top of page
  • Foto do escritorEditor MRI

Socialismo ou neoliberalismo? (Ernest Mandel)


Socialismo ou neoliberalismo?

(Fevereiro 1993)

Ernest Mandel

Tradução de Thais

Revisão de Giulia



Desde meados da década de 70 há uma ofensiva mundial do capital contra o trabalho e as massas trabalhadoras do terceiro mundo. Essa ofensiva evidencia a acentuada deterioração das relações de poder às custas dos trabalhadores. Ela tem causas objetivas e subjetivas.

A causa objetiva é o rápido crescimento do desemprego em países imperialistas de 10 milhões para, pelo menos, 50 milhões, se não mais. As estatísticas oficiais são dadas por órgãos governamentais e são todas falsas. Nos países do terceiro mundo há, pelo menos, 500 milhões de desempregados. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o desemprego também está em alta nas burocráticas sociedades pós-capitalistas.


As raízes subjetivas residem essencialmente no fracasso total dos trabalhadores organizados e dos movimentos de massas em resistir à ofensiva capitalista. Em muitos países, estas organizações chegaram mesmo a liderá-la: França, Itália, Espanha e Venezuela, só para citar alguns. Isso, sem dúvidas, dificultou a resistência à ofensiva capitalista.

Dito isso, porém, não se deve subestimar o impacto real das políticas econômicas pseudo-liberais - na realidade neoconservadoras - no desdobramento dos acontecimentos mundiais. Essas políticas, sistematizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo o Banco Mundial, simbolizadas pelos governos de Margaret Thatcher, Ronald Reagan e seus adeptos no terceiro mundo, tem sido um completo desastre.


Sob o pretexto de dar prioridade à estabilidade monetária, a luta contra a inflação, o equilíbrio orçamentário, as despesas sociais e as despesas com infraestrutura foram brutalmente reduzidas. Daí resultou o aumento mundial da desigualdade social, da miséria, das doenças e da ameaça ao meio ambiente. De um ponto de vista macroeconômico, isso é cada vez mais irracional e contra produtivo. De um ponto de vista macrossocial, é indefensável e odioso. Os resultados são cada vez mais desumanos e ameaçam a sobrevivência da espécie humana.


Gostaria de salientar o cinismo básico da ofensiva ideológica neoconservadora que acompanha as políticas econômicas conservadoras. Os neoconservadores afirmam que querem reduzir radicalmente as despesas públicas. No entanto, essas despesas nunca foram tão elevadas quanto na década de 80 e no início da década de 90, sob a égide dos neoconservadores. O que realmente aconteceu foi uma mudança no perfil dessas despesas: se antes elas eram direcionadas à cobertura de programas sociais e de infraestrutura, agora provém de subsídios a grandes empresas e gastos militares, este último podendo ser estimados em 3 trilhões de dólares no período. O socorro prestado às instituições financeiras falidas e quase falidas, como as associações de poupança e crédito dos Estados Unidos, bem como os enormes pagamentos de juros sobre a dívida em forte crescimento, pertencem a essa categoria.


Os neoconservadores dizem que defendem os direitos humanos universais, mas na realidade, dadas as inevitáveis reações em massa contra essas políticas antissociais, os governos neoconservadores minam e atacam cada vez mais os valores democráticos como: a liberdade sindical, o direito ao aborto, a liberdade de imprensa e a liberdade de deslocamento. Eles criam o ambiente ideal para que tendências da extrema direita - como o racismo, xenofobia e até o neofascismo diretamente - possam ressurgir.


Pobreza no terceiro mundo


O crescimento mundial da pobreza é desastroso e no terceiro mundo se tornou uma catástrofe histórica. De acordo com as estatísticas oficiais das Nações Unidas, mais de 60 países com um total de mais de 800 milhões de habitantes sofreram um declínio absoluto do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de 1980 e 1990. Nos países mais pobres, este declínio é da ordem dos 30-50%. Para as camadas mais pobres da população destes países, o número oscila em torno de 50%. O PIB na América Latina em 1950 correspondia a 45% do PIB dos países imperialistas. Em 1988, caiu para 29,7%.


