O PT e o partido revolucionário no Brasil (agosto, 1981)
Transcrição extraída de “Perspectiva Internacional” (dezembro, 1984) por Fernanda Rocha, Julia Silvestrini, Julio Bueno, Pedro Barbosa e Vinicius Souza.
Conteúdo
I - Introdução
II - As lições da história
1. A necessidade de um partido operário e do marxismo revolucionário
2. A crise histórica da direção revolucionária
III - O PT e a experiência clássica de construção do Partido Revolucionário
1. A situação no Brasil hoje, condições objetivas enormemente favoráveis para a construção de um partido marxista-revolucionário
2. O tratamento de situações semelhantes na história do movimento operário
3. A construção do partido revolucionário no Brasil - um caminho clássico
4. A construção do partido revolucionário no Brasil - não é possível apenas refazer o caminho clássico
5. Por que se justifica a necessidade de uma organização marxista-revolucionária hoje?
6. As limitações do PT - o PT poderá vir a ser um partido marxista-revolucionário de massas?
7. A construção de uma organização marxista-revolucionária
8. Problemas envolvidos em uma política marxista-revolucionária para o PT
9. Resumo da política marxista-revolucionária no PT
IV - O PT hoje
Acesse o documento na íntegra aqui: https://bit.ly/2Z4gqwq
O PT e o partido revolucionário no Brasil (parte #2)
III – O PT e a experiência clássica de construção do Partido Revolucionário
1. A situação no Brasil hoje, condições objetivas enormemente favoráveis para a construção de um partido marxista-revolucionário
Com o que dissemos até agora, a nossa intenção não é, nem de longe, a de traçar um quadro pessimista. Desde a revolução cubana em 1959, e mais ainda desde o ascenso das lutas revolucionárias em 1968, o marxismo revolucionário começou a romper o “círculo vicioso da pequenez”. E hoje, no Brasil, a situação objetiva é excepcionalmente favorável, tanto para construir imediatamente uma organização marxista-revolucionária, quanto para construir em médio prazo, um partido marxista-revolucionário com influência e reconhecimento de massas.
Há, em primeiro lugar, um ascenso importante das lutas operárias que vêm se dando em bases combativas e classistas, e mostrando uma enorme sede de formas de organização de base e democráticas. Em segundo lugar, as forças reformistas (stalinistas) e os burocratas sindicais pelegos são relativamente fracos e não controlam o movimento de massas. Todas as correntes stalinistas passam no momento por uma crise.
Há, mais que tudo, o fato objetivo espantosamente promissor que é o PT. Lançado de maneira quase espontânea, como expressão política do movimento sindical classista, o PT vem se desenvolvendo, apesar dos percalços e ambiguidades, como um partido operário independente, classista.
Pelo próprio fato de representar uma expressão política do movimento sindical classista, o PT contribui para o seu avanço, para que passe a níveis superiores de luta. Oferece uma possibilidade de organização para milhões de trabalhadores. Hoje, não é ainda um partido revolucionário, embora cumpra um papel objetivamente revolucionário. Mas tem um significado essencial do ponto de vista da construção de um partido revolucionário: representa uma alternativa política visível, viável, confiável, para milhões de trabalhadores, para toda a vanguarda social emergente. Uma alternativa classista desde o início e, portanto, pelo menos tendencialmente revolucionária. Uma alternativa às políticas reformistas, stalinistas, de colaboração de classes.
A ligação da proposta do PT com o programa marxista-revolucionário é nítida. Afinal, são os marxistas-revolucionários que têm defendido obstinadamente a necessidade da independência política dos trabalhadores. É significativo que núcleos trotskistas tenham desempenhado até agora no PT um papel que não pode ser desprezado. Já no lançamento da proposta houve alguma participação, embora ele tenha sido basicamente espontâneo. Esta presença deu-se mais ainda na conformação inicial da proposta, o que foi fundamental na marca da independência política de classe, e na defesa e sustentação da proposta quando a enorme maioria da esquerda a bombardeava e os sindicalistas vacilavam. Diante da ofensiva que foi realizada contra o caráter de independência de classe, ficou claro o papel que desempenhou a conformação inicial, a presença de palavras de ordem como “um partido sem patrões”.
Mas seria absurdo exagerar o papel dos núcleos de marxistas-revolucionários. A proposta nasceu e se desenvolveu fundamentalmente a partir da necessidade objetiva representada pelo ascenso do movimento operário, que foi colocado diante da questão de construir seu partido. Além disso, a presença dominante, e inclusive a que mais contou para o desenvolvimento da proposta é a dos “sindicalistas autênticos”, como Lula.
A existência do movimento pela construção do PT representa um avanço para a classe operária brasileira. Prolonga e aprofunda o processo de ruptura com o reformismo, com o stalinismo, impulsionado pela vitória da revolução cubana.
No início dos anos 60, a corrente influenciada pelo castrismo rompeu com a teoria stalinista-populista da “revolução por etapas”, e defendeu corretamente a combinação das tarefas democráticas e socialistas na revolução latino-americana. Aplicou um golpe nas concepções de “blocos” históricos com a burguesia nacional contra oligarquia e o imperialismo.
Mas a forma com a qual o castrismo realizou esta ruptura tinha lados fracos importantes. Em primeiro lugar, dava uma ênfase quase que exclusiva na necessidade da luta armada, dando à forma da luta mais peso do que a questão da composição e do conteúdo de classe das forças revolucionárias, não colocando no devido lugar a necessidade da direção do processo revolucionário pela classe operária. Em segundo lugar, com sua concepção de luta armada, enfatizando de maneira unilateral o papel das guerrilhas, não via que o problema central é a construção de um partido revolucionário de massas, isto é, capaz de dirigir as massas para que elas enfrentem e destruam o estado burguês, e construam o seu próprio estado, um estado operário.
É exatamente nesta direção que o PT avança, embora com as limitações e ambiguidades apontadas.
2. O tratamento de situações semelhantes na história do movimento operário
A questão de como os marxistas deveriam se situar diante de um movimento espontâneo ou não pela constituição de um partido operário, ou diante de um partido operário de massas e com poucas definições programáticas, foi discutida diversas vezes pelos clássicos do marxismo revolucionário.
A primeira referência a uma situação deste tipo encontra-se no próprio Manifesto Comunista de Marx e Engels, onde se diz:
“Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos demais partidos operários. Não têm interesses que os separem do proletariado em geral. Não proclamam princípios particulares, segundo os quais pretenderiam modelar o movimento operário (...)
Praticamente, os comunistas constituem, pois, a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais: teoricamente, têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”.
