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Sobre a tese do "capitalismo de Estado" - Uma teoria que não resistiu ao teste dos fatos (E. Mandel)


Uma teoria que não resistiu ao teste dos fatos

Ernest Mandel

Tradução de João Henrique Schpallir Silva

Revisão de Pedro Barbosa



Tony Cliff baseou sua teoria de que a União Soviética (URSS) e países com estruturas socioeconômicas análogas são “capitalistas de Estado” em um conjunto de hipóteses que são tomadas como axiomáticas. Destacaremos seis delas:


i. A sociedade soviética e as sociedades da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e do Japão são todas qualitativamente iguais já que são todas capitalistas.

ii. Na URSS, existe uma nova classe dominante que não se baseia na propriedade privada, mas que pode ainda assim ser caracterizada como capitalista.

iii. A economia soviética é fundamentalmente controlada pela lei do valor, “operando por meio do mercado mundial”, mesmo que a competição interna tenha sido eliminada.

iv. Assim como no ocidente e no Japão capitalistas, a classe dominante russa se pauta basicamente pela necessidade de acumulação: “produção em prol da produção”.

v. Crises de superprodução estão ausentes porque o “capitalismo organizado” garante que elas sejam evitadas na URSS [1].

vi. Além disso, crises gerais de superprodução também não existem em países imperialistas, tendo em vista a tendência ao “capitalismo organizado” e a importância do setor armamentista em suas economias.


Os eventos dos últimos 15 anos infligiram um golpe cruel atrás do outro sobre essas afirmações dogmáticas [2]. As recessões generalizadas da economia mundial capitalista em 1974-5 e 1980-2 foram crises clássicas de superprodução, apesar dos efeitos mitigadores da inflação. Em escala, elas superaram, ao invés de ficarem abaixo, a crise capitalista média de superprodução do último século e meio. O que resta então do mito do “capitalismo organizado” e do Generalkartell de Hilferding?


Nada de similar ocorreu na URSS. Se há uma crise neste país, ela é de subprodução de valores de uso (de escassez) e não de superprodução de valores de troca (de mercadorias). Alegar que a primeira é uma variação da segunda é uma falácia grosseira. Um mercado vazio não é “um variante” de um mercado cheio de mercadorias invendáveis.


Um processo de restauração do capitalismo está em curso em vários países do leste europeu [3]. Em pelo menos um país, a República Democrática Alemã (RDA), o processo já está quase completo. Literalmente ninguém nestes países, ou no mundo, nega a evidência. Isto coloca aos defensores da teoria do capitalismo de Estado um problema insolúvel: como é possível, estando no capitalismo, restaurar o capitalismo?


Eles tentam sair dessa dificuldade alegando que “capitalismo privado” é diferente de “capitalismo de Estado”. No entanto, isso apenas empurra o problema para um estágio anterior: ou a diferença entre capitalismo “de Estado” e “privado” é qualitativa – se for, por que usar o mesmo conceito para abarcar ambos? – ou a diferença é puramente quantitativa. Neste caso, todo o problema inicial ressurge com ainda mais força. Alguém pode argumentar seriamente que existia apenas uma diferença quantitativa entre a RDA e República Federal da Alemanha [Ocidental]? A Anschluß [anexação] realizada pela República Federal não mudou em nada as bases do atual sistema socioeconômico da RDA? As sociedades da Coreia do Norte e do Sul são qualitativamente iguais?


Reduzir a natureza do capitalismo ao simples desejo de acumulação (“produção em prol da produção”) é ignorar muito dos volumes 1 e 3 do Capital, e todo o volume 2. A produção capitalista é a produção generalizada de mercadorias. Toda mercadoria possui em si mesma a contradição entre o valor de uso e o valor de troca, assim como a contradição entre mercadoria e dinheiro. Um “capitalismo organizado” que supere estas contradições não seria mais capitalismo, ao menos não no sentido analisado e definido por Marx.


O capital existe e só pode existir tendo como ponto de partida o capital monetário. O capital é o valor que procura aumentar em valor, [que procura] o mais-valor. Por necessidade, precisa, eventualmente, recuperar sua forma dinheiro inicial, apesar do fato de que, enquanto está envolvido no processo de produção, não mais possua tal forma. Sem dinheiro não pode haver acumulação de capital.


Estas não são abstrações esotéricas. Estamos no coração da questão. É inútil ao capitalista somente fazer com que os trabalhadores que explora produzam o máximo de mais-valor. Ele não pode transformar uma libra de carro ou um armazém cheio de televisores de cor em máquinas ou aço adicionais, ou em salários para mais trabalhadores ou em jatos particulares para o seu próprio consumo. Ele não pode acumular capital simplesmente produzindo mais-valor. Ele precisa realizar esse mais-valor por meio da venda de mercadorias que foram produzidas para acumular capital. Como diz Marx, o processo de reprodução (ampliada) [extended], isto é, o processo de acumulação, é a unidade dos processos de produção e dos processos de realização do mais-valor. Estes dois processos nunca coincidem automaticamente. Sem o processo de realização nenhuma acumulação é possível. O que faz com que as crises de superprodução periódicas sejam inevitáveis é a também inevitável contradição entre os dois polos desta unidade. Além disso, a mesma contradição ativa uma série de mecanismos típicos da economia capitalista. Estes [mecanismos] foram cuidadosamente analisados por Marx e podem ser chamados de “leis de movimento” [laws of motion] da economia capitalista.


Para saber se uma economia é basicamente capitalista ou não, devemos então fazer a seguinte pergunta (e sustentá-la nos fatos): as leis de movimento capitalista estão em evidência?


É insuficiente simplesmente apontar para a extração do trabalho excedente dos produtores diretos. À noite, todos os gatos são cinzas. Por milhares de anos, desde o comunismo primitivo, o trabalho excedente sempre foi extraído dos produtores diretos, e isto irá continuar até que alcancemos a futura sociedade socialista sem classes. Mas isso não faz com que todas estas sociedades sejam capitalistas. Segundo Marx, em última análise, a natureza de cada sociedade (exceto a sociedade sem classes) é determinada pela forma específica pela qual o trabalho excedente é extraído (Marx Engels Works, vol. 27, p. 799). E sob o capitalismo isso assume a forma específica da transformação da força de trabalho em uma mercadoria, da sua venda aos capitalistas por dinheiro, dos capitalistas comprando os meios de produção por dinheiro, da apropriação por parte destes mesmos capitalistas dos produtos do trabalho assalariado, e da venda dessas mercadorias a fim de obter aproximadamente o lucro médio. Sem todos estes mecanismos específicos, o capitalismo não existe para Marx, pelo menos não enquanto um modo de produção dominante.


Nossa interpretação da economia capitalista atual e da atual economia soviética permite que a coerência interna da teoria marxista seja preservada. A teoria de Cliff destrói qualquer tipo de coerência, a menos que elementos essenciais da teoria marxista sejam descartados. Assim, qualquer vantagem que esta teoria alegue para a explicação da URSS é perdida quando se trata de explicar o capitalismo atual.


A ideia da burocracia como uma classe dominante deve ser encarada com um sorriso no rosto depois do que aconteceu na Hungria, na Polônia e na RDA (para citar apenas estes exemplos). Alguma classe dominante na história já foi vista literalmente se retirando na ponta dos pés do palco principal da sociedade [from the stage of society], como está fazendo agora uma parte significativa da nomenklatura [burocracia] desses países?


De acordo com o capítulo um do volume 1 do Capital, uma mercadoria é apenas uma mercadoria porque é o produto de atos de trabalho privados realizados independentemente uns dos outros. Apresentar a economia soviética em termos de uma economia capitalista implica, então, que o trabalho industrial lá consiste em “atos de trabalho privados realizados independentemente uns dos outros”: uma descrição absurda, se é que já houve alguma.


