontânea. Exige a formação de um partido que integre nas suas formulações básicas a compreensão científica do funcionamento do modo capitalista de produção, de suas leis, de seu desenvolvimento, bem como uma compreensão da história universal. Exige, portanto, a fusão da teoria marxista com o movimento operário, fusão que se dá na construção de um partido, no desenvolvimento de um programa revolucionário e na sua adoção pelo movimento operário.


Logo, já para completar seu processo de formação como classe, consciente dos seus interesses, o proletariado tem necessidade de um partido. E para conduzir seu processo cotidiano de enfrentamento com a burguesia, em cada fábrica ou a nível do Estado burguês, o proletariado precisa de um partido tanto como do ar que respira. Com muito maior razão para poder lutar pelo seu poder e pela transformação revolucionária da sociedade.


Esse é o significado básico de um partido operário, tal como colocado pelos fundadores do marxismo. Mais tarde, Lênin acrescentaria elementos importantes. Para fazer face à centralização conseguida pela burguesia, que dispõe do Estado e de todo o seu aparelho, é necessário conduzir de modo centralizado as lutas contra o capital. Tornaria também mais claro o papel de uma vanguarda de “revolucionários profissionais”, capazes de dominar a ciência (e a arte) da luta política. Uma direção tanto nas questões de reivindicações limitadas quanto na luta para a tomada do poder, pela destruição do Estado burguês e pela construção da ditadura do proletariado.


Tanto para Marx como para Lênin, o partido proletário só poderia ser um partido internacional. Como enfatizou Marx (por exemplo, na “Crítica ao Programa de Gotha”), pelo seu conteúdo mesmo, a luta de classes é internacional. Do mesmo modo que centraliza suas lutas dentro de um país, a burguesia centraliza a sua luta ao nível internacional. Há uma base objetiva para isto: o desenvolvimento do mercado mundial, que unifica todos os países economicamente. Ora, o proletariado não pode ser menos internacionalista que a burguesia.


Esse conceito leninista de partido revolucionário teve sua necessidade confirmada pela história. No entanto, esta confirmação esteve mais no fato de que em diversas regiões ficou clara a falta que fazia um partido revolucionário, capaz de dirigir as massas em direção ao socialismo.


Desde a revolução russa de 1917, diversos processos revolucionários foram derrotados em situações onde a ausência de um partido foi decisiva. Por outro lado, várias vitórias de processos revolucionários, que chegaram até a construção de Estados operários, foram frustradas pelo desenvolvimento de deformações ou degenerações burocráticas. Acompanharam o processo de burocratização da própria URSS. Os partidos que estavam na direção, capazes de conduzir as massas à tomada do poder, tinham importantes deficiências programáticas ou deformações (como a teoria do “socialismo em um só país”, que resume uma visão anti-marxista da construção do socialismo). Apesar da inegável base de massas com que contavam, viram-se sem condições de lutar contra o avanço da burocratização (ou se tornaram eles mesmos agentes desta burocratização).


Houve, entre as derrotas do movimento operário, momentos sangrentos, como o da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, país que tinha o movimento operário mais forte e mais organizado da época. Essas derrotas foram a origem de inúmeras tragédias para a humanidade, de períodos de barbárie.


A necessidade de partidos operários de massa, armados com um programa marxista-revolucionário, centralizados como organizações de combate, foi dramaticamente confirmada. Confirmada pela tragédia que significou a inexistência deles.


2. A crise histórica da direção revolucionária


A ausência, por todo um período histórico, e na grande maioria dos países, de partidos revolucionários de massas, só pode ser compreendida a partir da evolução sofrida, primeiro pela II Internacional, depois pela III Internacional.


A II Internacional, formada a partir do fim do século passado, representou a primeira experiência de partidos de massa com uma orientação, pelo menos em geral, marxista e revolucionária. Até 1914, reuniu a totalidade dos marxistas e a grande maioria do movimento operário organizado (a exceção eram correntes anarquistas ou anarco-sindicalistas, cuja expressão de massas se reduzia a alguns países). Era o partido indiscutível da classe operária.