Como observa Michael Löwy em “Marx e o partido comunista” (Revista Teoria e Prática, 04/1968), Marx e Engels tinham em vista quando escreveram isto a situação de seus partidários, na Inglaterra, que formavam um grupo chamado de “Fraternal Democrats” (Democratas Fraternais), e ao mesmo tempo participavam do partido cartista, o primeiro partido de massas do proletariado inglês. Os marxistas não deveriam se dissolver, e muito menos dar as costas ao movimento de massas proletárias. Deveriam formar um grupo com um programa próprio no interior do partido de massas, procurando ajudar o avanço deste partido. Como fica claro, pela inclusão desta passagem no “Manifesto”, esta era a tática geral da Liga dos Comunistas para construir partidos de massas marxistas. Anos depois um problema semelhante ocorreria nos EUA, quando surgiu uma organização operária independente, os “Knights of Labour” (Cavaleiros do Trabalho). Um grupo de socialistas alemães se recusava a participar desta organização. Em diversas cartas a correspondentes americanos, Engels criticará esta atitude. Na carta a Sorge, de 29/11/1886, ele dirá:
“O primeiro grande passo a ser dado em todos os países que tenham recentemente entrado em movimento é a constituição dos operários em partido político independente, não importando como, mas bastando somente que ele seja um partido operário distinto. Esse passo foi dado antes do que esperávamos, e isso é o mais importante. Que o primeiro programa deste partido seja confuso e dos mais incompletos, isto é um inconveniente inevitável, mas, no entanto, passageiro. As massas devem ter tempo e oportunidade de se desenvolver, e esta oportunidade elas terão no momento em que possuírem um movimento próprio, onde serão impulsionadas pelos seus próprios erros, tornando-se sábias às suas próprias custas. O movimento a que assistimos hoje na América se encontra no mesmo estágio daqueles existentes no nosso país antes de 1848; as pessoas realmente inteligentes exercerão inicialmente o papel que antes de 1848 exercia a Liga dos Comunistas entre os grupos operários”. (Karl Marx, Engels, Lênin, Trótski – “A questão do partido”, Kairós Editora, p. 26)
No mesmo sentido, em carta a Florence Kelly, em 28/12/1886, dirá:
“É muito mais importante que o movimento se estenda, progrida regularmente, ganhe raízes e abranja o mais possível o proletariado americano em seu todo que vê-lo partir e progredir desde o início sobre um traçado teoricamente perfeito. Não existe melhor caminho para se chegar a uma clareza teórica e compreensão que se instruindo pelos próprios erros. E para uma classe em seu conjunto, não há outro caminho, principalmente numa nação que tanto desdenha a teoria como a dos americanos. O importante é levar a classe operária a pôr-se em movimento enquanto classe; uma vez alcançado isso, as pessoas encontrarão rapidamente a direção correta, e aquela que resistir – Henry George ou Powderly – será tranquilamente posta de lado com suas pequenas seitas. É por isso que também vejo nos Knights of Labour um fator muito importante para o movimento, que não deveria ser vilipendiado de fora, mas revolucionado por dentro, e considero que muitos alemães cometeram um grave equívoco quando tentaram fazer – diante de um poderoso e glorioso movimento que eles não haviam inventado – de sua teoria importada, e nem sempre compreendida, uma espécie de dogma, fora do qual não existia salvação, e cometeram graves equívocos também mantendo-se à distância de qualquer movimento que não aceitasse tal dogma. Nossa teoria não é um dogma, mas a exposição de um processo de evolução, que compreende fases sucessivas. Esperar que os americanos comecem plenamente conscientes da teoria formada nos países industriais mais velhos é esperar o impossível. O que os alemães deveriam ter feito era agir segundo sua própria teoria – se é que eles a compreendem como nós fazíamos em 1845-1848 –, caminhar para todo movimento real do conjunto da classe operária, aceitar o ponto de partida como um fato concreto e conduzi-lo gradualmente ao nível teórico, ressaltando que cada falta cometida, cada derrota sofrida, consistia numa consequência necessária dos erros teóricos do programa original. Eles deveriam, como diz o Manifesto Comunista, “representar no presente do movimento o futuro do movimento” e, antes de tudo, dar ao movimento tempo para se consolidar, não fazer da inevitável confusão inicial uma confusão pior, fazendo as pessoas engolir coisas que elas não podem realmente digerir atualmente, mas que elas aprenderão logo mais. No próximo mês de novembro, um ou dois milhões de vozes operárias por um partido de operários de boa fé, atualmente, tem muito mais valor que cem mil vozes em favor de uma plataforma doutrinariamente perfeita”. (p. 23/24)
Mais próxima ainda de uma situação como a que vivemos com o PT é a discussão de Trótski com o SWP americano, em 1938. Podemos resumir como segue os elementos fundamentais da sua análise da situação:
– a inexistência de partidos operários de massas;
– a existência de uma situação que empurra os sindicatos e as massas para a ação política; a ação política torna-se claramente necessária para que a combatividade das massas não seja esmagada. O partido operário é uma necessidade objetiva;
– por outro lado, a crise caminha muito mais depressa do que o partido marxista-revolucionário (no caso o SWP); este é demasiado pequeno, tem demasiado pouca autoridade para organizar os trabalhadores nas suas fileiras.
Assim, um elemento central da tática a ser seguida pelos marxistas-revolucionários é dizer às massas: formem o seu partido. Construam um partido operário independente.
É verdade que este partido pode vir a ser oportunista, reformista; mas seria um erro sectário deixar de defendê-lo por isto. Nós, por outro lado, defendemos que seja independente e revolucionário; os trabalhadores só podem impor a sua vontade por meio de um partido revolucionário. Assim, lutaremos para que este partido adote nossas palavras de ordem de transição (não todas de uma vez, mas uma a uma, à medida que se apresentem situações concretas).
A política dos marxistas-revolucionários, é de lançar duas palavras de ordem:
– por um partido operário independente;
– juntem-se ao nosso partido (o SWP, a organização marxista revolucionária).
A primeira palavra de ordem é necessária porque os marxistas revolucionários não têm autoridade suficiente para dizer diretamente aos trabalhadores: entrem no nosso partido. Se numa reunião pode ocorrer que 5 pessoas estejam de acordo com isto, certamente 500 pessoas estarão de acordo com a construção de um partido operário. A segunda palavra de ordem é para os elementos mais avançados, e a primeira já prepara o terreno para ela. É preciso saber tornar concreta a palavra de ordem de um partido operário, e mostrar que deve ser um partido independente.