Dizer que um ato de trabalho é privado significa que nenhum capitalista (empresa) sabe se o custo do trabalho despendido (tanto vivo como morto) será reconhecido como custo socialmente necessário, ou seja, se será pago pela sociedade. É apenas após a venda das mercadorias que o capitalista descobre se ganhou ou se perdeu. Se o trabalho despendido foi socialmente necessário, ele obtém um lucro médio. Se o trabalho social foi desperdiçado, ele consegue menos do que o lucro médio ou vai à falência.


No primeiro sinal de venda com perda ou com lucro abaixo da média, ele tenta mudar o modo como a produção está organizada. Vai tentar aprimorar a tecnologia, utilizar máquinas melhores, economizar em matérias-primas ou energia, extrair mais excedente de trabalho [surplus labour] de seus trabalhadores, ampliar [spread] seus investimentos, conseguir acesso a crédito mais barato, entre outros. A organização do trabalho depende, em primeiro lugar, da decisão privada do dono da fábrica, que é então corrigida pela competição, pelo mercado. Ele precisa se submeter a estas correções ou encarar a extinção. Sob o capitalismo só há uma medida de performance no geral: lucro realizado. Quanto mais a produtividade é aumentada e os custos de produção são reduzidos, maior será a chance de seu lucro ser maior que o de seus competidores. Mas não há nada de automático nisso. É o lucro pós-venda que determina tudo. A economia capitalista é uma economia baseada no lucro, e o lucro só pode ser realizado e medido na forma de dinheiro.


É aqui que a famosa “lei do valor” entra em jogo. Ela determina a natureza social do trabalho através da troca de mercadorias por valores equivalentes e assim opera sob o capitalismo como a tendência a criar uma taxa de lucro média. Os capitais saem de empresas e setores com uma taxa de lucro abaixo da média para aqueles acima dela. Assim, como o próprio Harman enfatiza, a função essencial da lei do valor no sistema capitalista é garantir que os recursos produtivos sejam alocados através de mecanismos objetivos, que são impostos às empresas e aos capitalistas, assim como aos trabalhadores, pelas suas costas e independentemente de sua vontade e decisões.


No entanto, a lei do valor rege apenas economias na medida em que sejam aquelas de produção generalizada de mercadorias, ou seja, aquelas em que o trabalho é basicamente trabalho privado. Nas sociedades pré-capitalistas este não é o caso. Nelas a lei do valor não é determinante, mesmo que já tenha começado a influenciar decisões econômicas. Um camponês francês do século XI, um camponês russo do século XVIII ou um camponês peruano da primeira metade do século XX não altera sua decisão de semear ou colher de acordo com a variação do preço do trigo, pela simples razão de que 95% de sua produção não é para o mercado. Nestas sociedades, o grosso dos recursos produtivos são diretamente alocados em diferentes setores por aqueles que controlam os meios de produção. Alocação direta, a priori, é o oposto de uma alocação a posteriori provocada pela lei do valor. A diferença entre esses dois métodos de alocação de recursos marca a oposição entre planejamento e mercado.


Na URSS, os investimentos essenciais não são determinados pela lei do valor. São determinados pela burocracia, principalmente a nível estatal. É uma economia planejada (o que não implica qualquer juízo de valor: uma economia pode ser planejada de forma irracional, até sem sentido) na medida em que se leva em consideração a alocação direta dos recursos. Por 70 anos, empresas “em déficit” que exigiam grandes subsídios receberam uma alocação preferencial de recursos produtivos. Estes recursos foram sistematicamente realocados de empresas ou setores “mais rentáveis”. Tal fenômeno é impensável sob o capitalismo e sob o domínio da lei do valor. Mas se a lei do valor não comanda “diretamente” a URSS, será que o faz “indiretamente” através da intermediação do mercado mundial?


Dogmaticamente, como se fosse uma verdade revelada, Cliff e Harman alegam ser este o caso. Eles não conseguem provar isso. Qualquer domínio da lei do valor “através da intermediação do mercado mundial” precisa operar pela troca, como qualquer coisa no capitalismo. Empresas que falham em competir com bens importados estão fadadas ao fracasso. Ao menos dois terços, se não mais, das empresas soviéticas não competem com empresas imperialistas. Se elas fossem submetidas à lei do valor operando “através da intermediação do mercado mundial”, seriam forçadas a fechar (como as empresas metalúrgicas mexicanas e as minas de carvão britânicas). Não há, portanto, nenhum “domínio da lei do valor” na URSS “através da intermediação do mercado mundial”.


Uma economia híbrida


Entretanto, apesar do funcionamento da economia soviética não ser dominado pela lei do valor, ela também não pode abstrair-se de sua influência. Apesar de não ser uma economia capitalista, isto é, uma economia baseada ne produção generalizada de mercadorias, também não é uma economia socialista voltada para a satisfação direta da necessidade humana, uma economia na qual o trabalho possui um caráter imediatamente social. É uma economia pós-capitalista com elementos de mercado. A sobrevivência parcial da produção de mercadorias é combinada com o domínio parcial da alocação direta de recursos produtivos.


Essa combinação é híbrida e contraditória. Implica que o destino da URSS como uma sociedade de transição entre o capitalismo e o socialismo, “congelada” no presente estágio pela ditadura burocrática, ainda não foi resolvido historicamente. Uma contrarrevolução social pode puxar a URSS de volta ao capitalismo. Uma vitoriosa revolução política anti-burocrática pode empurrá-la na direção do socialismo (não mais do que isso: socialismo em um só país é impossível, não importa quão puro, democrático, revolucionário ou internacionalista um governo baseado no poder dos trabalhadores possa ser).


Camaradas do Partido Socialista dos Trabalhadores britânico (SWP – Socialist Workers Party) acham essa noção de combinação híbrida, cuja perpetuação carece de toda certeza, essa “transição entre dois progressivos modos de produção” (para citar a célebre fórmula de Marx), difícil de aceitar e entender. Eles estão muito enganados. Estamos falando aqui de um fenômeno que ocorreu em praticamente todas as épocas, quando um determinado modo de produção entrava em seu período histórico de declínio e decadência.


Para dar apenas um exemplo: entre o declínio do modo de produção feudal e o triunfo do capitalismo, uma época de transição interveio em que a pequena produção de mercadorias dominou, estendendo-se por vários séculos. A pequena produção de mercadorias tem características próprias que não são as do feudalismo (servidão) ou do capitalismo (trabalho assalariado). A forma predominante de trabalho é o trabalho livre de pequenos proprietários ou semi-proprietários, possuindo seus próprios meios de produção.


Não estamos falando aqui de um novo modo de produção capaz de perpetuar-se automaticamente. A pequena produção é capaz de uma regressão ao feudalismo, o que de fato aconteceu em uma grande área da Europa ocidental e central do século XVI em diante, o período da “segunda servidão”. Também é capaz de mover-se em direção ao capitalismo, isto é, em direção à predominância do trabalho assalariado, o que aconteceu nos Países Baixos e na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII em diante. Mas, em ambos os casos, os pequenos produtores independentes só desapareceram pouco a pouco.


A mesma regra pode ser aplicada de certa forma ao período de transição entre capitalismo e socialismo. Ou o que resta da produção de mercadorias finalmente eliminará a maior parte da apropriação e alocação diretas do sobreproduto social – neste caso, o capitalismo será restaurado. Ou a sociedade vai jogar fora o peso morto da burocracia e assegurar a predominância da apropriação e alocação diretas dos principais recursos para a satisfação de necessidades decididas democraticamente pelas massas – neste caso, a inevitável sobrevivência de alguns mecanismos de mercado não poderá colocar um freio no genuíno progresso em direção ao socialismo. Mas, em ambos os casos, o que é específico da atual híbrida situação soviética terá largamente desaparecido.