Mas a II Internacional não foi capaz de manter este caráter. Vivendo durante décadas em uma situação de prosperidade do capitalismo em países imperialistas, seus partidos acostumaram-se a obter progressivamente conquistas, econômicas e políticas, para a classe operária. Grande parte da sua direção, do seu aparelho, foram sendo progressivamente integrados ao estado. Com o início da guerra de 1914, ficou claro que a maioria da II Internacional deixara de ser uma organização revolucionária para se transformar em uma organização reformista: cada partido social-democrata aliou-se com a burguesia de seu próprio país, traiu os laços internacionais proletários.


Foi a razão para que Lênin (ao lado de outros dirigentes revolucionários) proclamasse a morte da II Internacional como partido revolucionário, sua falência política, e iniciasse um movimento de reagrupamento dos marxistas que haviam mantido posições internacionalistas e revolucionárias. Foi o caminho que conduziu (depois da vitória da revolução russa) à III Internacional.


Criada depois da vitória da revolução russa, reunindo a esquerda dos antigos partidos da II Internacional, mas valendo-se sobretudo do prestígio conquistado pelos bolcheviques com a vitória, da esperança que a revolução russa despertou, a III Internacional teria obrigatoriamente a sua sorte ligada à da revolução russa. Esta, isolada em um país atrasado e pobre, abalado por uma guerra (onde os exércitos contra-revolucionários contaram com o apoio de diversos países imperialistas), foi sofrendo um processo de burocratização. Ao cabo de alguns anos, o poder político dos trabalhadores, fundamentado nos sovietes (conselhos operários), foi esvaziado e substituído por uma ditadura da burocracia. Essa burocratização se estenderia à III Internacional. Finalmente, sua morte como partido revolucionário foi comprovada em 1933, quando assistiu sem luta à ascensão de Hitler ao poder, e quando não se mostrou sequer capaz de uma auto-crítica diante de um crime tão monstruoso contra classe operária e a humanidade. A III Internacional seguira um caminho semelhante ao da II.


Depois desse duplo processo (degeneração da II e da III Internacionais), foram consolidadas duas correntes reformistas no interior do movimento operário: a social-democracia (da II Internacional) e o stalinismo. Todas as duas institucionalizaram práticas de colaboração de classes, de conciliação, no movimento operário. Com estilos diferentes e em graus variados, opõem-se à revolução proletária.


No caso da social-democracia, isto é bastante evidente. Sua política passou a ser a de se integrar no estado burguês, de respeitar e defender os seus mecanismos, de substituir a luta pelo socialismo pela luta por reformas que significassem uma “gestão social da economia de mercado”. Sua prática é frontalmente contrária ao marxismo mais elementar, que diz que numa sociedade fundada na exploração de uma classe por outra, a luta de classes é inevitável. De fato, a maioria dos partidos social-democratas terminou abandonando a referência ao marxismo.


No caso do stalinismo, a colaboração de classes é menos evidente. Não apenas porque mantém uma referência formal (e dogmática) no marxismo, mas porque no lugar de apresentar uma teoria de que é possível chegar ao socialismo (ou à “gestão social”) nos marcos do estado burguês, disfarça a integração neste estado com a teoria de etapas rígidas na revolução, a primeira supondo alianças com setores da burguesia, e apenas na segunda se colocando o objetivo socialista. De qualquer modo, a teoria da “revolução por etapas”, com uma primeira etapa burguesa, e a teoria e a prática das “frentes populares” são formas não menos daninhas de colaboração de classes.


Essas duas correntes exerceram um domínio quase absoluto sobre o movimento operário desde a década de 30 até o início da crise do stalinismo. Contribuíram para um sem número de derrotas da classe trabalhadora. Inclusive a mais sangrenta e terrível, a ascensão do nazismo. Estas derrotas, às quais é preciso acrescentar a de maior importância histórica, a expropriação política do proletariado soviético pela burocracia com a consolidação do stalinismo, isto é, a degeneração da revolução russa, tiveram um efeito devastador sobre o nível de consciência das massas, em especial na sua confiança no futuro socialista (confundido, ademais, com a opressão vivida pelos trabalhadores na URSS). Isto reforçou o domínio destas correntes, que desta forma se nutrem das suas próprias derrotas. E, se desde então continuaram a eclodir revoluções socialistas, da chinesa à nicaraguense, estas se deram sobretudo apesar da orientação e vontade da direção mundial soviética.