Décadas de crescimento modesto nas políticas de bem-estar social foram dizimadas em apenas alguns anos. O que isso significa concretamente pode ser ilustrado pelo exemplo do Peru. De acordo com o New York Times, mais de 60% da população do Peru é subnutrida e 79% vive abaixo do nível da pobreza - que é arbitrariamente definido em 40 dólares por mês. Mesmo os funcionários públicos com nível superior ganham cerca de 85 dólares mensais, o que não é suficiente nem para pagar a mensalidade de um estacionamento naquele país.


Se levarmos em consideração a diferenciação social dentro dos países do terceiro mundo, a situação é ainda mais calamitosa. Os habitantes mais pobres desses países têm hoje um consumo diário alimentar que equivale ao de um campo de concentração nazista dos anos 40. Um relatório da Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas preparado para uma conferência de dezembro de 1992 estimou que 500 milhões de pessoas sofrem de fome crônica, para além de várias centenas de milhões de pessoas que sofrem de subnutrição sazonal. Cerca de 800 milhões de pessoas no terceiro mundo sofrem de fome. Se somarmos a elas o número de famintos nos países imperialistas e pós-capitalistas, chegamos ao total de 1 bilhão de pessoas em situação de fome. E tudo isso acontece enquanto existe, de maneira geral, uma superprodução de alimentos.


No norte do Brasil surgiu uma nova raça de pigmeus que possuem uma altura média de 35 centímetros a menos que a média dos brasileiros. A classe dominante e a burguesia denominam essas pessoas de homens-gabiru [homens-rato]. Essa caracterização é completamente desumanizante, reminiscente dos nazistas, além de ter implicações sinistras. É bem sabido por todos o que é feito com gabirus (ratos).

É comum a subnutrição causada pela insuficiência de ingestão de vitaminas, minerais e proteína animal, principalmente em mulheres e crianças. Como resultado, as crianças do terceiro mundo têm um risco 20 vezes maior de morrer ou de contrair doenças graves do que aquelas nascidas em países imperialistas.


O destino dessas crianças simboliza a ascensão da barbárie no terceiro mundo. Essa não é uma questão sobre o futuro, a barbárie já teve início e em grande escala. De acordo com estatísticas fornecidas pela UNICEF, 16 milhões de crianças morrem anualmente de fome ou de doenças curáveis no terceiro mundo. Isso quer dizer que a cada quatro anos o número de mortes infantis corresponde ao total de mortes da Segunda Guerra Mundial, Auschwitz, Hiroshima e a fome em Bengala combinadas. De quatro em quatro anos, uma guerra mundial contra as crianças. Eis, em poucas palavras, a realidade mundial do imperialismo e do capitalismo. Além disso, no sul da Ásia, 20% das meninas morrem antes de completar 5 anos de idade; 25% morrem antes dos 15. O infanticídio das meninas cresce todos os anos, assim como a utilização maciça do trabalho infantil em condições de semiescravidão.


Desigualdade crescente


Os efeitos desastrosos das políticas econômicas neoconservadoras não se limitam, de forma alguma, aos países do terceiro mundo ou às condições de vida das massas das sociedades pós-capitalistas. Eles começaram a se expandir lentamente, mas de maneira real, também nos países imperialistas. Nesses países, dependendo da fonte usada, por volta de 55 a 70 milhões de pessoas vivem abaixo do nível da pobreza. Uma sociedade marcada pela dualidade está se desenvolvendo com o crescente número de grupos sociais pouco ou não protegidos pelas redes de segurança social: os desempregados, os trabalhadores sazonais, os pensionistas, as mães solteiras e delinquentes são alguns dos elementos constitutivos dessa subclasse.