Novamente, não é uma questão de um esquema teórico abstrato. Nosso entendimento das principais causas das específicas crises econômicas características da URSS está enraizado na realidade. Apesar da atual mistificação, do que a economia soviética sofre é ao mesmo tempo muito pouco planejamento central (planejamento democrático, que seja entendido, não planejamento burocrático) e muito pouco mercado (em todas as áreas em que, como um resultado da inadequada socialização objetiva do trabalho, a alocação direta de recursos não opera e o mercado é exigido para quebrar monopólios) [4].

A natureza despótica do planejamento desde o Primeiro Plano Quinquenal significava que ele era marcado por desproporções colossais, cujo efeito cumulativo acabou por minar até as próprias metas estabelecidas pela burocracia. Os mecanismos de mercado ou pseudo-mercado utilizados sempre careceram de um fundamento apropriado, em grande parte porque não existe um sistema unificado de preços e nenhuma moeda estável. O sistema de preços duplos é um reflexo preciso do dualismo híbrido da economia soviética [5].


A análise do camarada Cliff dá muito peso para a importância do mercado mundial para a economia soviética. Mas o mercado mundial não é um Espírito Santo desencarnado que paira sobre as nuvens para criar o mundo, como nos diz de maneira pretensiosa a bíblia. Uma das contribuições essenciais que Marx e o marxismo trouxeram às ciências sociais é a rejeição categórica de qualquer tipo de reificação das categorias econômicas. Um dos ganhos essenciais do materialismo histórico é a descoberta por detrás destas categorias de relações entre grupos sociais (classes sociais e grandes frações de classe). As conexões entre elas e o modo como lutam por seus interesses desnudam o segredo das categorias econômicas, incluindo a do mercado mundial.


A esse respeito, a teoria apresentada por Trotsky e pela Quarta Internacional, de que o destino da URSS e, portanto, de sua economia ainda não foi definitivamente decidido, baseia-se em uma compreensão precisa da luta de classes internacional no século XX. A teoria de Cliff esvazia amplamente de seu significado a interconexão entre a luta de classes internacional e o que aconteceu na URSS.


Trotsky previu em 1905-6 que o cadeia imperialista romperia primeiro na Rússia porque seu proletariado era subjetivamente mais forte do que o proletariado na Alemanha e em outros países. Objetivamente, no entanto, as condições para um avanço em direção ao socialismo eram infinitamente piores na Rússia do que na maioria dos países industrializados do mundo. Portanto, ou a vitoriosa revolução russa se juntaria a uma revolução vitoriosa em alguns desses países, caso em que o proletariado manteria o poder político; ou não [se juntaria], caso em que o proletariado russo perderia poder político.


Mas qual seria a forma precisa da contrarrevolução na Rússia? De novo, isto não depende primeira e principalmente das forças presentes no país de maneira isolada, mas na relação de forças políticas e sociais a nível mundial. A burguesia imperialista foi forte o suficiente para prevenir (ou, o que significa a mesma coisa, a liderança do proletariado era muito fraca para assegurar) a vitória da revolução na Alemanha, Áustria, Itália, Inglaterra, França e Espanha. Não estava, no entanto, em posição para esmagar o movimento operário. De maneira geral, só foi forte o bastante para esmagar o movimento operário na Alemanha e na Espanha com a vitória do fascismo, mas mesmo isso foi apenas temporário.


Além disso, a burguesia russa estava muito enfraquecida, e a burguesia internacional muito dividida, para realizar uma restauração bem sucedida do capitalismo através da guerra civil, da intervenção estrangeira ou da pressão direta por meio do mercado mundial. Em parte, este esforço foi neutralizado pela intervenção e pressão do proletariado mundial [6]. O que se seguiu como resultado foi um relativo equilíbrio mundial de forças entre as classes. Estas condições significaram que uma contrarrevolução política (Termidor) ocorreu na Rússia, mas não uma [contrarrevolução] social. O proletariado perdeu o poder político, mas não foi uma antiga ou nova classe capitalista que se beneficiou, mas, para usar a fórmula de Marx, sim funcionários que emergiram das fileiras da própria classe trabalhadora.


No longo prazo, esse relativo equilíbrio de forças entre as classes não pode perdurar. Ou a classe trabalhadora internacional vai realizar ações decisivas na direção da revolução socialista em países chaves do mundo, caso em que a restauração do capitalismo se tornará impossível na URSS; ou o proletariado mundial experimentará derrotas esmagadoras, não necessariamente na forma precisa da vitória nazista na Alemanha, mas com consequências similares, nomeadamente a eliminação por um longo período de sua capacidade de resistência e de ação coletiva e organizada. Se isso acontecer, a restauração do capitalismo na URSS é inevitável. Dada essa perspectiva, o papel da própria classe trabalhadora soviética, sua capacidade de reagir, de resistir e de se mover em direção a uma contraofensiva, será cada vez mais importante.


Chris Harman nos critica destacando um trecho de um artigo escrito em 1956, no qual afirmamos que a economia soviética crescia em um ritmo regular e que isto mostraria a sua superioridade sobre o sistema capitalista. Extrair uma única citação de um tópico que um autor escreveu há mais de 40 anos não é um jeito sério de debater. Nós poderíamos nos referir com bastante facilidade a 10 ou mais passagens em que previmos que a taxa de crescimento na economia soviética iria cair. Uma citação bastará:


A desproporção entre o desenvolvimento da indústria leve e da indústria pesada, que está por detrás da forma de administração burocrática, se tornou uma grande fraqueza no sistema econômico. Seus reflexos no desenvolvimento da indústria pesada em si... estão se tornando cada vez maiores. [7]


Então nós mudamos de opinião sobre esse assunto? Há alguma contradição em nossa análise? De modo algum. A citação e o método usados por Harman podem ser usados contra ele. Se alguém examinar a curva de crescimento real da economia soviética de 1928 em diante (exceto nos anos da investida nazista contra a URSS 1941-44), verá o seguinte: a) que o crescimento era realmente regular e ininterrupto; b) que, diferente das economias capitalistas, a URSS não experimentou nenhuma recessão e nenhuma crise de superprodução que levou a uma queda absoluta na produção, por mais de 60 anos [8]; c) que a taxa de crescimento começou a cair 20 anos atrás; d) que esta queda pode se tornar “crescimento zero”, mas que não há nenhuma “lei” que torne isso inevitável. Acontece que de fato previmos essa queda na taxa de crescimento e nossa análise da economia soviética (e da sociedade soviética) considerou perfeitamente os dois aspectos da tendência.


A explicação de Cliff, por outro lado, parte de uma confusão analítica e terminológica e se baseia em um dados estatísticos falsos. Sob o capitalismo, o chicote da competição e da luta de classes leva os capitalistas a elevarem a composição orgânica de capital. Primeiro substituem trabalho vivo por trabalho morto, isto é, por máquinas, para vender mais barato no mercado. Em seguida podem aumentar a taxa de mais-valor subjugando os trabalhadores à pressão do desemprego. A elevação da composição orgânica de capital, e a consequente tendência da queda da taxa de lucro, são consequências e não causas desse comportamento. A causa reside na natureza do próprio sistema: produção em função do lucro. Isso nos traz novamente ao capital-dinheiro, que é o ponto de partida para o ciclo de reprodução do capital e [também] seu ponto final.