Em diversos países, entre os quais se inclui o Brasil, além das correntes reformistas do movimento operário, ainda tiveram uma importância enorme correntes burguesas populistas com base de massas (PTB, peronismo).


A força do populismo tinha uma consequência clara: a maioria da classe operária não tinha um partido próprio, e se prendia ao jogo, à disputa política entre os vários partidos burgueses. No caso do Brasil, o stalinismo deu uma enorme contribuição para esta situação, ligando-se sempre ao populismo, procurando fazer que este “avançasse”, no lugar de tentar fazer com que a classe operária rompesse com ele. De fato, o stalinismo deu mesmo uma contribuição decisiva para a própria formação do populismo, como demonstrou por exemplo Francisco Weffort em seu trabalho “Origens do sindicalismo populista no Brasil”.


O resultado de tudo isto é que as concepções de colaboração de classes (na versão social-democrata, na versão etapista frente-populista ou simplesmente na versão burguesa populista), penetraram profundamente no movimento, e sobretudo nas suas vanguardas formadas (ou deformadas) por esta ideologia.


Se a III Internacional terminou seguindo o caminho da II, isto é, o caminho reformista, houve, contudo, uma diferença essencial: não foi possível levar à frente da mesma maneira a construção de uma nova Internacional com base em uma revolução vitoriosa. Além disso, o efeito negativo que o curso reformista da III Internacional teve sobre a consciência de classe do proletariado foi somado ao mesmo efeito já produzido pelo curso da II Internacional, e somado ainda ao efeito devastador sobre a confiança na vitória produzido pela série de derrotas. A construção de uma nova Internacional (a IV) continuava a ser necessária, mas se daria em condições infinitamente mais difíceis.


Em resumo, produzia-se uma crise histórica da direção revolucionária, isto é, a ausência de partidos revolucionários capazes de dirigir as massas, e uma situação de enorme dificuldade para a superação desta crise (dificuldade inclusive, em algumas análises, subestimada por Trótski e pelos fundadores da IV Internacional).


Durante todo um período histórico, a tentativa de construir alternativas revolucionárias ao reformismo enfrentou dificuldades enormes. Além da presença sufocante da social-democracia e do stalinismo, que retirava o espaço político para o crescimento de outras correntes (a social-democracia monopolizando em grande medida o descontentamento com o stalinismo, o stalinismo monopolizando o descontentamento com a social-democracia), é preciso ter em conta a formidável repressão exercida contra os que se colocavam à esquerda destas correntes. Não apenas a repressão policial-burguesa, mas sobretudo a repressão exercida pelas próprias correntes reformistas, repressão que variou do impedimento de participar do movimento sindical, de provocar a demissão do emprego, à delação e ao assassinato.


Desde a década de 60, depois do triunfo da revolução cubana, do conflito do maoísmo com a URSS, com o avanço da crise do stalinismo, as condições começaram a mudar.


Mas durante todo um período sobrava pouquíssimo espaço para a construção de alternativas revolucionárias. Nas épocas contra-revolucionárias, ou de calmaria do movimento, esta dificuldade é transparente: os reformistas dominantes podem com facilidade fazer acreditar que as concepções revolucionárias são radicalismo sectário, propagandismo abstrato, utopia, aventura.


Nos momentos de ascenso, a coisa é algo mais complicada. Um grande número de militantes operários ingressa na vida política com posições classistas, combativas, ao nível sindical, ou rompe com os partidos reformistas nesse nível, rompe na prática com a colaboração de classes. Mas a passagem da consciência sindical classista para a consciência política classista, isto é, para a consciência dos objetivos históricos do proletariado, e para a consciência revolucionária, não é simples e muito menos é automática. Exige uma compreensão de conjunto da sociedade, de seu funcionamento, do funcionamento e do caráter do estado etc., como já mencionamos.