Trótski chegou a dar à primeira palavra de ordem a forma “partido operário baseado nos sindicatos”. Tinha em mente um processo semelhante ao que deu origem ao Partido Trabalhista Inglês.
Segundo Trótski, seriam possíveis três tipos de partidos operários nos EUA naquele período: um partido pouco definido, um partido oportunista e centralizado, que criaria problemas para a participação dos revolucionários, e um partido revolucionário, com vários tipos de combinações possíveis entre estes tipos “puros”.
Trótski chamava a atenção ainda para a possibilidade de que o partido operário viesse a ser reformista e oportunista levando à questão da forma de atuar neste período. A única coisa absolutamente certa, dizia ele, é que devemos deixar claro que a dissolução de nossa organização está fora de questão (nas condições existentes), que nós a julgamos necessária. Mas isto não significa que todos os companheiros devam se colocar na condição de militantes do SWP. Isto depende das circunstâncias; um companheiro que venha a se declarar abertamente militante do SWP deve ter uma atuação muito mais cuidadosa para fazer face às possibilidades de exclusão, etc. (sobre estas questões, e como estas se colocaram na história do movimento operário, existe um artigo de Michel Löwy “O marxismo e os partidos de trabalhadores”, publicado no jornal “EM TEMPO”, de 14 a 27/08/80, além da coletânea já citada sobre “A questão do partido”).
3. A construção do partido revolucionário no Brasil – um caminho clássico
Voltando ao caso do PT no Brasil, podemos dizer então que é uma situação clássica. No momento em que foi lançada a proposta, não havia nenhum partido de massas operário no país, já que o PCB, a experiência que mais avançou nesta direção, sofrera um grande abalo na década de 60 (com inúmeras cisões, e com as consequências do golpe de 64). A maioria da classe trabalhadora não conhecera jamais a independência política. Depois de um corte histórico, o proletariado apenas começa a pôr-se em movimento.
A radicalização das lutas sindicais, dos movimentos grevistas, empurra a classe para a luta política, deixa clara a necessidade de um partido próprio. E este partido tem um desenvolvimento programático inicial confuso com traços marcantes de economicismo, basismo. Mas vai aprendendo por seus próprios erros.
No seu interior, atua uma vanguarda marxista (na verdade, várias organizações e vários grupos de vanguarda, com posições que variam entre um reformismo de esquerda, o sectarismo e o marxismo revolucionário).
Esse é um caminho clássico. Como já vimos, trata-se de um caminho que foi considerado por Marx, Engels e Trótski.
Aqui é possível a pergunta: e Lênin?
Grande parte da vanguarda formada sob influência do stalinismo adquiriu uma visão estreita do leninismo. Esta visão pode ser resumida na ideia de que um pequeno núcleo de vanguarda pode chegar a construir um partido capaz de dirigir um processo revolucionário se for capaz de ter um programa correto, e de ir agregando um a um novos militantes.
O que devemos dizer é que esta concepção não está de acordo com a história da construção do próprio Partido Bolchevique.
Já o grupo de Plekhanov, “Emancipação do Trabalho”, pioneiro na introdução do marxismo na Rússia, encontrou por todo o país dezenas de iniciativas naturais semi-espontâneas no sentido da construção de um partido operário. Depois continuaram a existir iniciativas isoladas: Trótski, por exemplo, quando ainda estava acabando de aderir ao marxismo, construiu sem nenhuma conexão maior com o restante do nascente movimento social-democrata russo de então a sua “União Operária Da Rússia Meridional”, na região do Nicolaiev.
Lênin militou por vários anos no único partido operário que se construía na Rússia, a Social-Democracia, que era então um dos mais frouxos em militância e centralização. Foi depois disso que passou a defender a sua concepção. Ainda assim, até o período entre 1912 a 1914, quando ocorre a cisão definitiva da social-democracia russa entre bolcheviques e mencheviques, somente a fração bolchevique que funcionava segundo o centralismo democrático, e Lênin ainda lutava pela unidade de todo o partido.
O partido bolchevique foi então formado a partir de uma fração dentro do Partido Operário [Social] Democrata Russo, através de um esforço de centralização e de clarificação programática. Nas épocas em que existia uma situação revolucionária, como em 1905 ou em 1917, Lênin virtualmente abriu o partido para que fosse integrado por toda uma vanguarda proletária emergente.
Os partidos da III Internacional, depois, foram formados de duas maneiras básicas. Nos países onde já havia grandes partidos social-democratas de massas, foram formados pela aglutinação da ala esquerda destes partidos, da ala que se identificou com a revolução russa. Nos países onde não havia partidos social-democratas expressivos, ou seja, nos países fora da Europa, os partidos comunistas foram formados reunindo rapidamente os militantes de origens diversas que se identificavam com a revolução russa.
Podemos concluir duas coisas: a primeira, que Lênin não praticou o método do pequeno grupo que apenas cresce militante por militante, tendo um programa já definido; a segunda, é que a situação com que se defrontou na formação da III Internacional é radicalmente diferente da que enfrentamos hoje: no lugar de contarmos com a identificação com a Revolução Russa, com as esperanças que despertou, para construirmos nossas fileiras, temos de enfrentar o stalinismo, que se apoia sobre a burocratização da URSS, temos que explicar porque tal burocratização foi possível, etc.
A teoria leninista do partido revolucionário define as características essenciais que deve ter este partido; mas não pode definir seus métodos de construção, que dependem de condições históricas gerais e das condições particulares de cada país.
Com estas colocações não pretendemos fazer uma análise detida do leninismo. Queremos apenas mostrar que, pelo fato de não encontrarmos na vida política de Lênin uma situação igual à do PT não podemos concluir que haja alguma oposição entre nossa política na construção do PT e o leninismo. Defendemos a necessidade, para a vitória da revolução proletária, de um partido centralizado, leninista. Mas tal partido, nas condições do Brasil, não pode ser construído simplesmente através da tentativa de ganhar militantes para um núcleo leninista. Pois um partido, para poder dirigir o processo revolucionário, tem de ser capaz de dirigir o movimento de massas.
4. A construção do partido revolucionário no Brasil – não é possível apenas refazer o caminho clássico
Em resumo, o proletariado está construindo o seu próprio partido no Brasil através do PT, com uma vanguarda marxista no seu interior. E este é um caminho clássico na construção de partidos operários. Mas não é possível simplesmente querer repetir a história.