Aqui temos apenas um exemplo muito revelador, muito triste e até revoltante. No coração do que foi historicamente uma Paris revolucionária, onde começaram cinco grandes revoluções, todos os dias milhares de migrantes, trabalhadores e trabalhadores temporários ficam à espera de serem empregados. Alguns conseguem, alguns não. Eles não têm nenhum tipo de proteção social e nem permissão para residência. Eles competem entre si para trabalhar por valores irrisórios pois mesmos estes valores são mais altos do que eles conseguem obter nos seus próprios países.


A situação dos guetos norte americanos é típica dessa tendência. Nessas localidades, jovens desempregados chegam a 40% da população e sua grande maioria não tem a menor esperança de conseguir um trabalho no futuro. O mesmo fenômeno propagou-se, ainda que de maneira mais limitada, nos países do sul da Europa e da Grã-Bretanha. A privatização acentua essa tendência.


Enquanto os salários declinam nos Estados Unidos, o número de pessoas que tem uma renda anual de um milhão de dólares cresceu 60 vezes, de 78 mil pessoas para 2 milhões. Entre esses “novos ricos” não existe sequer um trabalhador.


Os ricos ficam mais ricos


Os efeitos perversos da política neoconservadora na economia mundial são igualmente evidentes. Tanto a crescente pobreza dos países do terceiro mundo como a “terceiro mundialização” de setores da população dos países imperialistas constituem um dos principais entraves a qualquer expansão significativa da economia mundial.


A dívida do Terceiro Mundo conduziu a esse perverso e escandaloso fluxo líquido de capitais do Sul para o Norte, com as parcelas mais miseráveis dos países pobres subsidiando as regiões mais abastadas dos países ricos. Poderia se dizer, de uma maneira cínica, que essa é a essência do capitalismo. Todavia, nesta dimensão e amplitude é, pelo menos, um novo fenômeno no século XX.


O mesmo pode ser dito sobre o desenvolvimento adverso dos termos de troca e o papel dos intermediários na estrutura dos preços mundiais. Sabe-se muito pouco que o segundo maior produto de exportação do terceiro mundo depois do petróleo é o café, que todos nós bebemos. Atualmente, para os consumidores ocidentais, o café é relativamente barato. Uma libra [0,45kg] de café custa cerca de 5 dólares nos países ocidentais. Os trabalhadores que produzem esse café recebem de 30 a 50 centavos por dia. O restante fica com intermediários.


O maior perigo da “terceiro mundialização” no Sul, Leste e Oeste é a propagação de epidemias tipicamente relacionadas à pobreza, como a cólera e a tuberculose, que se supunham erradicadas até então. A ameaça da AIDS também está relacionada à pobreza. O ex-diretor do programa anti-AIDS da Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que, até o final deste século, 100 milhões de pessoas serão infectadas pelo HIV, das quais 25% ficarão doentes e morrerão; 85% dessas mortes ocorrerão no terceiro mundo.


Isso não é resultado de alguma especificidade cultural ou étnica, mas sim de deficiências na educação, prevenção, cuidados de saúde e saneamento. Ao mesmo tempo, 7 bilhões de dólares foram gastos na luta contra a AIDS desde o início da epidemia. Apenas 3% desse montante foi gasta no terceiro mundo, onde vivem 85% das pessoas infectadas pelo HIV. É obviamente suicida acreditar, mesmo para a classe capitalista, que a epidemia não chegará aos países imperialistas também.


Dadas as circunstâncias, o apelo do Papa de limitar a luta contra a AIDS ao autocontrole e à castidade e de se opor ao uso de preservativos e pílulas contraceptivas é totalmente irresponsável. As políticas neoconservadoras de corte dos orçamentos de saúde e educação em todos os lugares também parecem irresponsáveis e suicidas. Os efeitos são igualmente desagradáveis, seja econômica ou socialmente.


"Economia de mercado"


Em todos os departamentos universitários que tratam de políticas de desenvolvimento, em todos os países do mundo, é considerado um truísmo que os investimentos mais produtivos são aqueles na educação, saúde e infraestrutura. Mas se você atravessar o corredor para o subdepartamento de finanças públicas, de repente você ouvirá que um orçamento equilibrado é mais importante que o investimento em educação, saúde e infraestrutura e, ainda, que deve haver cortes implacáveis para que se possa parar a inflação.