Em outras palavras, sem competição entre empresas capitalistas, essa dinâmica não existiria, ou só existiria em uma escala muito limitada [9]. Marx foi explícito sobre este assunto. Escreve no volume 3 do Capital que sem competição “o fogo que mantém a produção viva” (e, a fortiori, a acumulação) seria extinto. Devemos acrescentar que Marx acreditava que o capitalismo só pode existir na forma de “vários capitais”, o que por seu turno inevitavelmente implica competição. Marx também foi bem claro sobre o fato de que competição envolve troca, de que competição só possível através da troca. Então, onde está a “troca” entre o exército soviético e os bens imperialistas?


O uso do termo “competição militar” como equivalente à competição para a realização de lucros surge de uma confusão semântica característica. Na realidade, para que “competição militar” se torne competição capitalista, é preciso que opere pelo mercado mundial. O que significaria a URSS sendo forçada a comprar armas ou máquinas necessárias para a produção de armas do estrangeiro, o que por sua vez significaria que as fábricas soviéticas produzindo essas armas ou máquinas deveriam fechar se trabalhassem com um preço de custo muito alto. Este claramente não foi o caso da URSS por 70 anos. Muito pelo contrário. Nenhuma fábrica de armas ou de máquinas para armas foi fechada, independentemente dos custos serem mais altos do que nos EUA, Alemanha ou Japão.


Tudo isso prova mais uma vez que a economia soviética não é controlada pela lei do valor. E, portanto, não se pode falar de “competição” com países capitalistas no sentido econômico marxista da palavra quando lida com a corrida armamentista.


Os números citados por Harman estão de acordo com a realidade? De modo algum. O que eles refletem são uma tentativa sistemática de camuflar a realidade da economia soviética que a burocracia realizou desde a era Stálin. Isso enganou tanto apologistas como Maurice Dobb quanto críticos como Bordiga e Cliff. O objetivo desta mistificação é disfarçar o papel essencialmente parasitário e inútil da administração burocrática.


O erro teórico que permite essa falsificação estatística é a redução da economia soviética a um sistema que possui dois ao invés de três setores (Departamento III inclui consumo não produtivo e “acumulação”, enquanto o Departamento I consiste nos meios de produção e o Departamento II nos meios de consumo consumidos pelos produtores, ou seja, consumo produtivo). Com um esquema de dois setores, consumo produtivo e não produtivo, investimentos que levam à reprodução ampliada e investimentos que não servem a nenhum objetivo econômico na reprodução são somados e misturados sem cuidados.


Segue um exemplo, escolhido deliberadamente de fora da produção armamentista. Quando uma usina siderúrgica produz barras de aço que se “acumulam” em um armazém (ou, melhor ainda, em um espaço aberto) e permanecem lá, não é possível falar de “acumulação” em nenhum sentido econômico da palavra. Usar o termo “acumulação de capital” neste exemplo iria fazer qualquer capitalista de verdade rir. Isso porque é claramente um desperdício de produção de um ponto de vista social. Também é um desperdício de produção do ponto de vista daqueles que controlam a economia.


Vamos pegar um exemplo concreto entre vários. A URSS é a maior produtora de fertilizante químico do mundo. Produz quase tanto quanto os EUA e a Europa Ocidental juntos. Isso significa uma superexpansão do Departamento I (fertilizante químico, sendo uma matéria prima, é parte do Departamento I)? De maneira alguma. Mais da metade dessa produção é perdida “em trânsito”. Ela nunca chega ao usuário e nunca é incorporada em nenhuma força de produção ou reprodução. Um produto do trabalho cujo valor de uso não é realizado não possui valor de troca. Assim afirma Marx para a produção de mercadorias. Estender essa análise a qualquer sociedade não governada pela lei do valor, dizer que é simplesmente um simples desperdício de recursos sociais, é ecoar o espírito de seu pensamento ainda mais fortemente. Tal desperdício não tem nada a ver com uma suposta “alocação dos recursos produtivos pela lei do valor” ou com qualquer impulso para “acumular capital”.


Voltaremos a esse ponto, mas e a produção de armamentos sob o capitalismo? Isso também não é produção desperdiçada de recursos produtivos? O capitalismo, que incorpora a corrida armamentista como uma característica mais ou menos permanente, não seria um capitalismo que desenvolve as forças de destruição e não as forças de produção [10]? Nossa resposta a essa objeção está em vários níveis.


Do ponto de vista da empresa capitalista individual envolvido com a produção de armas, isso não é um desperdício. Essas mercadorias encontram compradores na medida em que eles (o Estado ou comerciantes de armas) querem realizar o seu valor de uso. Então elas possuem um valor de troca que cria um lucro real. Do contrário, não seriam produzidas sob o sistema capitalista de qualquer modo.


De um ponto de vista social, não é irracional ou mesmo não humano o que a empresa capitalista individual acredita ser “útil”? Sem dúvidas. Mas isso é absolutamente característico do capitalismo. A contradição entre a racionalidade parcial e a irracionalidade global da atividade econômica é desenvolvida ao extremo [11]. O mesmo ponto pode ser feito sobre as drogas, cigarros, automóveis poluidores, fertilizantes químicos, usinas nucleares, etc.


A produção de armas é “improdutiva” do ponto de vista da economia capitalista como um todo? Isto é, não falha em aumentar a massa de mais-valor, de fonte de lucro e de capital, que é a única definição de “produtivo” do ponto de vista do capital como um todo? Não necessariamente. Quando uma massa de recursos produtivos fica ociosa, o efeito da expansão do Departamento III pode ser a mobilização desses recursos e, assim, aumentar a massa total de mais-valor e de lucros [12]. Foi claramente o que aconteceu nos Estados Unidos a partir de 1940 em diante. Seria absurdo negar que o capitalismo e, de fato, a sociedade burguesa americana, eram mais prósperos em 1944 (para não dizer em 1950) do que em 1933.


Isso significa que o capitalismo se transformou em uma “economia do desperdiço”? Apenas parcialmente. E não há nada de novo sobre isso. Marx já afirmou nos Grundrisse e no Capital que o capitalismo só pode desenvolver a produção de riqueza material minando simultaneamente outras duas fontes de riqueza: a força produtiva humana e a natureza. Durante a ascensão do capitalismo, o efeito “positivo” do crescimento superou os efeitos destrutivos. Em seu período de declínio, desde pelo menos 1914, o caso tem sido o oposto. Apesar do crescimento desde 1949 (nos EUA desde 1940) não ter sido menos real. A quantidade extra de gêneros alimentícios, têxteis, medicamentos, moradia e eletrodomésticos produzidos nos últimos 40 anos é genuína e colossal. Rotular isso como “forças de destruição” é absurdo, não materialista e não marxista.


Deveríamos concluir disso que se trata de uma questão de indiferença, do ponto de vista econômico, se a sociedade produz meios de destruição ou meios de produção? Uma conclusão como essa também não se justifica. As leis de ferro da reprodução continuam a operar em qualquer tipo de sistema de produção de mercadorias (incluindo o parcial sistema de produção de mercadorias da URSS, assim como em qualquer país em um período de transição entre capitalismo e socialismo).


Não se pode produzir trigo com gás lacrimogêneo, vestidos com tanques ou aparelhos de televisão com foguetes. As dimensões do Departamento III deverão ter repercussões nas dimensões dos Departamentos I e II. A utilização de qualquer recurso produtivo para a fabricação de armamentos implica sua retirada da produção dos meios de produção e de consumo. A produção no Departamento III, portanto, não pode se desenvolver além de certo ponto sem acabar reduzindo a produção dos outros dois Departamentos, estrangulando assim a reprodução ampliada e, consequentemente, a acumulação de capital.


O que é verdade para a sociedade capitalista é também verdade para a sociedade pré-capitalista. E na medida em que a produção de armamentos persistir (ou qualquer outra forma de desperdício em larga escala que apareça) isso também se aplicará às sociedades pós-capitalistas.