Isto não pode ocorrer, simplesmente, porque a história andou muito desde a construção dos primeiros grandes partidos operários. Podemos desdobrar este “andou muito” em dois aspectos:
– há uma série de experiências da luta de classes que precisam ser integradas no programa operário, para permitir que sua luta avance melhor. Isto dá à atuação da vanguarda marxista um peso muito maior do que supunham Marx e Engels. Engels, sobretudo, tinha uma visão excessivamente otimista, de que o desenvolvimento dos partidos operários seria alguma coisa linear. Sabemos hoje que não foi assim.
– em segundo lugar, a marcha da história significou a cristalização de diversas correntes no movimento operário, que não é possível desconhecer. Não há apenas uma vanguarda marxista trabalhando dentro do PT, há várias, e com projetos bem distintos. Há correntes internacionais (social-democracia, stalinismo, e temos de considerar também a igreja), que têm sólidos apoios materiais. Hoje, no Brasil, a social-democracia tem pouca força, não existe como corrente organizada, e o stalinismo “duro” não está no PT. Mas estão diversas correntes, sobretudo centristas, que têm para ele um projeto que não é o da independência política de classe.
Há um conjunto de razões, e em primeiro lugar a correlação de forças entre as diversas forças que estão no PT, que impedem o PT de ser hoje um partido revolucionário. Como desenvolvemos mais adiante, só podemos pensar em o PT vir a se tornar um partido revolucionário (não no sentido de ser objetivamente revolucionário, o que já é, mas no sentido do marxismo revolucionário) numa conjuntura revolucionária e com a existência de uma organização marxista-revolucionária suficientemente forte para disputar a sua direção. Assim, hoje temos de dar uma importância muito maior à atuação organizada dentro do partido do que consideravam Marx e Engels no “Manifesto Comunista”.
Hoje, o correto não é os marxistas se considerarem uma vanguarda que trabalha para a construção do partido operário como partido revolucionário, o correto é constituírem uma organização revolucionária que luta pela sua própria construção no interior de um movimento mais amplo pela construção de um partido operário.
5. Por que se justifica a necessidade de uma organização marxista-revolucionária hoje?
Tentemos desdobrar o que foi colocado acima sobre a necessidade de uma organização marxista revolucionária. É necessário ter uma compreensão inteiramente clara sobre esta questão, pois é um dos pontos de questionamento mais importante, que se apresenta a todo momento nos debates sobre a construção do PT.
O primeiro argumento é que esta construção do PT não vem sendo e não será espontânea. Tem sido, e será, necessário assumir um projeto de construção do PT tanto para fazer frente às visões distintas (que não consideram o PT um partido operário), quanto para lutar pela superação das debilidades do PT, para que assuma uma atitude mais ativa nas lutas políticas, etc.
Um segundo argumento é que a luta de classes já trouxe uma série de ensinamentos, resumidos em um programa revolucionário, que o PT não tem condições de assimilar hoje: querer que ele faça isto, seria querer estreitá-lo. Portanto, esse programa tem que ser adotado e desenvolvido por uma organização revolucionária distinta do PT. Só com a existência desde já de uma organização formada na defesa deste programa revolucionário será possível que o PT, numa outra conjuntura, possa vir a assumir este programa.
Por outro lado, embora seja incorreto pretender que hoje o PT assuma um programa marxista-revolucionário, no seu conjunto, não é incorreto lutar para que assuma certos elementos deste programa. De qualquer maneira, esta defesa só pode ser feita a partir de uma organização revolucionária. Os elementos básicos desse programa são:
a) A luta pela democracia interna: apesar de ter nascido sendo em grande parte organizado pela base, o PT não deixou de ser marcado por deformações quanto à democracia interna, por incompreensões de elementos importantes. Dois pontos devem ser destacados: o controle da direção pela base; e a importância de garantir os direitos das minorias em todos os níveis do partido, inclusive da direção. A democracia interna é um elemento fundamental para evitar a burocratização do partido.
b) A luta pela democracia operária e pela auto-organização do proletariado.
Não há a menor dúvida de que é uma questão decisiva. Tanto porque sem democracia operária ficam reforçadas as tendências à divisão da classe, diminuindo a unidade na luta, quanto porque a luta por formas de auto-organização, por uma democracia o mais participativa possível, joga um papel estratégico na preparação da luta por um estado operário, um estado baseado na democracia direta exercida pelas massas.
Naturalmente, a democracia operária é importante para garantir o sucesso da luta contra as deformações burocráticas, inevitavelmente ligadas a políticas de colaboração de classes, reformistas.
Não é difícil ver que esta questão está longe de ser assimilada pelo PT. Entre as organizações que participam dele, há algumas com fortes traços stalinistas. Os sindicalistas autênticos, por outro lado, como já foram lembrados, foram formados dentro do sindicalismo atrelado brasileiro, uma das estruturas menos democráticas que existem. Apesar de toda a sua evolução, não perderam alguma influência, por exemplo, o paternalismo, práticas de manipulação, uma desconfiança diante de formas de auto-organização de base (o que tem sido notado dentro do PT, por exemplo na reticência a dar um peso mais forte aos núcleos nas decisões).
c) A natureza dos países ditos socialistas, a democracia socialista;
Esta é uma questão-chave nas relações internacionais do PT. Que posição adotar diante da repressão aos “dissidentes” no Leste europeu? Que posição adotar diante das greves na Polônia?
A determinação da natureza dos países do “bloco socialista” é também importante para a definição da natureza dos PCs (são correntes do movimento operário ou não?) e para definir a política a ser seguida diante deles. Isto nos conduz à questão da política de frente única operária, e da luta pela unidade da classe.
d) A relação do PT com a política de frente única operária, embora complexa, será discutida mais adiante. De qualquer maneira, é fundamental que o PT assimile o elemento básico desta política: a necessidade de lutar pela unidade de classe, e de fazê-lo numa perspectiva classista, e não de colaboração de classes.
Neste aspecto, há vários problemas no PT:
– diversos setores não compreendem a importância de lutar junto com os reformistas, tendem então a uma política esquerdista;
– por outro lado, existe também dentro do PT a defesa de uma “frente popular”, tanto por parte de parlamentares quanto de organizações centristas. Não está clara a necessidade da independência política de classe, apesar de o PT ter sido formado com base nisto, e apesar do forte sentimento classista dos sindicalistas autênticos;
– falta a compreensão da importância de um aspecto decisivo na luta pela unidade da classe: a defesa da democracia operária, da organização pela base.
e) O internacionalismo:
Já há no PT uma aceitação do princípio da “solidariedade internacional”. Mas nem de longe há a compreensão de que a luta dos trabalhadores é uma luta internacional, que exige uma organização internacional. Há correntes dentro do PT totalmente opostas a isto. Este foi um dos terrenos em que o stalinismo fez mais estragos, tanto diretamente (dissolvendo a III Internacional, dizendo que ela não era mais necessária) quanto indiretamente (pela repulsa provocada por seu tipo de internacionalismo: submissão de todo o movimento comunista à burocracia do Kremlin).