Deve-se enfatizar que políticas pseudo-liberais e neoconservadoras estão sendo aplicadas no âmbito de uma economia mundial dominada pelo capitalismo. Duas conclusões importantes podem ser tiradas desse fato básico.


Em primeiro lugar, grande parte das reclamações sobre a suposta superioridade da chamada “economia de mercado” é balela. A economia de mercado na sua forma pura ou quase pura não existe e nunca existiu em lugar algum.


Em segundo lugar, qualquer política econômica alternativa aplicada dentro dessa mesma estrutura, como as políticas neokeynesianas, agora propostas por um crescente número de instituições internacionais e lideranças capitalistas, não resultará em nenhuma mudança nessa terrível realidade. Para dar apenas um exemplo: o tremendo atraso tecnológico imposto ao terceiro mundo pelo imperialismo significa que, enquanto essa parte do mundo consome apenas 15% do gasto total de energia do mundo, ela precisa gastar de cinco a seis vezes mais energia por dólar de produto interno do que os países mais ricos.


Portanto surge a questão: não precisamos de uma alternativa não apenas às políticas pseudo-liberais, mas a todo o sistema capitalista, em todas suas variantes, para chegar a um mundo qualitativamente melhor que o atual? Minha resposta é obviamente sim. É por isso que precisamos do socialismo, e por isso sou e continuarei sendo socialista.


A humanidade está enfrentando ameaças terríveis à sua sobrevivência física: guerras nucleares, químicas ou biológicas, guerras massivas que podem se tornar guerras nucleares pelo bombardeio de usinas nucleares com armas convencionais, riscos crescentes de destruição do meio ambiente pelo efeito estufa e o pelo buraco na camada de ozônio, destruição das florestas tropicais, desertificação de grande parte da África e da Ásia e os efeitos cumulativos das catástrofes epidêmicas.


Muitas pessoas questionam: “Não é tarde demais? O dia do juízo final não é inevitável? A humanidade será capaz de sobreviver nos próximos 50 anos?” Acreditamos que a humanidade não está condenada. Isso não é otimismo ou pura intuição. É uma crença baseada em dados científicos sólidos e na dinâmica contínua da pesquisa científica.


Apenas um exemplo: existe uma abordagem concreta e séria para reverter completamente a desertificação da África; irrigar o deserto para transformá-lo novamente numa rica região produtora de alimentos, como havia sido até 1.500 anos atrás; inspirar seus habitantes a aplicar técnicas agrícolas sustentáveis para mudar os plantios de fins comerciais para plantios que permitam alimentar os africanos de maneira saudável. O efeito de um Saara verde e arborizado no clima mundial seria realmente impressionante.


O problema a ser resolvido neste caso não é técnico, natural ou cultural. É um problema social. Para que essa solução seja aplicada é necessária uma ordem social na qual a ganância, o desejo de acumular riqueza pessoal independentemente dos custos sociais e econômicos, e a pseudo-racionalidade de curto prazo que substitui a racionalidade a longo prazo não determinem o comportamento social e econômico. Precisamos de poder nas forças sociais que podem impedir que indivíduos, classes e grandes frações de classe imponham sua vontade à sociedade. O poder precisa estar nas mãos dos trabalhadores dispostos a permitir que a solidariedade, a cooperação e a generosidade prevaleçam por meios democráticos sobre o egoísmo míope e a irresponsabilidade.


Não é uma questão de conscientização. Os ricos, os capitalistas, e os poderosos não são estúpidos. Muitos deles estão perfeitamente conscientes, por exemplo, dos perigos ecológicos. Eles tentam levá-los em consideração, incluí-los em seu planejamento e projeção econômica, mas sob a pressão da concorrência, eles são forçados a agir de tal forma que a ameaça geral permaneça.


