top of page
  • Foto do escritorEditor MRI

A teoria da revolução permanente e sua atualidade (Yohann Emmanuel e Julien Salingue)


A teoria da revolução permanente e sua atualidade

Yohann Emmanuel e Julien Salingue

Tradução de Giovani Brazil

Revisão de Pedro Barbosa


O que é a teoria da revolução permanente? Como ela foi testada na realidade? Qual a sua atualidade?


I. Gênese da teoria da revolução permanente


O termo “revolução permanente” vem de Marx e Engels. Durante a revolução de 1848-1849, e ainda mais como resultado de seu fracasso, eles perceberam que, na Alemanha, a revolução burguesa (liberal-democrática) e a revolução proletária não seriam etapas separadas historicamente (por um período de desenvolvimento capitalista que duraria várias décadas).


“Até que todas as classes mais ou menos possuidoras tenham sido afastadas do poder”


Na França, a burguesia havia liderado a Revolução de 1789, derrubando o feudalismo e o Antigo Regime e redistribuindo terras em larga escala. Na Alemanha, a burguesia era, ao mesmo tempo, muito fraca politicamente e muito temerosa diante do poder nascente do proletariado: ela rapidamente se colocaria ao lado da reação. Já a pequena-burguesia democrática, caso cumprisse um papel importante no desencadeamento de um processo revolucionário, iria querer encerrá-lo prematuramente. Era, portanto, necessário para o proletariado e para os comunistas “tornar a revolução permanente, até que todas as classes mais ou menos possuidoras tenham sido afastadas do poder, até que o proletariado tenha conquistado o poder e que não somente em um país, mas em todos os países dominantes do mundo, a associação dos proletários tenha avançado a ponto de fazer cessar em tais países a concorrência dos proletários e concentrar em suas mãos ao menos as forças produtivas decisivas[1]. Embora tivesse sido indispensável que o proletariado participasse ativamente da derrubada dos Antigos Regimes e da revolução democrática, ele deveria lutar para intensificar e radicalizar esse processo, até transformá-lo numa revolução comunista. Desde o início, ele deveria tomar consciência de seus interesses de classe – que, em última instância, se identificam com a abolição de toda dominação de classe –, apresentar suas próprias reivindicações e se organizar de maneira autônoma, de modo a estabelecer os gérmens de um duplo poder: lhes era preciso “instaurar imediatamente, ao lado dos novos governos oficiais, seus próprios governos operários revolucionários, quer sob a forma de comitês ou conselhos municipais, quer através de clubes operários ou de comités operários, de tal maneira que os governos democráticos burgueses não só percam imediatamente o apoio dos operários, mas se vejam desde logo vigiados e ameaçados por autoridades atrás das quais está toda a massa de trabalhadores[2]. Para Marx e Engels, “seu grito de guerra tem de ser: a revolução em permanência!”. Na Alemanha, a hipótese estratégica de Marx e Engels não se confirmou: não houve revolução antes de 1918, e foi “por cima” que a unificação nacional foi alcançada, e que foram introduzidas reformas liberais bastante parciais, ainda que sob a pressão do movimento operário. Seria na Rússia que a noção de revolução permanente assumiria toda a sua relevância histórica.


Trotsky e o “desenvolvimento desigual e combinado”


Trotsky começou a teorizar, por sua vez, a teoria da revolução permanente desde 1904 (com o texto “Antes de 9 de janeiro”) e, especialmente, após a revolução de 1905 (em Balanço e perspectivas, 1906). Tal como Marx e Engels pensaram para a Alemanha, embora ele não tivesse então conhecimento direto dos textos deles sobre essa questão, Trotsky pontuou que não se deveria esperar que a burguesia russa liderasse uma verdadeira revolução liberal e democrática. Seria sob a direção do proletariado, apoiando-se na maioria camponesa, que as tarefas democráticas poderiam ser cumpridas, que não seriam, portanto, separadas das tarefas proletárias (em primeiro lugar, a socialização dos grandes meios de produção). Isso se relacionava com a sua análise do capitalismo russo. O desenvolvimento tardio do capitalismo, o lugar subordinado da Rússia na hierarquia imperialista, a importância do papel econômico do Estado e a presença de capital estrangeiro que explorava diretamente os operários russos explicava tanto a fraqueza da burguesia nacional, o desenvolvimento relativamente grande de um proletariado concentrado (ainda que fosse uma minoria, se comparado com o campesinato) quanto a possibilidade de um rápido desenvolvimento econômico, em função do nível da técnica e das forças produtivas existentes. Isso é o que ele chamaria, mais tarde (notavelmente, em História da Revolução Russa, 1930) de “desenvolvimento desigual e combinado”: existe uma desigualdade no desenvolvimento da Rússia em relação aos países de capitalismo avançado, o que implica um desenvolvimento “combinado”, no sentido em que se observa a combinação de níveis de desenvolvimento bastante diferentes (desde o extremo atraso do meio rural, até as fábricas ultramodernas de Petrogrado). O elo, estabelecido por Trotsky, entre o desenvolvimento desigual e combinado e a revolução permanente no caso da Rússia foi, em seguida, generalizado aos diferentes países dominados no quadro do imperialismo [3], aos quais ainda era necessário cumprir as tarefas revolucionárias “burguesas”, como a abolição das relações feudais e uma reforma agrária radical, a conquista de uma verdadeira independência nacional e libertação diante do imperialismo, ou o estabelecimento de instituições democráticas.