Fatos extremamente positivos foram a decisão do Lula de ir às comemorações do primeiro aniversário da revolução nicaraguense, e o esforço em conseguir apoio internacional para a luta contra os julgamentos dos líderes da greve do ABC.
f) As reivindicações de transição:
Esta questão decisiva para uma tática de conduzir as massas na direção do socialismo, para ajudá-las a compreender que o socialismo é necessário, ainda não foi discutida enquanto tal no PT, apesar de diversas palavras de ordem de transição terem constado da plataforma inicial.
g) Finalmente, é preciso lembrar que a base da construção do PT, a questão chave da necessidade da independência política dos trabalhadores, vem sendo questionada dentro do PT, que há organizações participantes do PT que se opõem a ela.
Por fim, há ainda um terceiro argumento, que justifica uma organização revolucionária. A capacidade de centralização e de direção das lutas. Hoje, o que o PT tem feito neste sentido é quase nada. Devemos lutar para que avance, mas de qualquer maneira, pela sua necessária heterogeneidade hoje, pela impossibilidade de que assuma um claro programa revolucionário, e o centralismo democrático, a capacidade de direção do PT será limitada.
6. As limitações do PT – o PT poderá vir a ser um partido marxista-revolucionário de massas?
Naturalmente, as insuficiência de definições do PT mencionadas são apenas algumas questões-chave, que devemos defender desde já. Na verdade, é o conjunto do marxismo, da teoria da luta da classe operária, que não foi assimilado pelo PT.
Diante disso, cabe a dúvida: é possível considerar o PT como um partido operário, como um caminho na construção de um partido marxista-revolucionário de massas? Não seria uma ilusão acreditar que o PT poderia vir a assimilar o marxismo, ainda que em um prazo bastante longo?
Colocar esta dúvida significa esquecer o que é o programa marxista-revolucionário: uma compreensão científica do funcionamento da sociedade, da história, e um resumo, uma síntese de experiências fundamentais da luta de classes. Não tem nada de artificial ou de particularista. Muito pelo contrário: é um resultado natural (embora não espontâneo, já que exige uma teoria científica) ao qual chegamos necessariamente se nos mantemos fiéis aos interesses dos trabalhadores.
Isto é comprovado pelo desenvolvimento histórico do marxismo na América Latina. O desenvolvimento inicial assumiu formas claramente revolucionárias, muito mais próximas da teoria da revolução permanente que da teoria da “revolução por etapas”, de colaboração de classes, de confiança na burguesia nacional-menchevique e stalinista. Esta concepção reformista só passou predominar pela influência, pelo controle que a III Internacional degenerada exerceu sobre o movimento comunista a partir de meados da década de 30. E quando a revolução cubana começou a questionar o domínio da burocracia sobre a esquerda latino-americana, houve de novo uma tendência à retomada de uma visão revolucionária.
A dificuldade de assimilação e divulgação do programa marxista-revolucionário no Brasil e em particular dentro do PT não vem nem da sua “artificialidade” nem de alguma suposta incultura, ou algum atraso do proletariado brasileiro. Vem muito mais da presença de vanguardas ainda muito marcadas por concepções stalinistas (etapista, frentes-populistas, burocráticas), ou por vanguardas tornadas céticas com relação ao leninismo por repulsa ao stalinismo. A experiência recente do proletariado brasileiro mostra que a importância das formas de auto-organização, de democracia de base, é assimilada facilmente. Dentro do PT, conceitos como “partido sem patrões” tiveram uma grande importância na popularização da proposta.
Mais uma vez, é bom lembrar, que também os partidos operários marxistas “clássicos” tiveram inicialmente um programa muito confuso. Assim, é totalmente incorreto já querer estabelecer como uma preliminar que o PT não é e não pode vir a ser um partido revolucionário marxista.
Mas como já mencionamos anteriormente, há um conjunto de razões (o caráter inicial do movimento do proletariado brasileiro rumo à independência política, rumo a assumir a plena consciência dos seus interesses históricos), mas principalmente a correlação de forças entre as diversas correntes do movimento operário, que impede o PT de ser hoje um partido marxista-revolucionário, um partido com um programa claramente revolucionário.
Para que o PT possa vir a ser um partido revolucionário, são necessárias duas condições:
– um avanço qualitativo no grau de consciência e de combatividade das massas, que mudasse de maneira decisiva a correlação de forças entre as diversas correntes do movimento operário em favor das que estão mais à esquerda: o que ocorreria, por exemplo, numa situação pré-revolucionária, ou revolucionária;
– a existência, neste momento, de uma organização marxista-revolucionária, forte o bastante para poder disputar e conseguir que o PT assuma um programa e uma ação revolucionária completa.
Hoje, esta não é, evidentemente, a situação. Portanto, devemos dizer claramente: nossa política atual não é transformar abruptamente o PT num partido revolucionário; esta seria uma política inviável, estreita, e nos levaria a um processo de sectarização. Nosso horizonte hoje é mais modesto: que o PT se mantenha um partido claramente classista, e que lute contra a ditadura militar, e a exploração capitalista.
O máximo que devemos buscar como programa para o PT é o programa de transição, que não representa todo o programa revolucionário, mas apenas a sua parte mais “assimilável”, mais próxima às condições da consciência das massas. E não devemos querer que o PT assuma o programa de transição todo de uma vez, mas uma palavra de ordem depois da outra, à medida que se apresentem condições concretas.
Não lutamos para construir um partido reformista, é evidente: lutamos por um partido revolucionário. Mas é preciso saber como fazê-lo, que passos se colocam a cada momento.
7. A construção de uma organização marxista-revolucionária
Trótski dizia, nas discussões com o SWP americano, que era necessário colocar duas palavras de ordem:
– Os trabalhadores devem construir seu próprio partido;
– integrem o nosso partido (o partido marxista-revolucionário).
Nas condições atuais do Brasil, isto significa:
– é necessário construir o Partido dos Trabalhadores, como um “PT mesmo”, isto é, um partido independente da burguesia, sem patrões; um partido que organize os trabalhadores para a luta, que seja uma direção;
– trazer os trabalhadores para o marxismo revolucionário e para uma organização revolucionária.