No fim, acaba inclusive bloqueando o crescimento, inclusive o crescimento do setor de armas. Isso se dá por duas razões: retira recursos vitais para o desenvolvimento dos Departamentos I e II; e aumenta a insatisfação dos produtores com o seu nível de consumo dado (mesmo que aumente de maneira modesta), de forma que a sua falta de preocupação com os resultados gerais da produção se torna cada vez maior. Sob o capitalismo, essa falta de preocupação é parcialmente neutralizada pelo medo de demissões e desemprego, algo que não desempenhou nenhum papel na URSS por mais de meio século. Em vez disso, ao lado de cada produtor, teve de se colocar um supervisor, um capataz, um policial. Por isso o tamanho enormemente inchado da “pequena” burocracia, chegando ao número de cerca de 20 milhões de pessoas, pode se calcular, desde a época de Trotsky. Daí também o crescimento colossal e permanente de gastos improdutivos: o Departamento III está mordendo o próprio rabo como a serpente lendária.


Esse mecanismo não pode ser “reformado”, como Gorbachev descobriu por conta própria. A serpente só pode ser morta pela difusão do controle estritamente público e popular por parte da classe trabalhadora e pela difusão da genuína administração por parte da classe trabalhadora em uma democracia socialista multipartidária.


Um sistema de pensamento esquemático que opera apenas com vermelho e preto e que é prisioneiro de abstrações escandalosamente simplistas é incapaz de lidar com as categorias de “transição”, “desenvolvimento desigual e combinado” e “realidade contraditória”. Em outras palavras, esse pensamento não é dialético. Infelizmente, é assim que Tony Cliff e Chris Harman pensam, pelo menos quando lidam com problemas gerais.


Além disso, há algo irracional, mesmo positivamente irresponsável, nos duros ataques dos camaradas do SWP à industrialização acelerada na URSS de 1927 em diante. Isso fica claro a olho nu para todo trabalhador, camponês e marxista dos países do Terceiro Mundo, e para todo verdadeiro internacionalista.


Todos nós somos contra o “superinvestimento”, o “gigantismo”, a “superindustrialização” stalinista e pós-stalinista, a maioria do que representa uma perda total de gastos em recursos materiais. Mas não somos contra a industrialização acelerada enquanto tal nesses países ou na Rússia, que foi a primeira a optar por ela, após a revolução de outubro. Ser contra esta industrialização significaria não apenas rejeitar todo o curso de curto e médio prazo na política econômica elaborado por Lenin, Trotsky e a Oposição de Esquerda após 1923. Acima de tudo, significaria condenar aqueles países a debaterem-se na barbárie enquanto esperam a vitória da revolução mundial. Mas quando isso iria acontecer? Depois de cinco anos? Depois de dez anos? Depois de vinte anos? Depois de trinta anos? Quem sabe? Nesse meio tempo, devemos cruzar os braços e tolerar o intolerável?


Quando falamos de barbárie intolerável não estamos exagerando. O subdesenvolvimento mata 16 milhões de crianças no terceiro mundo a cada ano. Quantas crianças morreriam por ano se o desenvolvimento ocorresse nestes países sobre a base de uma economia socializada gerida democraticamente? O Generalplan Ost do imperialismo alemão liderado pelos nazistas visava o extermínio de 100 milhões de pessoas na Europa central e oriental. Foi errado não construir as condições para uma resistência bem sucedida contra este monstruoso crime projetado, notavelmente desenvolvendo uma indústria poderosa nos Urais e além? Ao rejeitar um senso de proporção (a diferença entre a necessária industrialização acelerada e a superindustrialização desproporcional, desperdiçadora e destrutiva), o que rompe com o pensamento dialético, os camaradas do SWP se colocam em uma situação impossível com relação a seus próprios objetivos.


Suponhamos que um dia eles sejam bem sucedidos em liderar a classe trabalhadora britânica a uma tomada do poder. Que tipo de sociedade iria emergir dessa revolução vitoriosa? Uma sociedade socialista? Os camaradas do SWP se converteram subitamente à utopia reacionária do socialismo em um país? Seria uma sociedade de capitalismo de Estado por causa da “pressão da concorrência do mercado mundial”? Dificilmente o poder dos trabalhadores estaria em posição de combater essa pressão somente na Grã-Bretanha. Os seus esforços então teriam sido em vão? Seria uma sociedade socialista em virtude do fato de que a revolução britânica se espalharia imediatamente para o resto do mundo? Mas se isso não acontecesse, ou pelo menos não por algum tempo, não seria a Grã-Bretanha uma sociedade de transição entre capitalismo e socialismo em que todos os trabalhadores e comunistas/socialistas se uniriam em um esforço para proteger dos perigos da burocratização, mesmo que não pudessem eliminá-los completamente? Qual o sentido de se rejeitar hoje o conceito de que se seria forçado a aplicar amanhã? E as bases para a acumulação, produtiva e improdutiva, não teriam que ser suficientes para atender (pelo menos parcialmente) às exigências para investir a fim de satisfazer as necessidades das massas e defendê-las contra o imperialismo?


Reduzir todo esse complexo problema simplesmente à questão da “pressão do mercado mundial” não resultaria em paralisia, até mesmo suicídio, para o SWP e para qualquer revolução vitoriosa britânica? No mundo imperfeito em que vivemos, é impossível encontrar uma atitude ou agir de maneira revolucionária sem recorrer a categorias de “transição”, “programa de transição”, “reivindicações de transição” e “sociedade de transição”. A abordagem do tudo ou nada opera como uma venda nos olhos. Também inibe a ação revolucionária, por mais limitado que seja o seu efeito.


O caráter específico da burocracia soviética


De acordo com Cliff e Harman, a burocracia soviética é caracterizada pela tendência à produção excessiva dos meios de produção, a tendência à “produção em prol da produção”. A ideia a que eles se opõem (e que nos atribuem) é a afirmação de que o desenvolvimento econômico da URSS é dominado pela produção de bens de consumo (bens de luxo) para a burocracia. Nunca defendemos uma tese tão extrema. Em nenhuma sociedade (incluindo a sociedade escravagista ou feudal) o que motiva a classe ou grupo dominante – o desejo de aumentar o seu próprio consumo – explica ou esgota a dinâmica da economia como um todo.


Para preservar e estender seus privilégios, a burocracia soviética, assim como qualquer classe ou grupo dominante na história, tem que desenvolver a economia até um certo ponto. Sem fábricas de carro, 3 milhões de médios e altos burocratas não podem adquirir carros. Sem o suficiente de aço, eletricidade ou minério de ferro, a indústria automobilística não pode se desenvolver satisfatoriamente. É verdade, seria possível tentar importar esses bens. Mas isso significaria ter de exportar para obter recursos, o que significaria se submeter à lei do valor e ao mercado mundial. Nesta situação, um país subdesenvolvido continua a ser basicamente um país subdesenvolvido, incapaz tanto de se industrializar além de certo limite quanto de importar um número suficiente de carros.


Para evitar esse tipo de limitação (para escapar das limitações do mercado mundial), a burocracia soviética desenvolveu um processo de “superindustrialização” na URSS. Sem isso, não poderia ter defendido, consolidado ou ampliado seus poderes e privilégios tão espetacularmente como fez depois de 1928.


Esse é o quadro necessário para entender as lutas sócio-políticas que aconteceram na URSS nos últimos 60 anos. A luta tem sido de três frentes e não duas (“entre capital e trabalho”). Quando as profundas crises de 1928-33, 1941-44 e 1945-48 atingiram a sociedade soviética e o poder da burocracia, em todas as ocasiões a burocracia investiu simultaneamente tanto contra a burguesia quanto contra a classe trabalhadora. Fez o mesmo na Europa Oriental. Não “superexplorou a classe trabalhadora” simplesmente, ela também expropriou a burguesia. Historicamente desempenhou um papel autônomo.