Revolução permanente contra “socialismo em um só país”


Embora a Revolução Russa tenha confirmado, em grande parte, as concepções de Trotsky, um debate ressurgiu, em meados da década de 1920, colocando o socialismo em um só país, de Stalin e Bukharin, contra a ideia de Trotsky de que era necessário tornar a revolução permanente, não apenas até a abolição da dominação de classe e a transformação socialista completa da sociedade, mas até o triunfo do socialismo à escala mundial. Após sua derrota, Trotsky ofereceu a sua mais completa teorização sobre a noção e a estratégia da revolução permanente, em um livro escrito no essencial em 1929, A Revolução Permanente (ver o trecho selecionado logo após este artigo) e distinguiu três aspectos. O primeiro (em oposição ao etapismo) é a permanência do processo revolucionário, ou o “transcrescimento” da revolução democrática em revolução socialista, nos países ditos “atrasados”. O segundo aspecto (em oposição ao estatismo burocrático) é a permanência da própria revolução socialista. A revolução socialista está, na verdade, longe de se completar com a tomada do poder ou com a decisão estatal de socializar os meios de produção: “Durante um período, de duração indefinida, todas as relações sociais são transformadas, durante uma luta interna ininterrupta”, onde os conflitos também dizem respeito à “economia, tecnologia, ciência, família, costumes ou tradições”. O terceiro aspecto (em oposição ao socialismo em um só país) se refere à necessidade de estender (sob pena de degeneração) a revolução à escala internacional, em função do caráter mundial da economia: “A revolução socialista começa no plano nacional, mas não pode parar nele. [...] A revolução internacional, apesar dos recuos e refluxos provisórios, representa um processo permanente”. A Revolução de Outubro aparecia, então, como “o primeiro estágio da revolução mundial, que, necessariamente, se prolongará por décadas”.


Não iremos desenvolver aqui os segundo e terceiro aspectos, que são perfeitamente atuais. As ideias de que a revolução socialista irá muito além do momento da tomada do poder e da necessidade de internacionalizar a revolução são evidentes. Porém, seria ir longe demais tentar conceber, de maneira mais precisa, o que implica, de um lado, a articulação das escalas nacional e internacional e, de outro lado, a democratização radical de todas as relações sociais.


II. A revolução permanente como ferramenta de análise do imperialismo e como estratégia anti-imperialista


A noção de revolução permanente torna possível analisar as situações e ciclos de processos revolucionários nos países dominados no quadro do imperialismo?


O caso das lutas de libertação nacional


Lembremos, primeiramente, que as ideias de Trotsky foram confirmadas, em larga escala, pelos processos que combinaram revolução anti-imperialista e socialista: a revolução chinesa (a derrota em 1925-1927 e, depois, a vitória em 1949), a libertação do Vietnã ou a revolução em Cuba.


É claro, vários elementos parecem se opor à compreensão da revolução permanente como previsão histórica. Embora as situações sejam diversas, as independências das colônias, ocorridas entre 1945 e 1975, particularmente na África (com a exceção das ex-colônias portuguesas: Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau), foram obtidas sem que levassem a um sistema socialista, e sem que as organizações comunistas tivessem a hegemonia sobre o movimento de libertação nacional (embora tivessem influência e ligações significativas com a URSS). Na Argélia, embora medidas socialistas, parciais e sob a égide do Estado, tenham sido iniciadas após a independência, o processo não foi levado até o fim, tal como no Egito de Nasser. Além disso, mesmo quando forças políticas que se reivindicavam comunistas desempenharam um papel importante, ou mesmo tenham dirigido o processo de libertação nacional, estas se apoiaram menos no proletariado do que no campesinato. No mais, independente dessas vitórias anti-imperialistas terem levado ou não a uma socialização econômica (parcial ou completa), elas não levaram a regimes democráticos.