Como já dissemos no item 2, isto exige não apenas um ascenso do movimento operário, que traga os trabalhadores para posições mais radicais, mas também a existência de uma organização que seja vista como alternativa confiável. Hoje, isto quer dizer uma organização que esteja cumprindo um papel decisivo na construção do PT.
Assim, a construção de uma organização hoje pode ser resumida em:
– construir uma organização marxista-revolucionária de combate, que participe ativamente das lutas operárias e populares, que seja capaz de orientar estas lutas, e que desempenhe um papel decisivo na construção do PT. Tal organização poderá ser uma referência para os setores da esquerda do PT, integrar a vanguarda emergente do movimento operário, levar à vanguarda proletária o marxismo revolucionário, realizar sua fusão com esta vanguarda.
8. Problemas envolvidos em uma política marxista-revolucionária para o PT
a) O questionamento da “dupla militância”
Esse questionamento tem assumido a forma de chamar de “vestir duas camisas”, de deslealdade, a participação em uma organização revolucionária no interior do PT.
Podemos responder a isto sem dificuldades: a “camisa” dos revolucionários é a revolução proletária, é trabalhar pela revolução proletária. Isto hoje exige tanto construir o PT quanto construir uma organização marxista-revolucionária. São duas maneiras complementares de chegar ao mesmo objetivo, isto é, o partido marxista-revolucionário, de massas, necessário, para derrocada do poder burguês.
Os marxistas reconhecem que não existe ainda um partido revolucionário no Brasil, não podemos pretender que alguma organização seja este partido hoje. O programa marxista inclui um partido operário de massas, lutamos para construir este partido. Hoje, reconhecemos que o PT – ainda em construção – é o partido que tem a maior possibilidade de ser um partido operário independente de massas; mais que isso, hoje é a única possibilidade de construção deste partido.
Por isto os marxistas estão no PT como militantes leais, não fazem “entrismo”, como o que se poderia fazer em uma organização reformista, contra-revolucionária, mas trabalham para construir o PT. Não estão aparelhando ou “parasitando” o PT: lutam pela sua construção.
Mas o PT não está pronto. Nem podemos vir a garantir que chegue a um bom resultado. Acreditamos que, para atender aos interesses históricos da classe operária, o PT deverá adotar o programa do marxismo revolucionário.
Enquanto o PT mantiver seu caráter inacabado, julgamos necessário, por estas razões, a existência de uma organização. Se o PT completar seu processo de formação, será marxista-revolucionário (caso em que, naturalmente, não se justificaria manter uma organização distinta, e se colocaria a questão da dissolução no seu interior), ou terá sofrido um desvio no seu caminho (caso em que será necessário definir uma outra tática).
Esta falsa questão das “duas camisas” pode ser resolvida com a instauração de uma democracia no PT, que garanta o direito de tendência e de fração para todas as correntes, e com a cobrança de todos os militantes do PT de lealdade na sua construção.
b) Em todas as atividades, é preciso construir o PT.
Esta é uma necessidade básica. O PT deve ser um partido operário militante, e, portanto, um partido que participa ativamente enquanto tal de todas as lutas, que procura organizar os trabalhadores, tornar-se a sua direção. Portanto, em qualquer frente de trabalho, é necessário encontrar a maneira de ao mesmo tempo estar construindo o PT: fazendo que intervenha através de um núcleo, que tome uma posição como partido, que mobilize os seus militantes para cada situação que se apresentar.
c) O PT e a frente única operária
Em vários momentos, tem aparecido a idéia de que o PT é a realização da frente única operária.
De acordo com o que discutimos até agora, esta concepção não é correta: o PT é um partido, e não agrupa o conjunto de classe. Mas é necessário precisar melhor as relações do PT com a política de frente única operária.
Esta política foi desenvolvida a partir de uma situação específica, existente nos primeiros anos da III Internacional. Uma situação em que havia partidos operários de massa, mas dividindo a classe: além dos partidos comunistas, revolucionários, continuavam existindo os partidos social-democratas, reformistas.
Não era esta a situação alguns anos antes: no momento do auge da II Internacional, em vários países, havia partidos que unificaram a massa de trabalhadores, que dirigiam o conjunto dos sindicatos. E eram partidos marxistas, classistas. No entanto, sofreram um processo de integração na sociedade capitalista e no estado burguês.
A partir daí, a sua ala esquerda rompeu com eles, e iniciou a construção de partidos revolucionários novos e de uma nova Internacional. A princípio, Lênin e seus camaradas tiveram a ilusão de que, na conjuntura de crise do capitalismo do pós-guerra, com a influência e o exemplo da revolução russa, seria possível retirar toda a massa da influência da velha social-democracia. Como sabemos, esta possibilidade não se realizou.
A política de frente única operária, assim, foi elaborada para retomar a luta pela unidade da classe operária. Tinha uma dupla característica: reconhecer os partidos social-democratas como partidos operários (embora tivessem uma política favorável à burguesia), e reformistas, dos quais é preciso retirar toda a influência. Os partidos reformistas são adversários da revolução, lutam contra ela, são contra-revolucionários. Mas têm uma base operária e não podemos exigir que esta base acredite na nossa palavra de que seu partido, suas direções, são inimigos da revolução socialista. Só podemos retirar esta base da influência dos partidos reformistas através de demonstrações práticas da sua recusa em assumir lutas de interesse da classe.
Para levar à frente esta política, é claro, é preciso dispor já de um partido. Depois que também a III Internacional tomou o curso do reformismo, passaram a existir em muitos países dois partidos reformistas de massas, e nenhum revolucionário! Lutar pela unidade da classe numa perspectiva classista continuou sendo necessário, mas tornou-se muito mais difícil.
O problema se coloca de maneira diferente em países onde não há partidos operários de massas: a questão central então passa a ser construir um partido operário de massas.
Não poderia ocorrer que este partido (no nosso caso, o PT) reunisse no seu interior todas as correntes fundamentais do movimento operário, e se tornasse então ele mesmo uma expressão da unidade da classe, da frente única? A hipótese existe, mas é pouco provável. As divisões dentro da classe operária estão muito consolidadas; há partidos reformistas que já se julgam o “verdadeiro” partido (como o PCB e o PC do B), que não vão desaparecer: têm aparelhos de razoável solidez. Não está num horizonte próximo a participação destas correntes na construção do PT.
O que está acontecendo, então, e é provável que continue, é que o PT se construa, ao lado de uma corrente reformista (PCB, PC do B, MR-8). E que então a partir do PT seja necessário fazer uma política de frente única com esta corrente (que, aliada a pelegos, ainda terá uma força grande).
d) a questão da legalização
A legalização do PT é importante para que ele possa reforçar seu caráter de massas, para que possa aproveitar momentos importantes e ricos de possibilidades como as eleições, etc. No nosso entender, pode ser feita sem atentar contra seu caráter de classe, e garantindo o essencial da democracia interna.