Alguns dizem que a ciência e a tecnologia desenvolveram uma irresistível lógica própria e que o desenvolvimento descontrolado da ciência e da tecnologia está levando a humanidade à beira da extinção, porém essa não é a maneira correta de ver as coisas. Isso é o que você poderia chamar, em termos da filosofia marxista, de pensamento reificado. Ciência e tecnologia são apresentadas como forças divorciadas dos seres humanos que os controlam. Mas isso está incorreto.


Democracia dos trabalhadores


A ciência e a tecnologia não têm poder independente dos grupos sociais que os inventaram, os aplicam e que as submetem aos seus interesses. A questão principal é sujeitar a ciência e a tecnologia a um controle social consciente nos interesses democraticamente estabelecidos da grande maioria dos seres humanos. Para libertá-los da submissão aos interesses de poucos que os abusam independentemente dos interesses de longo prazo da raça humana. Para tal, a própria organização e estrutura da sociedade precisa ser sujeitada à um controle consciente e democraticamente determinado.


Em última instância, o socialismo é sobre a conquista da liberdade humana para o maior número possível de pessoas decidir seu próprio destino. Isso é verdade, em primeiro lugar, para todos os assalariados que estão sob a compulsão econômica de vender sua força de trabalho e que representam hoje uma massa maior do que jamais existiu. Atualmente, existem mais de 1 bilhão de assalariados.


Aqueles que defendem que uma minoria governe para além dessa liberdade - a liberdade dos assalariados de decidir de maneira democrática quais as prioridades a serem aplicadas à produção e como produzir e distribuir -, aqueles que afirmam que essa liberdade deve estar subordinada ao domínio das leis do mercado, ao domínio dos ricos, ou ao domínio dos especialistas, das igrejas, do Estado ou do partido, assumem arrogantemente a perfeição de seu conhecimento e da sua sabedoria e subestima a capacidade das massas de igualá-las ou superá-las. Rejeitamos essas alegações como empiricamente infundadas e moralmente repulsivas, levando a consequências cada vez mais desumanas.


Compartilhamos o aviso de Marx de que os educadores, por sua vez, devem ser educados. Somente a organização das massas pode alcançar isso. O socialismo é uma ordem social em que essas massas decidem seu próprio destino de maneira livre.


Para ver o mundo como ele é hoje, precisamos observá-lo de maneira diferente da que ele geralmente é mostrado no jornal ou na televisão. O povo está começando a revidar.


No Uruguai o povo acaba de rejeitar, num referendo com 74% dos votos, a privatização da companhia telefônica. Os mineiros britânicos, e especialmente os trabalhadores italianos, reagiram às políticas de austeridade que seus governos tentaram lhes empurrar goela abaixo. Ambos os grupos estão em greve contra essas políticas. Na Alemanha testemunhamos, e isso é muito emocionante, uma reação radical da juventude contra o aumento da xenofobia, racismo e neofascismo.


Isso é completamente diferente do que aconteceu no final da década de 1920 e no início da década de 1930. Naquele período, os nazistas conquistaram as escolas secundárias, as universidades - a juventude - muito antes de conquistarem o poder político. Hoje a massa da juventude está se movendo contra a xenofobia, o racismo e o neofascismo enquanto os partidos políticos estão indo para a direita.


O exemplo mais gratificante é o do Brasil, onde há uma luta da classe trabalhadora contra um governo reacionário e corrupto. Estou bastante pessimista, acho que eles não vencerão, mas um desafio ao poder burguês no sétimo maior país do mundo, onde agora há mais trabalhadores industriais do que na Alemanha em 1918, pelo menos foi possível.


Há, no entanto, um lado sóbrio de tudo isso, e é que muitos desses movimentos são pontuais e descontínuos por falta de uma ordem social alternativa.


Socialismo


Sobre todos esses desenvolvimentos mundiais paira o que chamamos, no meu movimento, de crise de credibilidade do socialismo. Os trabalhadores não têm nenhuma confiança no Stalinismo, pós-Stalinismo, Maoísmo, Eurocomunismo ou na social-democracia.


