A lealdade aos desconhecidos
Daniel Bensaïd
Tradução de Pedro Barbosa
O dissidente polonês Karol Modzelewski, que foi perguntado sobre a razão de seu engajamento obstinado, respondeu simplesmente: “Por lealdade aos desconhecidos”. Tanto como o compromisso com grandes ideias, o engajamento depende desta lealdade, destas fidelidades moleculares, destes ínfimos laços de memória e ação.
No último 11 de julho, Roberto Mac Lean foi assassinado às 19h, na porta de sua casa, em Barranquilla, por dois sicários paramilitares. A informação não vale uma linha nos jornais. Normal. Barranquilla é a Colômbia, na costa atlântica. Neste país, os assassinatos políticos se contam a cada ano por centenas, às vezes milhares.
Fora do tema? Não. No vivo, o mais vivo tema.
Primeiro porque eu quero saudar Roberto Mac Lean, com quem compartilhei abrigo e teto no México. Ele animava o Movimento Cívico de Barranquilla. Era negro e revolucionário. Tinha este duplo pertencimento, que para ele era só um. Tinha 39 anos. Militava desde os 14 anos. Há doze anos vivia cada dia a crônica de sua morte anunciada.
Mac Lean é a própria figura destes “desconhecidos” aos quais uma dívida impagável nos liga.
Dizem “se engajar”.
A forma reflexiva evoca a decisão maduramente considerada de um sujeito soberano. Sob uma aparente modéstia, ela possui algo de orgulhosa, como se aquele que declara se engajar honrasse sua causa. Como se consentisse em doar a si mesmo.
Encontramos, por vezes, antigos combatentes reciclados na razão de Estado ou recolhidos em seu nicho ecológico privativo, que se surpreendem, com uma ponta de compaixão: “Então você ainda milita? Que pena que você não fez isto ou aquilo…”. Não tendo nenhum gosto nem nenhuma disposição pelo jogo das carreiras e aparências, eu jamais concebi a ação política como uma ascese ou um pesado sacrifício. Nela vivi, pelo contrário, experiências intensas, encontrei desconhecidos indispensáveis – centenas de Mac Lean precisamente –, experimentei alegrias raras, conheci estes golpes de raio amigáveis ou acontecimentais necessários ao rejuvenescimento do coração e do espírito.
Dizem também “um intelectual engajado”.
Na medida em que se trabalha com as ideias e as palavras, se é “intelectual”, ainda que Gramsci observe que se é possível admitir, na divisão do trabalho, a existência de uma categoria social definida como intelectual, por outro lado não há o não-intelectual.
A ordem das palavras me inquieta: intelectual primeiro; o engajamento parece derivar disso. Como se a ação fosse a razão aplicada. Sempre este primado cultural do conceito, que deixa pouco espaço para as revoltas e emoções, à maneira pela qual se toma partido em uma disputa e se entra na batalha.
Engajado intelectual talvez conviria melhor. Para traduzir a inquietude permanente das razões do engajamento e a lógica íntima das paixões.
Engajado intelectual? Porque então não dizer simplesmente militante.
Nestes tempos de individualismo sem individualidade, a palavra tem má fama. Se dirá que cheira um pouco demais a quartel e soldado. Mas engajamento? “Engajem-se, engajem-se novamente”... Na legião, na polícia, nas ordens?
Militar tem ao menos a vantagem de indicar o sentido do coletivo. Militar não é um prazer solitário, mas um ato compartilhado. Um pequeno passo na via do “comunismo de pensamento” (e de ação) que busca Dionys Mascolo com tenacidade.
Porque militar é, no fim das contas, a ética mesma da política, “um pensamento de atos”, a prova prática das ideias no dever (o contrário de uma obrigação imposta) que alguém se fixa em relação aos outros. “Toda atividade política é moral, envolve consigo o universo dos valores morais e depende consequentemente do julgamento moral”, escreve ainda Mascolo (e como, em se tratando de engajamento, não pensar nele, como negligenciar a sua releitura, depois de sua morte?).
Militar implica de preferência uma forma organizada que porta uma memória e coloca as ideias em comum. Mas não necessariamente. De uma maneira mais geral, pode-se dizer que com ou sem pertencimento, a atitude do militante se opõe àquela do perpétuo simpatizante, do companheiro de viagem, que se preserva e se reserva o recurso de jogar, se necessário, com as duas mãos, em dois tabuleiros.
Mascolo consagrou mais de uma página ao “caso sombrio do simpatizante” – cujo tipo era ontem o “stalinista de fora” – tão cheio de preconceitos, tão imbuído de sua liberdade, porém frequentemente tão servil. Ele constituiu um dos “piores subprodutos do stalinismo” e desempenhou seu papel com “a mais culpável das inocências”.
Sartre foi assim um companheiro de viagem durante um certo tempo (do stalinismo e depois do maoísmo). Aragon foi, por sua vez, um membro e, eventualmente, um poeta do partido. No entanto, um membro e o outro não, permanecem, em uma certa medida, simpatizantes. Como disse – mais uma vez – Mascolo, Sartre passando de uma atitude anticomunista de princípio a um companheiro acomodado com as posições stalinistas ou maoístas, não mudou de erro: “Nos dois casos, confudiu radicalmente o projeto revolucionário com o stalinismo”. Quanto a Aragon, seu zelo em endossar todas as viragens burocráticas, sem escapar ao mesmo tempo do complexo do intelectual desertor de classe, fez dele um eterno simpatizante de dentro.