No entanto, a necessidade da legalização foi brandida por setores reformistas, especialmente ligados a parlamentares do PT, como um argumento em favor da descaracterização do PT, e como uma maneira de queimar as correntes mais à esquerda, sob a alegação de que não se preocupam com a legalização.
É fundamental que os marxistas-revolucionários continuem à frente do esforço pela legalização. Tanto pela importância de que isto se reveste, quanto para não deixar o campo aberto a que os setores reformistas do PT conduzam a legalização de modo a descaracterizar o PT e a restringir a democracia interna.
Um outro problema é a necessidade de combater a idéia de que a legalização pode ser garantida com espertezas na definição dos estatutos e do programa do PT, com concessões à burguesia. Naturalmente, é conveniente evitar ao máximo armadilhas legais que possam ser usadas contra o PT.
Mas devemos afirmar claramente, qualquer que seja a nossa esperteza ou a nossa disposição de fazer concessões, a ditadura sempre poderá encontrar algum pretexto para não legalizar o PT. Assim, em última análise, a garantia de legalização do PT estará na força do próprio movimento de sua formação, na força do movimento operário e da oposição em geral.
e) A possibilidade de degeneração do PT.
O caminho para a construção do PT, para que ele assimile o programa revolucionário, será sem dúvida, não apenas longo, mas tortuoso. Já houve momentos de recuo (como o do Encontro Nacional de 1980), em que a proposta sofreu uma sensível diluição, e, mais importante ainda, evidenciaram-se importantes deformações burocráticas, restringindo a democracia interna (em especial, a recusa em admitir a participação de correntes minoritárias na direção, o inchamento do plenário com convidados com direito a voto, etc.). Outros momentos semelhantes certamente virão.
Um risco que correm os marxistas revolucionários, neste processo, é o de concluir prematuramente que o PT se degenerou. A regra básica a adotar é uma extrema prudência nesta caracterização. Afinal, o PT ganhou força como uma proposta de construir um partido dos trabalhadores, sem patrões, com um programa na linha dos interesses históricos dos trabalhadores, lutando por um governo dos trabalhadores, etc. É tamanha a força desta proposta, sua necessidade objetiva hoje, que ela de certa maneira limitou o raio de ação das correntes que se opõem a ela, fez com que ninguém se colocasse abertamente contra ela.
A proposta inicial do PT tem uma força enorme, caiu em terreno fértil. Não vai ser enterrada com facilidade. Será preciso alguma prova prática muito clara para concluir que o PT degenerou.
Por uma razão semelhante, é preciso prudência no lançamento de uma corrente pública dentro do PT, em torno da defesa do “PT mesmo”.
Diante de divisões pouco claras e pouco consolidadas, o mais correto é ter intervenções localizadas em defesa da democracia interna, da independência política, que já sirvam a um combate político e ideológico, mas sejam menos cristalizadoras.
Isto não significa, de nenhuma maneira, que julguemos impossível a degeneração do PT. Significa que não consideramos que ela esteja próxima, e que com a política definida, estaremos nas melhores condições para saber o que fazer quando a ocasião se apresentar (se se apresentar).
f) A necessidade de evitar a diluição no PT
A orientação que os marxistas devem seguir é a de jogar toda a sua força para garantir a construção do PT como partido operário independente. Sabemos que esta construção não seguirá (como não seguiu até agora) caminhos tranquilos; terá momentos de recuo, nos quais os revolucionários deverão ter muita flexibilidade.
Ter esta flexibilidade será tanto mais fácil quanto mais claramente os marxistas tenham uma personalidade pública própria, quanto mais claramente aparecerem dentro do PT com o seu perfil político próprio. Mantendo sua identidade, os marxistas estarão menos dependentes das oscilações por que pode e deve passar o PT, poderão respeitar mais tranquilamente os ritmos do próprio partido. Não estarão obrigados a forçar alguma posição revolucionária artificial.
9. Resumo da política marxista-revolucionária no PT
a) é uma política de massas, para ajudar as massas a se colocarem em movimento na cena política, a passarem de lutas sindicais para lutas especificamente políticas; não é uma política apenas para setores de vanguarda.
Sendo uma política em direção às massas, será preciso evitar qualquer precipitação. Vale a regra de que as massas aprendem fundamentalmente pela sua própria experiência.
b) é uma política para ajudar as massas a lutar contra a ditadura militar e a se colocar num caminho anti-capitalista, e lutar pelo seu próprio poder, a adotar uma perspectiva revolucionária. Isto se desdobra:
– na luta pela independência política dos trabalhadores, pela sua auto-organização independente;
– na luta por reivindicações de transição (ponte entre a consciência atual das massas e as lutas anti-capitalistas). Não se trata de buscar de uma vez só a aprovação do Programa de Transição, mas de defender suas palavras de ordem à medida que se apresentem situações concretas.
c) o método básico para tornar o PT tanto massivo quanto revolucionário é sua ligação com as lutas operárias, sua organização como partido de intervenção, partido para a luta: desta maneira será reconhecido pelas massas, e desta maneira ocorrerão situações que permitirão a assimilação de reivindicações de transição.
d) é uma política para construir um partido marxista-revolucionário de massas.
Como já dissemos, não podemos garantir que o PT se torne marxista-revolucionário, e nem mesmo revolucionário.
Ele pode vir a ser revolucionário sem ser marxista-revolucionário; neste caso, poderá até tomar o poder, destruir o capitalismo, mas terá dificuldades em evitar deformações burocráticas. Portanto, é necessário lutar por um partido marxista-revolucionário de massas.
Não podemos defender isto para o PT desde já: isto seria estreitá-lo. Portanto, os marxistas defendem suas posições, organizam uma corrente, e procuram construir uma organização. Com um avanço qualitativo do grau de consciência e de mobilização de massas, numa situação revolucionária ou pré-revolucionária, aí sim será possível lutar para que o PT adote o programa do marxismo revolucionário. Isto exigirá uma organização revolucionária suficientemente forte e respeitada para concretamente imprimir esta direção ao PT.
IV – O PT hoje
a) No último ano e pouco, o progresso da construção do PT foi notável. Já com a realização do Encontro Nacional em 1980, o partido deu uma nova prova de sua viabilidade.
Contudo, esse avanço não se fez sem alguns recuos.