No entanto, nações independentes que não atacaram as estruturas capitalistas não se livraram das correntes do imperialismo. Em seguida, a ofensiva neoliberal internacional, o peso da dívida, os planos de ajuste estrutural e o Consenso de Washington, e depois a queda do bloco soviético, limitaram a margem de manobra que os países dominados foram capazes de ter até a década de 1970. Porém, foi essa margem de manobra que tornou possível certas políticas de desenvolvimento nacional autocentradas que visaram modificar a divisão imperialista do trabalho (o que Samir Amin chama “desconexão”), possivelmente forjando novos laços de colaboração entre países do terceiro mundo.


É evidente que alguns países que já foram dominados, em termos imperialistas, hoje não são mais. No entanto, pode-se considerar que eles tiveram trajetórias particulares que não podem ser generalizadas, por serem baseadas, por exemplo, num forte apoio dos Estados Unidos em um contexto de Guerra Fria (Coreia do Sul e Taiwan) ou no papel das exportações de petróleo (os países do Golfo, em primeiro lugar). O caso mais complexo é o da China. Em função do seu crescimento econômico, mostrando que conseguiu escapar da lógica do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (André Gunder Frank), e em função do seu poder político, a China não pode ser considerada submissa ao imperialismo, mesmo que se possa discutir se ela está, ou não, destinada a substituir a hegemonia mundial dos Estados Unidos. No entanto, isso não implica em rejeitar a ideia de revolução permanente, pois foi “a revolução chinesa [que] quebrou a dominação imperialista e concedeu ao país uma classe trabalhadora, qualificação, indústria e tecnologia independentes”, estabelecendo, assim, as condições do desenvolvimento capitalista posterior [4].


Apesar de haver algumas exceções, casos complexos e situações muito diversas, que impedem o estabelecimento de um esquema de maneira mecânica, a intuição que está no coração da noção e da estratégia da revolução permanente permanece fundamentalmente correta: “Enquanto uma revolução socialista/democrática genuína – num processo ‘permanente’ – não tiver sido realizada, é improvável que os países do Sul, as nações de capitalismo periférico, possam começar a resolver os problemas ‘bíblicos’ (a expressão é de Ernest Mandel) que as afetam: pobreza, miséria, desemprego, desigualdade social gritante, discriminação étnica, falta de água e pão, dominação imperialista, regimes oligárquicos, monopólio da terra pelos latifundiários...[5].


A “primavera árabe”


Os caminhos do processo revolucionário na região árabe, iniciado no inverno de 2010-2011, demonstram o quão particularmente imbricadas estão as tarefas democráticas, econômicas e sociais. A organização de eleições em alguns dos países afetados pela onda de levantes, ou mesmo o estabelecimento de um regime democrático-burguês formal, como na Tunísia, não alteraram, de maneira fundamental, as estruturas de dominação, e as aspirações populares permanecem. Como apontou Gilbert Achcar, “a mudança de que essa região precisa para superar a sua crise crônica necessita de direções ou órgãos dirigentes do movimento popular que tenham um alto nível de determinação revolucionária e lealdade ao interesse popular. Tais direções são indispensáveis para gerenciar o processo revolucionário e superar os difíceis testes e desafios que, inevitavelmente, deverão ser confrontados ao se buscar derrotar os regimes existentes através da conquista de sua base social, tanto civil quanto militar. São necessárias direções à altura da tarefa de transformar o Estado, de uma máquina de extorsão social em benefício de uma minoria em uma ferramenta a serviço da sociedade e de sua maioria trabalhadora. Enquanto tais órgãos dirigentes não tenham surgido ou triunfado, o processo revolucionário atravessará, inexoravelmente, fases de fluxo e refluxo, avanços revolucionários e regressões contrarrevolucionárias[6].