Militar envolve um senso de responsabilidade em relação aos desconhecidos, sem eclipses nem intermitências.
Aqui estamos.
Não no simples compromisso.
Mas no compromisso revolucionário. Ou no compromisso comunista, porque no fundo, e apesar de todas as infâmias cometidas em seu nome, é ainda a palavra mais justa, a mais precisa e a mais fiel em conteúdo, para designar o desafio de uma época.
No fundo, é bem disto que se trata. Não de casar com tal causa, ou tal partido, mas de viver uma relação com um mundo sem reconciliação possível. O engajamento não é então um despertar matinal após uma noite de tempestade. Torna-se revolucionário por lógica do coração e da razão.
A dedução é simples. O mundo como é não é aceitável. Portanto, é necessário tentar mudá-lo, sem nenhuma garantia de consegui-lo.
Isto é evidente por si mesmo. Não há como contornar. Mesmo antes de “se engajar”, se está “a bordo”, diriam. Muitas coisas pesam neste embarque.
Para mim, foi a memória de um avô materno, filho de um comunardo expulso da Passagem da Mão de Ouro. Ele havia conservado em sua sala de jantar um retrato de Jean-Baptiste Clément e, todos os anos, no aniversário da semana sangrenta, ele fazia os que estavam à mesa se levantar e cantar “O tempo das cerejas”. Foram também, no balcão do pequeno café da família nos subúrbios de Toulouse, as histórias dos antigos brigadistas da Espanha e dos resistentes da MOI [Main-d'œuvre immigrée], o fantasma decapitado de Marcel Langer. A estrela amarela guardada preciosamente na gaveta e silenciosamente colocada sobre o balcão ao menor comentário racista ou antissemita. E a cortina de ferro puxada por minha mãe, em forma de protesto, no dia da execução de Julian Grimau.
Nossos começos são sempre recomeços.
Revolucionário por revolta lógica?
Há apenas três maneiras de se recusar a implicação: por má fé, resignação ou cinismo.
A má fé dirá que o mundo está bom tal como está e sobretudo que nada precisa mudar.
A retórica da resignação dirá que o mundo, é verdade, é horrível, mas que não se pode mudá-lo, pois a desigualdade é natural e o mercado eterno.
O refinamento cínico admitirá que é necessário, sem dúvida, mudar este mundo miserável, mas acrescentará que a humanidade não merece o esforço.
Se a eternidade não existe, exceto sob a forma religiosa do inferno, e se a espécie humana é um devir assim como uma herança, é necessário apostar, ao contrário, nesta “parte não fatal do devir”, que “pede para ser parida e que se encontra já inscrita ou ‘querida’ nesta faculdade geral de superação que se diversifica no sonho, na imaginação, no desejo, cada um deles visando, à sua maneira, um além dos limites” (Mascolo, mais uma vez).
Um engajamento, portanto, em forma de aposta lógica no incerto. Trabalhado pela dúvida. Enquanto o necessário e o possível não se enlaçarem e nos esforçarmos em vão por fazê-los entrar em acordo.
Uma aposta ordinária, a cada dia recomeçada.
É o que fazem, com toda simplicidade, milhares de militantes sindicalistas, associativos e políticos ao redor do mundo.
Milhares de Mac Lean.
Por lealdade a eles, quando se está a bordo, é por um longo tempo.
Não se tem o direito de jogar a toalha, de se render, ao menor cansaço, ao menor acidente de percurso, à menor, e mesmo à pior, decepção.
Este engajamento militante (com o perdão do pleonasmo) depende da “parte irredutível” que Mascolo invoca. E porque este é o lugar, precisamente nesta revista nestas colunas, para saudá-lo e lhe dizer adeus (também em memória de algumas noites de sonho compartilhadas há trinta anos), uma das melhores formas talvez seja fazer eco a suas próprias palavras, tão dolorosa e lealmente atuais:
“Nós somos efetivamente reduzidos por ora a desenvolver uma constatação de derrota e, em um mesmo movimento, aprofundar uma recusa que deve ser tal que não precisava, na origem, sequer dar suas razões: é evidente. É assim, se for possível, que virão as propostas positivas. Não é necessário, apesar das notificações maliciosas, ser capaz de dizer o que se quer para saber aquilo que jamais se irá querer sob qualquer preço. Isso é bastante simples. Tão simples que é possível, pela primeira vez depois de muito tempo, se sentir tranquilo nesta situação. Não há aqui os riscos de erro, que por muito tempo têm nos segurado” (“La part irréductible” [A parte irredutível], 2 de outubro, 1958; retomado em “A la recherche d’un communisme de pensée” [Em busca de um comunismo de pensamento], Paris, Fourbis, 1993).
26 de agosto, 1997
Texto escrito para a revista Lignes, nº 32, ed. Léo Scheer, outubro de 1997.
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