Pouco antes do Encontro, assistimos à entrada no PT de organizações e grupos que defendiam o “partido popular”: APML, setores egressos do PC do B, que compuseram uma frente com setores que já estavam há mais tempo no PT: Ala Vermelha, grupo Unidade. Cresceu a participação de parlamentares, em geral mais preocupados com um partido que funcione como máquina eleitoral do que para organizar a luta. Também cresceu a participação de setores de base e de esquerda da Igreja, que passaram a ter um peso importante.
Estes setores compuseram um bloco, para os encontros regionais do Rio e de São Paulo, e para o Encontro Nacional de 1980, e conseguiram avançar fazendo pesar as posições que viam o PT não como um partido de classe, mas como um “partido popular” ou uma frente.
Para isto, o elemento chave foi a influência que alguns de seus principais porta-vozes ganharam sobre os sindicalistas mais importantes. Osmarzinho, um dos seus pontas de lança, estava além disso no auge da popularidade, depois da greve de São Bernardo. Com esta influência, conseguiram fazer passar regras para os encontros que viciavam a democracia interna: existência de convidados (afinal fixados em 10% dos delegados eleitos, mas de fato em número superior), aceitação de delegados de núcleos que não existiam. Mais importante do que tudo, o apoio do Lula garantia a vitória de qualquer chapa, pois é inconcebível hoje organizar o PT sem a sua participação.
Tudo isto foi reforçado pelo regimento adotado nos encontros (de São Paulo e nacional), que estabelecia a eleição de uma direção com maioria absoluta de votos, sem direito de representação de minorias.
Com estes mecanismos, a “corrente popular” do PT se tornou majoritária sem ter a maioria dos militantes filiados, e sem ter a maioria sequer dos delegados.
Naquela altura, manifestaram-se ainda duas outras correntes. Uma, a que defendia claramente o PT como um partido classista, além de reunir numerosos militantes independentes, contou fundamentalmente com as organizações ou grupos que se reclamam do marxismo revolucionário e do trotskismo, e com setores da antiga Política Operária. Foi a corrente excluída da direção nacional.
Outra, é a impropriamente chamada de “social-democrata”. Caracteriza-se por recusar o leninismo. Mas, defendendo o PT como partido operário, e apesar da pouca clareza na luta pela independência política dos trabalhadores, estaria antes na esquerda do PT.
Finalmente, devemos considerar a existência do MEP, organização que, apesar de ter posições diferentes, gravitou em torno do bloco da “corrente popular”.
Mas a vitória da “corrente popular” foi pouco profunda, e efêmera. Em primeiro lugar, não conseguiu mudar as definições básicas do PT, que foram preservadas no Encontro, embora algo diluídas. Em segundo lugar, depois do Encontro, o bloco se rompeu, e o PT caminhou na direção de se consolidar como partido de classe.
Além de continuar a ganhar audiência entre a classe trabalhadora, cresceu no interior do PT a concepção de que deve ser construído como partido operário e de massas. Uma prova clara disto foi justamente a saída dos principais defensores da concepção de “frente popular”. O partido começou a mostrar maior sensibilidade para a necessidade de uma linha sindical, para a necessidade de um jornal. Foi consolidada a ideia de partido organizado em núcleos militantes, um dos pontos que fora mais bombardeado pela “corrente popular”.
b) A condução do processo de legalização do PT, feita garantindo no fundamental a democracia interna, a construção de baixo para cima, foi uma grande vitória.
A ditadura realizou diversas investidas contra o partido: os processos movidos contra os seus principais dirigentes, enquadrados na Lei de Segurança Nacional, o assassinato de um dirigente municipal do PT, no Acre, invasões de sedes do partido, demissões de militantes do PT de seus empregos.
Apesar de tudo isto, e apesar das dificuldades postas pela própria legislação, as condições para o registro provisório do partido estão dadas.
No plano da democracia interna, foram corrigidas as principais distorções do encontro anterior. Foram definidas como norma as pré-convenções, e a formação de conselhos de núcleos, garantindo a sua participação nas deliberações.
A formação da direção apresentou mais progressos: para o Diretório Nacional, foi levado em conta basicamente o tirado em cada estado, e foi garantida a participação de todas as correntes políticas petistas. Por outro lado, na formação da Executiva Nacional, houve ainda um processo fechado, e indicando além disso a persistência de uma certa desconfiança com relação às correntes de esquerda organizadas (EM TEMPO, nº 134).
O alinhamento de forças se modificou sensivelmente.
A corrente que defende o PT como partido operário independente apareceu reforçada. Além dos antigos defensores, outros setores se aproximaram desta posição (Ala Vermelha, a corrente conhecida como “PT de lutas”) e, sobretudo, os sindicalistas assumiram no geral esta concepção. Os setores mais explicitamente identificados com o frente-populismo ficaram extremamente minoritários, travando um combate de retaguarda (principalmente na defesa das coligações).
d) Apesar da evolução fundamentalmente favorável do PT, continuam a existir problemas, e importantes:
– o avanço da ideia “PT mesmo”, PT militante, tem ocorrido porque esta é a concepção da base do partido, e por uma evolução significativa da vanguarda sindical. Mas permanecem diversos grupos (centristas) que se orientam pelo “PT frente”, ao mesmo tempo que se incorporaram com certo peso organizações que não tem um compromisso claro com a construção do partido (OSI, CS). Os parlamentares continuam a dar mais peso à concepção de organização de tipo eleitoral: há diversos setores dentro do partido que compartilham destas concepções parlamentaristas. As forças que defendem de maneira consequente e organizada o “PT mesmo” são ainda poucas;
– permanece a dificuldade de funcionar como partido, de fazer política. Aumentou a sensibilidade para estes problemas, mas ainda está por ser organizado o partido de maneira militante, e estão por serem definidas orientações claras para a luta em todos os movimentos sociais e no combate à ditadura. No último período, o esforço pela legalização atrasou a solução destas questões;
– o regime continua e continuará a colocar obstáculos ao funcionamento do partido.
d) Diante deste quadro, as principais prioridades para o PT são:
– após garantir a legalização, lutar pela nucleação dos militantes, pelo funcionamento dos núcleos como estrutura fundamental do partido; consolidar as conquistas no plano da democracia interna;
– lutar pela construção de um aparato que permita ao PT funcionar como partido; hoje a tarefa mais importante neste sentido é o lançamento de um jornal nacional;
– lutar pela construção política do partido, para que tenha orientações claras, para que seja capaz de ter uma intervenção sindical ativa, de lutar contra a ditadura, de estar presente em todos os planos da luta de classes.
Agosto de 1981
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