Em outros países da região, podemos ver o quanto não considerar de maneira combinada as tarefas econômicas, sociais e econômicas pode até favorecer o retorno dos antigos regimes (que jamais foram retirados completamente). O caso mais exemplar é, provavelmente, o do Egito, onde a Irmandade Muçulmana, reivindicando-se das conquistas da revolução de 2011, rejeitou qualquer ruptura com as políticas econômicas neoliberais e predatórias – tendendo mesmo a aprofundá-las – cumprindo um papel, de fato, contrarrevolucionário e precipitando o retorno do poder ao exército. A ideia de que a democracia política era uma etapa a ser cumprida “inicialmente”, construindo alianças políticas com forças da burguesia, mesmo que isso significasse desistir de impor transformações sociais, que só foram imaginadas após a consolidação de estruturas democráticas, teve vida curta: não só a transformação social nunca ocorreu, como essa separação entre tarefas sociais e democráticas favoreceram o retorno das ditaduras – e a destruição dos frágeis espaços de democracia política.


III. Atualidades da teoria da revolução permanente


Nos países dominados, portanto, a teoria da revolução permanente segue relevante, desde que seja constantemente atualizada sob a luz de novas experiências sociais e políticas. Como escreveu Michael Löwy: “Na grande maioria dos países de capitalismo periférico – sejam eles no Oriente Médio, na Ásia, na África, ou na América Latina – as tarefas de uma revolução democrática genuína não foram alcançadas: dependendo do caso, democratização – e secularização! – do Estado, libertação do controle imperial, a exclusão social da maioria pobre, ou a resolução da questão agrária permanecem na ordem do dia. A dependência assumiu novas formas, mas estas não são menos brutais ou restritivas que as do passado: a ditadura do FMI, do Banco Mundial e, logo, da OMC – sobre os países endividados, ou seja, praticamente todos os do Sul – através do mecanismo de planos de “ajuste” neoliberais e imposições draconianas ao pagamento da dívida externa. [...] A revolução nesses países só pode, portanto, ser uma combinação complexa e articulada entre essas reivindicações democráticas e a derrubada do capitalismo. Hoje, assim como no passado, as transformações revolucionárias que estão na ordem do dia nas sociedades situadas na periferia do sistema não são idênticas às dos países que estão no centro. Uma revolução social na Índia não pode ser, do ponto de vista de seu programa, de sua estratégia e de suas forças motrizes, uma “revolução operária” pura, como na Inglaterra. O papel político decisivo – e não previsto por Trotsky, é preciso admitir – cumprido, em muitos países, hoje, por movimentos camponeses e indígenas (o Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México, o brasileiro Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a CONAIE, no Equador) demonstra a importância e a explosividade social da questão agrária e de sua ligação com a libertação nacional[7].


Para Trotsky, nos países de capitalismo avançado, onde a revolução burguesa deveria ter sido alcançada, a revolução permanente tinha relevância somente em dois sentidos: a continuação do processo revolucionário socialista após a tomada do poder; a necessidade de estender internacionalmente a revolução.


Sem, é claro, ser abolida, “a fronteira entre ‘revolução operária’ nos países imperialistas e ‘revolução permanente’ nos países dominados parece mais nebulosa hoje do que ontem, tanto no plano político (as palavras de ordem são cada vez mais similares, num tempo em que a dívida ilegítima está no coração da crise europeia!) quanto geograficamente, com países ‘transitando’ entre dois mundos”, como é o exemplo da Grécia [8].


De modo mais geral, a revolução permanente, como sinônimo da combinação de tarefas democráticas e socialistas, ganhou uma nova relevância mesmo nos países do centro imperialista. A longa crise do capitalismo, cuja irrupção em 2008-2009 ainda causa consequências – e réplicas – abriu uma nova fase de desenvolvimento autoritário, nos países de capitalismo “desenvolvido”, cuja culminação ainda está longe de ter sido atingida. Esse curso autoritário não é um acidente de percurso, ou uma simples “corrida desenfreada” ideológica: é a expressão de uma crise de hegemonia da dominação política burguesa, corolário de sua incapacidade estrutural de obter o consenso de frações significativas da população, sua adesão a políticas que, longe de amortizar as consequências sociais da crise econômica, agravam-nas. A instabilidade política existe, traduzida no fim dos regimes de alternância “pacífica”, no desenvolvimento espetacular das forças de extrema-direita, em eventos tais como a eleição de Donald Trump ou o Brexit, nas múltiplas intervenções brutais, nos últimos anos, de instituições europeias em cenas políticas “nacionais” (Itália, Grécia e, em menor escala, Portugal), etc.