O verdadeiro debate teórico gira em torno da extensão desta autonomia relativa e por quanto tempo ela pode durar. Para os defensores da teoria do “coletivismo burocrático”, essa autonomia é idêntica àquela das classes dominantes na história. Para Trotsky, assim como para nós, é muito mais limitada, em tempo e escopo. Mas isso não quer dizer que seja menos verdadeira, [é] muito mais verdadeira do que a maioria dos marxistas acreditava ser possível antes de 1927. Persistir ignorando isso hoje é se privar da explicação do que realmente aconteceu na URSS desde então.


A quarta grande crise na história da URSS burocratizada está agora se desdobrando. Está para ser visto se a luta em três frentes continua (pensamos que continuará) ou se, como muitos comentadores e tendências acreditam, a nomenklatura [burocracia] entrará de cabeça no campo da burguesia internacional e se tornará sua sócia júnior (muito júnior: veja a RDA!).


Seja como for, fins e meios devem ser claramente distinguidos nesta complexa luta social: qual é a força motriz fundamental, que meios são usados ​​para alcançar os fins escolhidos e quais são os resultados objetivos da interação entre fins e meios. E aqui somos forçados a retornar à conclusão – uma conclusão que aliás corresponde à definição de Marx – de que somente sob o chicote da competição a burguesia tem um interesse [stake] permanente e duradoura na contínua expansão da produção. Sem essa pressão constante, nenhuma classe dominante pré-capitalista mostrou esta tendência (nem, acrescentaríamos, a casta burocrática na URSS).


Enquanto a escassez de bens de consumo os mantinha sedentos por mais, os burocratas eram fanáticos por acumulação, por “produção em prol da produção” e por “progresso tecnológico” (como seções da burocracia média, em sua obsessão pelo estilo de vida americano “yuppie”, ainda são hoje). Mas assim que a burocracia como um todo alcançou um nível satisfatório de consumo (“quando o socialismo foi alcançado em seu benefício”), essa sede começou a desaparecer. O “fanatismo produtivista” diminuiu. Uma etapa que o ex-primeiro-ministro stalinista húngaro, Hegedus, chamou corretamente de “irresponsabilidade generalizada” se instalou.


Isso também explica por que os gerentes soviéticos, diferentemente de seus equivalentes capitalistas, cedem quase sempre e quase automaticamente às demandas salariais no local de trabalho: nenhuma pressão de concorrência os obriga a “extrair o máximo de mais-valor” dos trabalhadores. A única pressão que eles sofrem é “evitar problemas” quando se trata de cumprir o plano. É para provocar uma mudança completa na atitude deles que Gorbachev e seu tipo têm tentado introduzir todas as mudanças tecnocráticas da perestroika. No entanto, como os apoiadores mais consistentes da perestroika e da “liberalização econômica”, de ambos os lados, oriente e ocidente, entendeu-se claramente que a “reforma estrutural” radical não pode ser realizada sem um retorno massivo à propriedade privada.


Sem a concorrência e o impulso para a acumulação privada que ela desencadeia, o comportamento dos burocratas no Leste nunca será, em essência, como o dos chefes capitalistas. Na melhor das hipóteses, eles irão agir como gângsteres tentando legalizar o roubo e a extorsão (“tentando se legitimar”). E se embarcarem em toda a privatização, o que significaria tornar dezenas de milhões de pessoas desempregadas na URSS, terão que quebrar a resistência da classe trabalhadora.


Isso prova que uma verdadeira “luta de três frentes” ainda está presente na URSS. Prova que, a despeito de tudo, trabalhadores ainda têm dois “ganhos” da revolução de outubro para defender: mais de meio século de pleno emprego ininterrupto (o que nunca existiu em qualquer sociedade capitalista e nunca vai existir); e a abolição da propriedade privada na produção de larga escala, sem a qual o pleno emprego nunca seria atingido.


Ao definir de forma dogmática e não realista a burocracia como uma “classe capitalista”, os camaradas do SWP são incapazes de apreender o que há de específico sobre a burocracia soviética. A burocracia se difere da classe burguesa, na verdade de todas as classes dominantes na história, em virtude do fato de que a renda dessas classes (sua parcela do produto social) é variável, enquanto a dos burocratas é fixa. Os lucros anuais da burguesia dependem das flutuações anuais do lucro e da produção. A renda feudal anual dependia da flutuação anual das colheitas. A renda anual do (ou da) burocrata depende da sua posição na hierarquia. Se tal posição não mudar, o rendimento também não muda, exceto marginalmente.


Daí o conservadorismo, a inércia e a “irresponsabilidade” da burocracia em flagrante contraste com o comportamento do empresário capitalista. Este se comporta de maneira diferente não porque ele é “mais agressivo” ou “mais racional”, “melhor” ou “pior” do que o burocrata, ou mais “individualista”. Ele o faz porque a concorrência capitalista significa que a luta pela distribuição da massa de mais-valor e de lucro nunca é eliminada, o que significa que sua parte nunca pode ser garantida. Se o burguês escorregar no caminho do “progresso tecnológico” ou da “organização do trabalho”, a consequência inevitável será uma queda da sua parte [na distribuição], se não a falência.


Nada do que a glasnost revelou sobre a realidade da economia soviética foi esclarecido pelos mitos do “capitalismo de Estado”, mitos que são apenas o reverso da invenção [coin] stalinista a respeito das “aquisições da industrialização socialista”. Tudo pode ser explicado à luz da análise feita por Trotsky e pela Quarta Internacional da sociedade e economia soviética, e da análise subjacente da natureza específica da burocracia soviética.


Harman alega que em nenhum momento da história uma seção da classe produtora esteve envolvida na “máxima extração de trabalho excedente” dos próprios produtores. Sem dúvidas, a burocracia soviética é um fenômeno histórico sem precedentes. Mas a revolução de outubro e a criação do estado operário russo isolado também foram um fenômeno novo, sem precedente histórico (a Comuna de Paris durou apenas alguns poucos meses). Pessoas com uma mentalidade científica e não-dogmática não devem se surpreender se um novo desenvolvimento histórico gerar subprodutos novos e inesperados.


Vamos nos voltar para a questão da “máxima extração de trabalho excedente”. A proporção do consumo da classe trabalhadora na URSS é muito maior do que no Brasil, para dar apenas um exemplo de um país envolvido em uma industrialização acelerada (não a do consumo da classe trabalhadora e da classe média considerados juntos: as classes médias consomem dez vezes mais que os trabalhadores e representam 20% da população).


Vamos fazer uma analogia simples (que não quer dizer que seja idêntica, apenas análoga). Para qualquer socialista ou sindicalista em 1848 ou 1890, a ideia de líderes partidários socialistas ou líderes sindicais reacionários atuando para aumentar objetivamente a “extração de trabalho excedente dos produtores” teria parecido literalmente impensável. No entanto, foi o que os líderes social-democratas fizeram desde 1914 e um bom número de líderes sindicais desde antes dessa data. Deveríamos, portanto, recusar-nos a chamar os partidos social-democratas de partidos operários? Eles se tornaram partidos burgueses, idênticos aos conservadores e aos liberais? É possível se envolver em políticas de classe na Europa ou no Japão sem ter que defender esses partidos contra as tentativas da burguesia de enfraquecê-los ou mesmo de esmagá-los periodicamente?