Nestas circunstâncias, nenhuma das duas classes sociais básicas, capitalistas e trabalhadores, é capaz, a curto ou médio prazo, de impor sua solução histórica para a crise mundial. Os capitalistas não podem por razões objetivas, porque a classe trabalhadora é muito forte. É muito mais forte do que era na década de 1930. Mas a classe trabalhadora também não pode resolver esta crise mundial porque não acredita em uma ordem social alternativa.


Portanto, estamos em uma crise prolongada, cujo resultado é, neste estágio, imprevisível. Temos de lutar por um resultado favorável à classe trabalhadora, a favor do socialismo, a favor da sobrevivência física da humanidade. Porque essa é a verdadeira escolha hoje. Não socialismo ou barbárie, mas socialismo ou a extinção da raça humana.


Eu vejo a tarefa principal de todos nós socialistas em três partes.


Em primeiro lugar, defender incondicionalmente todas as demandas das massas em todo o mundo onde correspondam às suas reais necessidades tal como as vêem, sem subordinar esse apoio a quaisquer prioridades de natureza política ou de qualquer esquema de poder específico. Temos que voltar ao exemplo do que o movimento trabalhista fez desde o início e durante o período de maior crescimento, desde o final da década de 1860 até a véspera da Primeira Guerra Mundial.


Os socialistas tinham dois objetivos principais na época: a jornada de trabalho de oito horas e o sufrágio universal. Eles não começaram com a pergunta: Como vamos fazer isso? Em que forma de poder, que forma de governo? Não, eles disseram: Essas são necessidades objetivas da emancipação humana, lutaremos por elas de todos os modos possíveis e necessários e daí veremos no que vai dar.

Em alguns países a jornada de oito horas foi conquistada por greves gerais. Em outros, foi alcançado através de governos que poderiam ser considerados “governos dos trabalhadores”. Em outros, foi concedido pela burguesia como uma concessão a um poderoso movimento operário, na tentativa de impedir que este fizesse uma revolução. O fato é que o dia de trabalho de oito horas era, como Marx e Engels apontaram, o interesse objetivo da classe trabalhadora, e essa é a razão pela qual você não deve subordinar a luta por tais demandas a qualquer esquema de poder pré-estabelecido.


Muitas vezes lembrei os camaradas da famosa fórmula, daquele grande tático Napoleão Bonaparte, a quem Lenin citou com muita aprovação: "Primeiro comece a luta e depois veremos". O importante é começar a luta; o que vem depois depende da relação de forças, mas a luta em si muda a relação de forças.


A segunda tarefa dos socialistas e comunistas de hoje é educação socialista básica e propaganda. A humanidade não pode ser salva sem substituir a sociedade atual por uma sociedade fundamentalmente diferente. Você pode chamá-la como quiser, o rótulo não faz diferença, mas seu conteúdo deve ser especificado, o conteúdo do socialismo, conforme será aceito pelas massas. Após as experiências desastrosas da social-democracia, do Stalinismo e do pós-Stalinismo, a imagem do socialismo só pode ser a de emancipação radical, tendo uma dimensão de feminismo radical, de defesa radical do meio ambiente, de consciência pacifista anti-guerra radical, de pluralismo político e de identificação total com direitos humanos sem exceção. O socialismo será aceito apenas se for considerado radicalmente emancipatório em escala mundial, sem exceção.


A terceira condição para resolver a terrível crise de credibilidade do socialismo é a reunificação do socialismo e da liberdade. A burguesia cometeu um terrível erro estratégico ao levantar a questão dos direitos humanos contra socialistas em todo o mundo. Isso se tornará um bumerangue, atingindo-os repetidas vezes. Mas, para que isso aconteça, a união do socialismo e da liberdade precisa ser completa.


Em meados dos anos 20, a música tradicional do movimento operário italiano, Bandiera Rossa, continha essas maravilhosas palavras: "Viva o comunismo e a liberdade!".