Mais ainda: o processo de formação de uma consciência revolucionária só se completa em uma organização revolucionária. E para que militantes proletários se decidam por uma militância organizada, tendo entrado na luta política pela porta das lutas sindicais, ou tendo rompido com partidos reformistas, mesmo que esta ruptura tenha chegado num nível já avançado de compreensão da traição dos aparelhos reformistas e da necessidade de um partido revolucionário, é necessário que vejam uma alternativa clara e confiável. É preciso que vejam uma organização revolucionária que considerem capaz de desempenhar as tarefas que se colocam na organização da luta, capaz de dirigir a cada momento as massas no seu rumo. Para a classe operária, suas organizações são uma necessidade imediata cotidiana.


Desde a degeneração stalinista da III Internacional, existiram poucas organizações de massa com caráter revolucionário. Algumas, na Iugoslávia, na China, em Cuba, no Vietnã foram capazes de destruir o estado burguês em seus países e iniciar a construção do socialismo. Outras (Nicarágua, El Salvador), tem chances reais de fazer isso agora.


No caso da China, do Vietnã, em alguma medida de Cuba, contudo, as organizações revolucionárias foram moldadas ou influenciadas pelo stalinismo, e mantiveram importantes debilidades programáticas e políticas.


Assim, estas correntes não foram capazes de dar uma contribuição decisiva para a resolução da crise histórica da direção revolucionária, embora, evidentemente, o fato de terem destruído estados burgueses em importantes regiões do planeta e construído estados operários, mesmo burocratizados, mude de maneira significativa a correlação de forças em favor do proletariado.


Desde a degeneração da III Internacional, não têm existido, nos momentos decisivos, alternativas orgânicas confiáveis para a vanguarda emergente da classe operária, que assumam o programa marxista-revolucionário. As organizações marxistas-revolucionárias ou mesmo a maioria das outras correntes revolucionárias, têm estado presas no círculo vicioso da sua pequenez. Assim, os milhares de militantes operários que adquirem em momentos de ascenso do movimento uma consciência sindical classista, e por este caminho compreendem a necessidade da luta política, ou que rompem ideologicamente com a colaboração de classes dos partidos reformistas, têm enfrentado, na sua maioria um destino de dispersão e ceticismo, um destino trágico.


Como observa Ernest Mandel, analisando a situação da Europa, onde as organizações revolucionárias são pequenos Davids contra os imensos Golias da social-democracia e do stalinismo:


Apenas uma ínfima minoria de trabalhadores, decepcionados pelas traições dos aparelhos, se junta às pequenas organizações revolucionárias, cuja eficácia na luta de classes não é clara. E mesmo esta ínfima minoria não permanece muito tempo, a não ser que adquira rapidamente uma sólida educação política que lhe faça compreender não apenas o porquê das traições burocráticas, mas além disso as razões históricas da fraqueza relativa das organizações revolucionárias e a possibilidade (do mesmo modo que uma idéia realista do ritmo!) de superá-la” (E. Mandel, “Crescimento econômico e luta de classes”).


A consequência disto é que as organizações revolucionárias ficam reduzidas a pequenos núcleos de militantes, isto é, àqueles que chegam à compreensão do problema histórico da crise de direção do proletariado. E ainda, estas organizações têm na sua maioria uma importante deformação. Uma proporção anormalmente alta de militantes de origem intelectual, uma proporção reduzida de militantes operários. É o “círculo vicioso da pequenez” que explica o paradoxo de que as organizações que asseguram a continuidade da experiência histórica proletária e do seu programa não sejam na sua maioria organizações de composição predominante operária: é claro que os militantes operários dão uma importância muitas vezes maior ao problema de eficácia dos partidos operários na condução das lutas.