Os sindicatos de massa sob a liderança de reformistas traidores devem ser considerados sindicatos amarelos de patrões? A ultraesquerda defendeu por muito tempo esta ideia absurda, que os camaradas do SWP rejeitam no que diz respeito à Grã-Bretanha. Mas, se é concebível defender o SPD [alemão] contra o fascismo, apesar de ser liderado pelos Noskes, os assassinos de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, por que é “inconcebível” defender a URSS contra o imperialismo?


Chris Harman alega que dois argumentos que apresentamos sucessivamente sobre a burocracia são mutuamente incompatíveis. O primeiro é que a burocracia não é uma classe dominante; o segundo é que ela controla e distribui a maior parte do excedente social na URSS. Mas esta incompatibilidade, contudo, reflete novamente uma maneira formalista, esquemática e simplisticamente dogmática de pensar.


Houve muitos casos na história em que poderosas camadas sociais controlaram e distribuíram o grosso do excedente apesar de não serem a classe dominante. Ser classe dominante envolve se apropriar do excedente, o que não necessariamente significa o mesmo que controlá-lo e distribuí-lo. Os mandarins no auge do Império Chinês e a burocracia imperial no final do Império Romano estavam em geral no controle da centralização e distribuição do excedente social. Mas eles não eram a classe dominante nessas duas sociedades, porque eles não se apropriavam da maior parte do excedente. Ao final do terceiro Reich, a burocracia militar nazista certamente controlou a distribuição do que era produzido socialmente. Mas não era em nenhum sentido a classe dominante, tendo em vista que o grosso do excedente social continuava sendo apropriado pela classe capitalista. Os eventos que se seguiram mostraram quem mandava e quem, apesar da aparência de onipotência, só seguia ordens.


Eventos futuros também demonstrarão que a burocracia soviética só poderá se tornar uma classe dominante ao se apropriar do excedente social e dos meios de produção, ou seja, transformando-se em capitalistas “antiquados” que possuem um bom pedaço dos meios de produção de larga escala.


Um medo que se mostrou infundado


Quando decidiu romper com a interpretação da sociedade soviética formulada por Trotsky e defendida pela Quarta Internacional, Tony Cliff previu que aqueles que continuavam a chamar a URSS de um Estado operário burocraticamente degenerado seriam levados a capitular ao stalinismo, em especial ficando ao lado da burocracia contra os trabalhadores em revolta (aliás, lembremos que, desde a morte de Stalin, se não a partir de 1948, nós previmos tais revoltas).


Eventos subsequentes provaram que esta previsão [de Cliff] era infundada. Nem a Quarta Internacional, ou qualquer de suas sessões, nem qualquer de suas lideranças, se posicionou em qualquer ocasião “ao lado da burocracia contra as massas em revolta”. Todos nós demos 100% de apoio ao levante de trabalhadores na RDA em 1953, à revolução húngara de 1956, às lutas dos trabalhadores poloneses no mesmo ano, à resistência da Primavera de Praga em 1968-69 contra a invasão soviética, à ascensão do Solidarnosc em 1980-81 e à subsequente luta contra o golpe militar de Jaruzelski na Polônia, e às revoltas na China e na Europa Oriental em 1989.


Chris Harman reconhece isso, aliás. Embaraçado, ele volta a afirmar que, no entanto, nós talvez tenhamos expressado uma “preferência” pelo método de reforma estilo Gomulka em 1956, ao invés do da revolução húngara. Isso é calúnia. Harman não conseguirá achar uma simples citação para sustentar a sua acusação. Nós fomos apoiadores de uma revolução política – uma revolução envolvendo ação de massa independente e auto-organização em larga escala – desde que começamos a tomar parte nos debates de “natureza da URSS” (isto é, desde 1945-6), e continuamos assim. Nós nunca mudamos um centímetro desta posição. Mas a realidade das lutas política de massa na URSS, no Leste Europeu e em sociedades semelhantes não pode ser reduzida a lutas entre as massas e a burocracia.


Na URSS, Leste Europeu, China, Cuba e Nicarágua, as lutas dos últimos 50 anos também ocorreram entre, por um lado, esses Estados e as massas desses países e, por outro, as potências imperialistas. A teoria do capitalismo de Estado não tem sido nenhum tipo de guia nesses conflitos, para dizer o mínimo. Sua lógica interna levaria necessariamente a ver a maioria desses conflitos como interimperialistas e adotar uma posição abstencionista, uma posição de “terceiro campo” (que é o que Cliff adotou na Guerra da Coreia e o que pelo menos alguns de seus seguidores estavam tentados a fazer no conflito da Baia dos Porcos). É verdade que durante a Guerra do Vietnã ele adotou uma posição mais correta, mas em flagrante contradição com a teoria do “capitalismo de Estado”.


Nesses conflitos, as massas populares desses países, a começar pelos trabalhadores, não permaneceram neutras. Elas se posicionaram contra o imperialismo, a despeito de seu ódio contra Stalin e seus herdeiros. Na prática, aplicou a linha de defesa militar da URSS (e de outros Estados operários burocratizados) de Trotsky contra o imperialismo. Fizeram isso na URSS, Iugoslávia, China, Vietnã, Cuba e na Nicarágua. Nesses confrontos, que envolveram dezenas de milhões de trabalhadores, a atitude adotada pelos poucos seguidores da teoria do “capitalismo de Estado” foi na melhor das hipóteses confusa e contraditória, e na pior contrarrevolucionária. Se os trabalhadores soviéticos tivessem tido a infelicidade de seguir esses guias equivocados, nenhum de nós estaria vivo hoje e nenhuma organização independente de trabalhadores existiria na Europa, se não em outros continentes. O triunfo da barbárie nazista as teria destruído.


O círculo vicioso do sectarismo


A tendência liderada por Tony Cliff (da qual vem o SWP) tem visto como sua principal tarefa, desde o seu nascimento, espalhar a teoria do “capitalismo de Estado”. Esta é a marca característica de uma seita tal como definida por Marx: para justificar a sua existência, ela constrói um lema [shibboleth] a partir de uma doutrina específica e subordina sua atividade à defesa deste lema.


Esse desvio sectário tem a sua própria lógica, da qual é quase impossível escapar. Na própria Grã-Bretanha, os camaradas do SWP foram parcialmente protegidos dos piores pecados do sectarismo por causa das suas reais raízes na classe trabalhadora e por causa do tamanho da sua organização: qualquer tipo de comportamento irresponsável é impossível quando se age sob o olhar crítico de milhares. Mas, mesmo na Grã-Bretanha, o estado de espírito sectário prejudicou e continua a prejudicar o SWP, particularmente na sua abordagem dos movimentos de massa que considera “não proletários” e que alcunha negligentemente de “pequeno burgueses”. Isto deriva da mesma incapacidade de apreender a noção de desenvolvimento combinado que emerge como um fenômeno transitório, particularmente na esfera da consciência de classe. É a mesma atitude de “tudo ou nada” que está no cerne da teoria do “capitalismo de Estado”.


O sectarismo prejudicou especialmente o trabalho internacional do SWP de outra forma. A teoria do capitalismo de Estado significa que ele é incapaz de apreender a dinâmica plenamente progressiva dos movimentos de massa anti-imperialistas no Terceiro Mundo. De acordo com tal teoria, esses movimentos só podem levar no fim das contas à criação de novos Estados “capitalistas de Estado”. Sua dinâmica é puramente “nacionalista”. Toda a estratégia da revolução permanente – apoio total às lutas anti-imperialistas enquanto se luta pela independência de classe política do proletariado; luta pela hegemonia proletária dentro do movimento; batalhar para garantir que, resolvendo suas tarefas nacional-democráticas, a revolução cresça na direção de começar a resolver suas tarefas socialista-proletárias – é de fato rejeitada ou minimizada pela liderança do SWP.


