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Feminismo e ecologia: a mesma luta? (Marijke Colle)



Feminismo e ecologia: a mesma luta?

(8 de maio de 2019)

Marijke Colle

Tradução de Natália Bergamin Retamero



O movimento ecofeminista nasceu há algumas décadas da observação de que existe uma analogia entre a exploração das mulheres e a exploração da natureza. No contexto atual de urgência e colapso, e quando o conceito de lutas convergentes reaparece, o interesse nesse movimento feminista está ressurgindo. Para Marijke Colle, uma ecofeminista desde o começo, quem melhor que as mulheres para tornar consciente a interconexão entre natureza e vida humana, e a ação urgente para parar a destruição do planeta?


Em qual contexto o ecofeminismo emergiu?


A conscientização ecofeminista começou no Terceiro Mundo, onde problemas ambientais (secas, enchentes, ciclones, desmatamento, e etc.) afetam as pessoas, especialmente mulheres, mais cedo e mais intensamente. Na Índia, por exemplo, no começo dos anos 1970 um grupo de mulheres formou um movimento – o movimento Chipko – para salvar suas florestas da exploração para fins industriais e comerciais. Essas florestas eram monopolizadas pelo controle colonial britânico e depois da independência elas continuaram a ser propriedade do estado com forte influência militar. Para as vilas que estavam junto a essas florestas na encosta do Himalaya, habitadas principalmente por mulheres – homens migraram para a cidade em busca de trabalho – florestas eram muito importantes, especialmente na luta contra a erosão. Foi, portanto, em nome da preservação do seu ambiente que essas camponesas indianas começaram a circundar as árvores para evitar que elas fossem cortadas, interpondo-se fisicamente entre as árvores e o exército que vinha para cortá-las. Essa ação foi um sucesso, em parte, porque o exército não ousava atacar mulheres.


Uma importante filósofa indiana, Vandana Shiva, que se juntou ao movimento, tem um papel importante ao moldar a visão ecofeminista. Ela denuncia, entre outras coisas, políticas demográficas que designam as mulheres como responsáveis pela superpopulação, considerada a causa da crise ambiental. Ela se opõe às políticas de controle de natalidade que levaram, com a ajuda do exército indiano, ao aborto de milhares de fetos de meninas (menos valorizadas na Índia do que os meninos, especialmente por causa do dote a ser pago pela família das meninas no casamento).


Em países latino-americanos, o ecofeminismo é principalmente relacionado ao conceito de “Bem Viver” fornecido pelos povos indígenas. Este modo de pensar em que as mulheres têm um importante papel é baseado na relação harmoniosa entre a natureza e os seres humanos. Ele privilegia a qualidade de vida ao invés da aquisição de uma quantidade de objetos.


Junto do ecofeminismo do sul, existe também um ecofeminismo mais ocidental…


A emergência do ecofeminismo nos Estados Unidos e na Europa tem origem no começo dos anos 1980, em um contexto bem diferente. Está principalmente relacionada à corrida por armas nucleares inerente à Guerra Fria. Nos Estados Unidos, a Ação das Mulheres no Pentágono uniu 2 mil mulheres depois do acidente na estação de energia nuclear de Three Miles Island, em março de 1979. Essas mulheres denunciaram o militarismo da sociedade. Na Inglaterra, mulheres organizaram um acampamento pacífico para protestar contra o projeto de estoque de mísseis nucleares na base de Greenham Common. Este movimento pacifista foi direcionado por mulheres que rejeitam a guerra, que queriam preservar a vida de seus filhos e em geral o futuro da humanidade e do planeta. O ecofeminismo americano, influenciado pela teologia da libertação, também inclui uma corrente espiritual de teólogos que se rebelam contra o fato de que na nossa cultura Deus é homem, que a natureza não é levada em consideração, que mulheres são relegadas ao plano de fundo… Algumas se identificam com bruxas perseguidas através dos séculos, outras contam sua história e suas lutas em histórias poéticas.


Como as mulheres articularam problemas feministas e ecológicos?


A tese central do ecofeminismo consiste em dizer que existe uma analogia, características similares, entre a exploração das mulheres e da natureza: a falta de respeito por elas, o lugar atribuído a elas, o lugar invisível do trabalho delas, sua produção e etc. Vandana Shiva, por exemplo, estabeleceu paralelos entre o monitoramento de mulheres grávidas através de tecnociência, que permite a seleção de fetos, e o modo como cientistas tentam dominar e moldar a natureza, eliminando plantas selvagens para a expansão de monoculturas. Ecofeministas mostram que essas opressões estão conectadas, que elas se fortalecem em culturas patriarcais. Mas é através de lutas bem concretas que elas vieram a articular problemas feministas e ecológicos, para interseccionar as batalhas contra a dominação sofrida por mulheres e a natureza e, portanto, permitindo sua emancipação. O ecofeminismo se desenvolveu através da experiência coletiva, inovadora, criativa, não-violenta das mulheres e não teoricamente.


De onde essas opressões vinculadas vem?