Outra questão decisiva que aumenta as dificuldades é que o stalinismo, ainda que em crise e decomposição, influência mesmo aos que rompem com ele. Há uma dificuldade para muitos dos militantes que rompem com o stalinismo em adotar as posições radicalmente opostas do marxismo revolucionário. Há uma maior facilidade em assumir formulações centristas que parecem num primeiro momento mais realistas. Além disso, não é fácil remover todas as calúnias que o stalinismo lançou sobre o marxismo revolucionário. Há ainda uma outra base de fortalecimento do centrismo com relação ao marxismo revolucionário: revoluções vitoriosas, que romperam na prática com o stalinismo, como a chinesa, a vietnamita, a cubana (rupturas que não chegaram a se completar), apareceram durante todo um período histórico como alternativas revolucionárias e realistas ao stalinismo.


Finalmente, não podemos deixar de mencionar todo um conjunto de espinhos no calvário do marxismo revolucionário: o curso seguido por inúmeros grupos “trotskistas”. Alguns, é inegável, chegaram aos cumes do ridículo (e perderam toda a referência no marxismo revolucionário). A partir daí, os adversários do trotskismo têm uma base para ampliar até o máximo as calúnias contra ele, e inúmeros militantes revolucionários pensam duas ou três vezes antes de se deixarem identificar com o “trotskismo”.


O ridículo de alguns grupos trotskistas, e as deformações de outros, têm uma explicação objetiva. Confrontados durante períodos prolongados com a condição de minoritárias, isto é, sem condições de influir decisivamente sobre os rumos da luta de classes, e além disso, com reduzida participação de operários, com poucos laços sólidos com o movimento, e com um grande número de intelectuais que podem “voar”, as organizações revolucionárias correm riscos pesados de degenerescência (de nenhuma maneira limitados ao “trotskismo”). Há dois tipos básicos de degenerescência: a oportunista e a sectária.


A degeneração oportunista consiste em adaptar-se às influências predominantes, em perder o referencial do programa revolucionário. Esse programa, muitas vezes, é visto como um peso a carregar, um entrave a um crescimento mais rápido, ao avanço da organização. O rumo oportunista leva à transformação da organização em um apêndice de alguma corrente reformista mais forte, ou até mesmo à liquidação pura e simples da organização, que deixa de ter justificativas para existir.


A degeneração sectária consiste na perda da identificação com o movimento de massas, em querer construir a organização em oposição e ao largo do movimento de massas, em colocar os interesses da organização como distintos dos do movimento. Há um exemplo extremo desta concepção no método de construir a organização pela via de denúncias dos crimes e traições dos reformistas, o que leva até mesmo a apostar nas derrotas do movimento para ter o que denunciar e poder dizer: “eu não disse?”. Esse caminho transforma a organização em uma seita, e logo em seguida, numa coisa caricatural, que passará a ser alvo de chacota geral e em especial dos reformistas.


Naturalmente além da degeneração, as organizações revolucionárias podem sofrer desvios mais leves, quando obrigadas a viver muito tempo na condição de minoritárias. Podem passar por uma fase de adaptação a influências predominantes sem ir mais longe do que um certo centrismo, podem não chegar a uma seita com interesses distintos dos do movimento, mas apenas mostrar dificuldades de aprender com novas experiências, ter um apego dogmático ao programa, fazer uma defesa abstrata dele, propagandista ou doutrinarista, ter dificuldade em, a partir do programa, definir políticas práticas.


Conseguir manter a perspectiva correta – ao mesmo tempo guardar e reforçar a referência ao programa revolucionário, e a identificação com o movimento de massas – procurando agir em cada situação da forma que mais contribua para o avanço do movimento, para a sua vitória, ainda que contando para esta contribuição com forças muito limitadas, tudo isso pode ser compreendido, facilmente, como uma tarefa hercúlea. Ou seja, se já é difícil conseguir manter uma organização revolucionária, com muito maior razão, é difícil transformá-la em uma organização de massas.


Não espanta, pois, que venha sendo tão dura a “longa marcha” do marxismo-revolucionário, que o deserto que atravessa tenha sido tão árido, e que nesta travessia tenha incorrido em erros numerosos. O que espanta é mais o contrário, como conseguiu, bem ou mal, se manter e se desenvolver, inclusive com um reforço numérico nos anos recentes. É fácil perceber o papel decisivo que desempenharam alguns obstinados que entregaram a sua vida a esta tarefa.


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