Em outros países imperialistas além da Grã-Bretanha, os seguidores do SWP se contentam principalmente com formar grupelhos para propagar a teoria do capitalismo de Estado, que são incapazes, mesmo que por seu pequeno tamanho, de intervir na verdadeira luta de classes. Os interesses sectários têm precedência sobre os interesses de classe. O mesmo se aplica aos estados do Leste Europeu, que estão em completa agitação social e política. No Manifesto Comunista, Marx e Engels forneceram a definição clássica do que os comunistas devem fazer:


Eles não têm interesses separados e à parte daqueles do proletário como um todo.

Eles não estabelecem quaisquer princípios especiais [na edição inglesa de 1888 Engels preferiu inserir “princípios sectários” – Ernest Mandel] próprios, para modelar e moldar o movimento proletário.

Os comunistas se distinguem dos outros partidos da classe trabalhadora somente pelo seguinte: 1. Nas lutas nacionais dos proletários de diferentes países, eles apontam e trazem à frente os interesses comuns de todo o proletariado, independentemente de toda a nacionalidade; 2. Nos vários estágios de desenvolvimento que a luta da classe trabalhadora contra a burguesia deve atravessar, eles sempre e em toda parte representam os interesses do movimento como um todo.

Os comunistas, portanto, são, por um lado, na prática, a seção mais avançada e resoluta dos partidos da classe trabalhadora de todos os países, aquela seção que empurra todas os outros; por outro lado, na teoria, eles têm sobre a grande massa do proletariado a vantagem de entender claramente o ritmo de marcha, as condições e os resultados gerais finais do movimento proletário.


O SWP não difere da Quarta Internacional quando se trata de “entender a linha de marcha, as condições e os resultados gerais finais do movimento proletário” no Leste Europeu e na URSS: o proletariado se organizar para conquistar o poder através de sovietes multipartidários democraticamente eleitos, com a perspectiva de construir uma sociedade sem classes internacionalmente.


Mas os seguidores do SWP não chegam à conclusão óbvia de que uma organização separada de limites estatais é injustificada nesses países do Leste Europeu. Não veem que a tarefa de qualquer revolucionário lá seja ajudar trabalhadores avançados e intelectuais na sua batalha em duas frentes, contra a burocracia e contra as forças restauracionistas. Ao invés de defender os interesses do proletariado como um todo, que exige acima de tudo a (re)criação da independência de classe (o que não é fácil), os seguidores do SWP concentram-se em provocar uma distinção artificial com todas as outras correntes revolucionárias – uma distinção baseada exclusivamente na aceitação do dogma do “capitalismo de Estado”, seu lema sectário.


Isto só ajuda a reforçar a imagem dos marxistas revolucionários como dogmáticos escolásticos, como “divisores” sem esperança, que primeiro os stalinistas e depois os neo-stalinistas e neo-social-democratas disseminaram sistematicamente nesses países para desacreditar os marxistas revolucionários (e cada vez mais, atualmente, o próprio marxismo). Essa imagem é contraproducente. Isso enfraquece as possibilidades reais que os marxistas têm nesses países, não para fundar seitas, mas para se tornarem o principal polo de atração da esquerda militante dentro do movimento operário na medida em que este se reconstrói.


Felizmente, o efeito negativo disso permanecerá limitado, tanto por causa da força teórica, política e organizacional que a Quarta Internacional já conquistou (sua influência lá é real de uma maneira que a do SWP não é), e por causa da compreensão e experiência que as melhores forças locais que surgiram nesses países acumularam progressivamente sobre o papel desempenhado pelo SWP ilustrar claramente as repercussões negativas do sectarismo.


Esse sectarismo tornou o SWP incapaz de progredir na direção da construção de uma organização internacional. As seitas só podem se conectar com mini seitas que elas controlam de perto. Organizacionalmente, seu sectarismo os impede de se relacionar com forças [bodies] revolucionárias substanciais e autônomas em um número importante de países. Politicamente, isso ocorre porque eles não conseguem entender o processo real da luta de massas na maioria dos países do mundo. O SWP é essencialmente, então, uma organização nacional-comunista, que é forçada a ludibriar seus membros tentando criar grupelhos em alguns países.


Após 40 anos de experiência, nosso registro a este respeito não pode ser criticado. A Quarta Internacional existe de verdade como a única organização mundial. É claro que ainda é pequena, muito pequena, e está longe de ser a internacional revolucionária de massas para o que está trabalhando e da qual constituirá apenas um elemento. No entanto, é muito mais forte do que em 1938 ou em 1948, tanto em número quanto em enraizamento no local de trabalho e sindicatos, e em termos geográficos. Existe em cerca de 50 países. Algumas de suas seções e organizações simpatizantes desempenham um papel real no movimento dos trabalhadores e no movimento de massas em seus respectivos países, o que é reconhecido por todos. Ela age e continuará a agir de maneira não-sectária, com base no exposto acima no Manifesto Comunista.


Pode fazê-lo porque representa a única corrente no movimento operário internacional que assume a defesa incondicional e intransigente dos interesses dos trabalhadores e dos oprimidos nos três setores da revolução mundial – os países imperialistas, os países sob ditaduras burocráticas e os assim chamados países do Terceiro Mundo – sem subordinar essa defesa a supostas “prioridades”. É isso que permite a construção ao mesmo tempo de organizações revolucionárias nacionais e de uma organização revolucionária internacional. A esse respeito, uma compreensão – baseada na teoria da revolução permanente, na análise trotskista do stalinismo, no Programa de transição e na “dialética dos três setores da revolução mundial”, do que aconteceu e está acontecendo na URSS, no Terceiro Mundo e no movimento operário organizado nos países imperialistas – mostrou-se operacional e eficaz.


– 1990


Notas

1. Bordiga, que apresentou uma variante diferente da de Cliff sobre o “capitalismo de Estado” na URSS, previu que uma crise geral de superprodução ocorreria naquele país. Ele chegou até a anunciar o ano exato em que isso aconteceria. O ano chegou e já se foi há muito. A crise geral de superprodução na URSS ainda é aguardada...

2. Os camaradas do SWP não previram as crises de superprodução de 1974-75 e 1980-82. Nós a previmos quase no ano em que eclodiram.

3. Outra questão é saber quanto tempo é necessário para que o processo tenha alguma chance de se completar.

4. Veja a declaração perfeitamente clara de Trotsky em A economia soviética em perigo [The Soviet Economy in Danger] (1932): https://www.marxists.org/archive/trotsky/1932/10/sovecon.htm

5. Seria melhor acrescentar, o sistema de preços triplo ou quádruplo, porque os preços do mercado negro e os “preços” (vantagens comparativas) do “mercado cinza” (troca de serviços) devem ser considerados.

6. Além disso, deve ser incluída a crescente importância dos movimentos de massa de libertação nos países coloniais e semicoloniais, de 1925 a 1928 em diante.

7. Escrito em 1960, Teoria econômica marxista [Marxist Economic Theory] (primeira edição, Merlin Press), p. 598: “Ao mesmo tempo, as taxas de expansão industrial tiveram de ser reduzidas”, ibid. (segunda edição, 1969).

8. Aganbegyan alega que houve um ano de declínio absoluto na produção sob Brejnev. Isso é contestado por qualquer outra fonte.

9. Monopólios completos e permanentes são impossíveis sob o capitalismo. A própria divergência entre suas taxas de lucro e as de outros ramos inevitavelmente atrai capital para o setor que foi monopolizado.

10. Os lambertistas acreditam nisso.

11. Dedicamos um capítulo inteiro em O capitalismo tardio para o desenvolvimento dessa ideia.

12. Este é o “núcleo racional” das teorias keynesianas e neokeynesianas, que em todos os outros aspectos estão erradas.

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