Um dos crimes mais graves do Stalinismo, pós-Stalinismo e social-democracia foi provocar o divórcio histórico entre esses dois valores. Temos de voltar a esta questão.


Nos Estados Unidos, em meados dos anos 20, dois anarquistas anticomunistas - eles não tinham absolutamente nenhuma simpatia pelo comunismo - Sacco e Vanzetti, foram condenados à morte pelo governo burguês reacionário. Sua causa foi assumida pelo Partido Comunista dos Estados Unidos e pela Internacional Comunista. O fato de serem anarquistas, anticomunistas, não fez nenhuma diferença. Digo com orgulho que nosso camarada James P. Cannon desempenhou um papel significativo na organização da campanha mundial para esses dois anarquistas. É para essa tradição que devemos voltar, sem ressalvas.


Quem comete crimes contra os direitos humanos, sob qualquer pretexto, em qualquer país, deve ser condenado pelos socialistas-comunistas deste mundo. Essa é a pré-condição para restaurar a confiança entre as massas em nosso movimento. Uma vez restabelecida essa confiança obteremos um poder moral, um crédito moral, uma força moral 10 vezes mais poderosa do que todo o armamento que os capitalistas controlam.


Em defesa do marxismo


Quero dizer aos meus amigos da Escola Marxista que eles estão absolutamente certos em defender o marxismo e em não ceder às pressões antimarxistas que estão ao nosso redor. Algumas são evidentes, outras indiretas, mas estão ao nosso redor.


O marxismo é a melhor coisa que aconteceu ao pensamento e à ação social nos últimos 150 anos. Quem nega isso, quem responsabiliza o marxismo pela contrarrevolução Stalinista, pelo apoio social-democrata às guerras coloniais, é mentiroso ignorante ou deliberado. O marxismo deu à humanidade duas conquistas básicas que devemos defender, mas com a certeza e a autoconfiança de que estamos defendendo uma boa causa.


O marxismo é a ciência da sociedade. É a compreensão coerente do que vem ocorrendo nos últimos 200 anos, se não muito mais do que isso, com base em uma tremenda riqueza de informações empíricas e sem nenhuma alternativa valiosa, mesmo que parcialmente valiosa, entre as ciências sociais.


Não fazemos previsões sobre o futuro. A única forma científica do marxismo é o marxismo aberto. Marxismo que, como disse o próprio Marx, integra dúvida construtiva. Tudo permanece aberto à reconsideração, mas apenas com base nos fatos. Aqueles que fazem isso de maneira irresponsável, sem levar em consideração os fatos, aqueles que jogam fora essa tremenda ferramenta de compreensão da realidade mundial em troca de nada além de ceticismo, irracionalidade, mistificação ou mitologia, não servem a nenhum propósito positivo.


Tão importante quanto o marxismo é enquanto ciência, seu segundo componente básico é igualmente importante; trata-se do seu componente moral. O próprio Marx formulou isso de uma maneira muito radical. Desde a juventude até o final de sua vida, ele não vacilou nem por um minuto da definição do que chamou de imperativo categórico.


Isto é, lutar contra qualquer condição em que os seres humanos sejam desprezados, alienados, explorados, oprimidos ou negados à dignidade humana básica. Quaisquer que sejam os pretextos para justificar tais negações, temos que nos opor incondicionalmente. Compreender que não se pode ser mais feliz do que se é ao dedicar a sua vida a esta defesa dos direitos humanos em todo o mundo: a defesa dos explorados, oprimidos e desprezados.


Não há melhor maneira de ser um bom ser humano neste mundo do que dedicar sua vida a essa grande causa. É por isso que o futuro está com o marxismo.


- Transcrição de uma palestra proferida na Escola Marxista de Nova York em 21 de fevereiro de 1993. Ligeiramente editada, do Boletim em Defesa do Marxismo. Traduzido para o português em setembro de 2019, por Thais; revisado por Giulia.

384 visualizações0 comentário
Post: Blog2_Post
bottom of page