O pensamento moderno é estruturado ao redor de dualismos, originados muitas vezes em tempos muito antigos (Platão, Santo Agostinho, e etc.), a mulher sendo vista como o útero enquanto o homem é percebido como o cérebro. Depois, no Renascimento, a separação do Homem e da Natureza ajudou a dividir e hierarquizar as relações humanas e não-humanas que veem por um lado natureza, mulher, emoções, psicologia, intuição e por outro cultura, homem, razão, poder e a apreensão racional das coisas. Esses dualismos constituem a justificativa pela desvalorização da mulher e da natureza, bem como o empoderamento do homem sobre elas. Com o advento da sociedade capitalista e o desenvolvimento da tecnociência, a exploração da mulher e a instrumentalização da natureza encontraram formas mais perversas, até mesmo reduzindo-as a meras commodities.


Ao “verdejar” o feminismo não existe o risco de “naturalizá-lo”?


A identificação das mulheres com a natureza trazida pelo pensamento dualístico é problemática simplesmente porque não é verdade. Ela diminui o potencial humano, em geral das mulheres (mas também dos homens) que estão confinados aos papéis e habilidades conhecidos como femininos (ou masculinos). Agora, uma mulher pode florescer em habilidades conhecidas como masculinas e vice versa. Elas não estão em essência mais perto da natureza do que os homens. Por várias décadas, o movimento feminista tem procurado libertar as mulheres desta conexão à natureza explorada pelo pensamento patriarcal para atribuir às mulheres a esfera doméstica e excluí-las da política. Algumas feministas radicais burguesas receosas tem rejeitado o ecofeminismo ao acusá-lo de manter as mulheres em seus papéis tradicionais. Na minha opinião essa acusação não é verdade. Esse é um movimento de lutas bem reais através das quais mulheres têm se tornado conscientes de sua opressão e recusado viver em um mundo governado pelas leis da guerra, lucro, competição e dominação da natureza. É a dinâmica da ação que tem permitido o aumento da consciência dos sistemas de dominação e exploração exercida sobre as mulheres e a natureza. Essa consciência não poderia ser atingida pela leitura de livros, mas ao fazer parte de movimentos reais. As ecofeministas, ao invés de negar sua relação com a natureza e se separar do mundo no qual a humanidade pertence, buscam reavaliar essa conexão e construir novas relações não-hierárquicas, sem dominação. É a hierarquia e dominação nessas relações – o fato de que o que é “masculino” ser melhor do que é “feminino”; que a natureza é depreciada apesar de sua utilidade para o funcionamento da sociedade – que é problemática e não as relações em si.


Quais são as similaridades entre a situação em que o ecofeminismo surgiu e o presente momento?


O medo do futuro e a urgência de propor uma outra visão de mundo, pacífica e respeitosa da Terra, eram as forças motrizes das ações de resistência das mulheres nos anos 80. Hoje, o problema ecológico tem se tornado central entre nós com a consciência da mudança climática. Ao mesmo tempo, as mulheres perceberam bem claramente que as lutas feministas não terminaram, que a violência contra mulheres – trazidas à frente pelo movimento Me Too – é ainda bem real para muitas delas. A violência da relação homem-mulher é muito profunda em nossa sociedade capitalista e patriarcal, bem como a violência infligida à natureza.


Quais são as contribuições das mulheres à luta ecológica?


Porque as mulheres são responsáveis por tanto na comunidade, por causa dos papéis atribuídos a elas (trabalho doméstico, responsabilidade pelo bem estar das crianças, dos idosos, dos doentes, e etc.) elas são levadas a se sentirem mais preocupadas com problemas ecológicos e ambientais. Elas serão as primeiras desafiadas por problemas da poluição em seu ambiente, seu habitat, sua fábrica e a procurar por soluções para proteger a vida de seus filhos, famílias, colegas; a se tornar consciente da conexão indissociável entre a sociedade humana e o ambiente social, a interconexão entre natureza e vida humana, a urgência para agir, para parar a destruição do planeta... e iniciar a sua mudança. Não é por nada que jovens garotas tem sido tão proeminentes em greves pelo clima… A ecologia nos ensina que nada se perde; que todo material não-orgânico permanece no planeta e a lixeira está enchendo. Esse entendimento de que nós só temos um planeta é bem notável entre as mulheres que até hoje têm mais responsabilidades domésticas.


Quais são as perspectivas que as ecofeministas abrem no atual contexto?


As ecofeministas mostram que o funcionamento da sociedade depende largamente das contribuições invisíveis e gratuitas das mulheres e da natureza. Todo o trabalho de cuidar dos outros, tarefas domésticas, preocupações com relacionamentos familiares, na comunidade, porque pertencem à vida privada e estão fora do circuito comercial, são invisíveis como os serviços do ecossistema para a natureza. E mesmo assim, esse trabalho feminino representa dois terços da economia. As ecofeministas querem fazer o invisível visível e valorizá-lo. Se nós quisermos uma solução ecológica para a crise que vivemos, nós devemos retomar e expandir para o mundo essa profunda atitude das mulheres que é o cuidado e a prudência: não se arriscar demais, privilegiar a cooperação sobre a competição, qualidade sobre quantidade, valor de uso (a utilidade dos objetos que nós fazemos para o nosso bem estar) sobre valor de troca (os objetos que são produzidos para serem vendidos e gerar lucro), reciclagem sobre jogar no lixo… Tornar o invisível visível, é por isso que a greve das mulheres do 8 de março é tão importante. Ela possibilita às mulheres perceberem que se elas pararem, o mundo para. É importante confiar nas próprias ações porque é assim que as mulheres vão mostrar suas contribuições, seu poder de agir coletivamente e esse ecofeminismo pode se tornar concreto.

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