O autoritarismo macroniano é a expressão francesa de uma crise de hegemonia entre as classes dominantes à escala internacional, que se desenrola de diferentes maneiras na maioria das “democracias burguesas”. Quando Macron foi eleito, levantou-se a questão de se ele representava uma solução para a crise de hegemonia, ou se ele era um produto dela e que, a médio prazo, faria apenas aprofundá-la. Hoje, tudo indica que, embora suas contrarreformas atendam aos desejos da burguesia, a crise está longe de estar resolvida: as reformas são votadas e aplicadas, mas sem haver consenso, o que é evidenciado pela baixa popularidade de Macron e o estreitamento de sua base social, já uma minoria durante a eleição presidencial de 2017. Porém, nada parece indicar que Macron e sua gente estejam procurando construir uma “nova hegemonia”, visto que as suas relações com as formas mais tradicionais de mediação e, portanto, de produção de consenso (partidos, centrais sindicais, associações e até mesmo, em alguma medida, os meios de comunicação) demonstram um desejo de marginalizar/contornar, até mesmo dominar de maneira absoluta, essas estruturas.


A inseparabilidade das lutas democráticas e sociais é cada vez mais visível nos países capitalistas dominantes, assim como o é nos países periféricos. É nesse sentido que podemos compreender os repetidos levantes populares, no decorrer dos últimos 10 anos, como expressões de uma revolta contra o capitalismo neoliberal-autoritário, na qual reivindicações sociais e democráticas são “naturalmente” combinadas [9]. Iraque, Chile, Líbano, Catalunha, Porto Rico, Sudão, Colômbia, Hong Kong, Nicarágua, Argélia, Haiti, Irã, Índia... Quase todos os movimentos populares dos últimos anos, e isso também é verdadeiro para o caso dos gilets jaunes na França, se iniciaram como reação a uma medida específica por parte do governo, e rapidamente se tornaram levantes globais, colocando em questão o conjunto das políticas neoliberais conduzidas nos anos recentes, até mesmo décadas, e contestando a própria legitimidade dos poderes vigentes e suas práticas antidemocráticas, até mesmo autoritárias.


Em todas essas lutas, no entanto, a ausência de um horizonte emancipatório comum (comunismo, ecossocialismo...) fez brutalmente falta, assim como fizeram falta forças políticas capazes de realizar uma síntese entre experiências passadas e novos radicalismos, algo essencial para se imaginar as revoluções do século XXI, ao levantar, abertamente, a questão do poder. É também assim que pode e deve contribuir a revolução permanente: nutrir-se de experiências políticas e sociais contemporâneas ao mesmo tempo em que as nutre, e constituir uma teoria e uma prática que, longe das visões teleológicas e etapistas da luta pela emancipação social, permita “articular o tempo político do acontecimento com o tempo histórico do processo, condições objetivas com sua transformação subjetiva, as leis tendenciais com as incertezas da contingência, os limites das circunstâncias com a liberdade das decisões, a sabedoria das experiências acumuladas com a audácia da novidade, o acontecimento e a historicidade[10].



Notas [1] Carta do Comitê Central à Liga dos Comunistas, escrita por Marx e Engels em março de 1850. [2] Idem. [3] O caso da China, discutido pelo próprio Trotsky, é paradigmático; Pierre Rousset retorna a isso em sua contribuição a este dossiê: The Chinese Experience and the Theory of Permanent Revolution https://internationalviewpoint.org/spip.php?article7216 [4] Pierre Rousset, Daniel Bensaïd, la révolution permanente: questions d'hier et d'aujourd'hui, janeiro de 2012: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article24095 [5] Michael Löwy, Actualité de la révolution permanent, Inprecor, Jul-Set 2000. [6] Gilbert Achcar, 2010-2020: The first decade of the Arab revolutionary process: https://anticapitalistresistance.org/the-first-decade-of-the-arab-revolutionary-process/ [7] Michael Löwy, Actualité de la révolution permanent. [8] Pierre Rousset, Daniel Bensaïd, la révolution permanente: questions d'hier et d'aujourd'hui. [9] Ver Julien Salingue, Un soulèvement mondial contre le capitalisme néolibéral-autoritaire?, revue l’Anticapitaliste n°110, dezembro de 2019. [10] Daniel Bensaïd, Fragments pour une politique de l'opprimé: événement et historicité, 2003.

74 visualizações0 comentário
Post: Blog2_Post
bottom of page