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Rosa Luxemburgo – revolucionária e teórica do marxismo (François Vercammen)


Rosa Luxemburgo – revolucionária e teórica do marxismo

François Vercammen

Tradução de Marcela Galdino

Revisão de Pedro Barbosa



Rosa Luxemburgo é uma das teóricas mais brilhantes do marxismo. Ela foi igualmente uma das únicas mulheres a ter adquirido legitimidade militante na II Internacional, onde o patriarcado era – mais do que hoje em dia – amplamente dominante. Suas capacidades analíticas excepcionais foram, por ela, colocadas sem modéstia ao serviço do movimento operário, no seio do qual ela militou com todas as suas forças. Foi uma personalidade independente, que não hesitava em polemizar com a ala reformista do partido e dos sindicatos (na Alemanha). Ela conduzia também o debate no interior da esquerda revolucionária, especialmente com Lenin, com quem ela discutia a concepção de partido (1902-1904), ou sobre o direito à autodeterminação dos povos e a democracia no Estado soviético (1918). Rosa Luxemburgo é uma figura trágica. Porque foi brutalmente assassinada (15 de janeiro de 1919) graças ao chamado da social democracia para se “restabelecer a ordem em Berlim”. E sobretudo, porque seu assassinato ocorreu quando ela assumia, após 1915, o papel de dirigente do partido na nova Liga Espartaquista que, como Rosa, não acumulou forças suficientes para abordar a situação revolucionária.


Rosa Luxemburgo nasceu em março de 1871 em Zamosc, na parte da Polônia então ocupada pela Rússia. Ela era da mesma geração que Lenin (1870; Trotsky nasceu em 1879). Passou sua juventude em Varsóvia. Aos 16 anos, Rosa integrou o grupo marxista-revolucionário “Partido do Proletariado”. A polícia a localizou rapidamente, e ela se exilou na Suíça. Lá, ela estudou matemática e ciências, depois direito e economia política. Ela apresentou uma tese de doutorado sobre o “Desenvolvimento econômico da Polônia” (março 1897) [1].


No mesmo ano, ela participa do Congresso da II Internacional em Paris, na condição de delegada polonesa. No ano seguinte, foi uma das fundadoras do SDPKiL (partido social-democrata da Polônia e Lituânia). Este que era espontaneamente muito próximo e por vezes organicamente ligado ao partido de Lenin, Trotsky, Plekhanov, etc (o SDAP da Rússia).


Em 1897-1898, uma virada importante aconteceu na sua vida. Graças a um casamento por conveniência ela obtém sua nacionalidade alemã, o que a permite fazer parte da vida da “potente” social-democracia alemã (SPD). Ela continuou estreitamente ligada à luta de classes revolucionária na Polônia e na Rússia: formalmente ela sempre foi membra do SDPKiL, onde seu amigo Leo Jogiches desempenhava um papel central.


1905 foi uma virada na história do século e do movimento operário. Rosa Luxemburgo vai a Varsóvia para participar da Revolução Russa. Ela intervém também no partido russo, especialmente no Congresso de Londres (1907), onde todas as questões estratégicas são colocadas na mesa.


Mas o centro de gravidade da sua atividade militante foi dali em diante a Alemanha. Graças ao seu talento, ela se integra rapidamente ao núcleo dirigente do SPD, com Karl e sobretudo Louise Kautsky, o presidente incontestável August Bebel, o historiador [Franz] Mehring e a feminista Clara Zektin. Sem fazer parte da direção, ela estava no primeiro plano nos debates intelectuais, políticos estratégicos durante os congressos nacionais e internacionais. E ela militava como pedagoga (na escola do partido), publicista (brochuras, artigos e livros), propagandista e agitadora: numa série de encontros que impressionavam, ela denunciava o militarismo crescente e os preparativos de guerra, defendia uma virada radical na estratégia operária: a greve geral como meio de transformar a Prússia em uma república democrática, o que evitaria a guerra mundial e prepararia a tomada do poder. Sua polêmica dos anos 1898 contra o “revisionismo” de Bernstein (aluno e secretário de Friedrich Engels, que morreu em 1895) é notável por sua profundidade intelectual e sua preocupação militante (artigos reunidos sob o título “Reforma social ou revolução?”).


Em um panfleto apaixonante e inovador, “Greve de massas, partido e sindicato” (1906), ela tirou as conclusões analíticas e estratégicas da revolução russa de 1905 (desmantelada em dezembro de 1905). Seu principal objetivo é convencer o SPD a mudar de estratégia. Para tanto, ela enfrenta a fração parlamentar do partido e a burocracia sindical que se reconciliaram, de fato, com o capitalismo alemão e o Estado prussiano. O combate é impiedoso, e desembocará na catástrofe de 1914: o SPD votaria a favor dos créditos de guerra. Todas as seções da II Internacional fizeram o mesmo, cada uma em seu país: os trabalhadores atirarão em trabalhadores, os socialistas em socialistas!


Rosa Luxemburgo se levanta ao primeiro plano na luta contra a guerra. É a consequência lógica de seu combate antimilitarista. É esta batalha que a faz ser aprisionada várias vezes pelo militarismo prussiano por “chamado à rebelião”, “chamado à desobediência dos soldados” e “desacato ao imperador” (1904, 1906, 1915). Na prisão, ela escreve uma das melhores análises marxistas sobre as guerras: “A crise da social-democracia” (sob o pseudônimo Junius). “Proletários de todos os países, unam-se na paz, mas degolem-se em tempos de guerra!”. A Europa é um campo de ruínas, e o movimento operário também.


Isolados e desprevenidos, Luxemburgo, Liebknecht, Zetkin e Mehring decidem finalmente se organizar. Em dezembro de 1914, Liebknecht vota contra os novos créditos de guerra do imperador. Em abril de 1915, eles lançam seu jornal “A International” (5.000 exemplares em Berlim). Rosa era a alma e o eixo operário da redação. Ela analisava as causas e as responsabilidades da guerra mundial. A resposta central de Rosa é: é necessário uma nova Internacional. Esta que será fundada após sua morte (1919). No entanto, ela participou plenamente das conferências preparatórias de Zimmerwald (1915) e de Kienthal (1916).


É na prisão que lhe chega a notícia da revolução russa: em fevereiro a queda do Czar, em novembro a derrota do capitalismo. Ela segue e comenta os eventos com paixão numa série de artigos. Não sem apreensão: Lenin e Trotsky aguentarão? A classe trabalhadora ocidental seguirá o exemplo? Seu principal temor é e restará a ser o atraso cultural da Rússia, e a importância do campesinato. Com essa ideia em mente, ela escreverá na prisão “A Revolução Russa” (publicado após sua morte), texto marcado por um apoio entusiasta aos bolcheviques e uma critica afiada de certos aspectos de sua política (com relação aos camponeses, ao nacionalismo e à assembleia constituinte).


Em novembro de 1918, com a Revolução Alemã, ela é libertada. Assim como a revolução russa, o levante alemão é caracterizado pelo papel democrático desempenhado pelas assembleias de soldados e operários. É uma revolução sem direção. O partido de oposição mais importante é o USPD (partido social-democrata alemão independente). Sua base é composta por operários da indústria; ele domina os conselhos. Sua direção reúne pacifistas, reformistas e semi-revolucionários. A Liga Espartaquista fez parte dele num primeiro momento, antes de assumir uma forma autônoma. Durante o congresso de fundação (29 dezembro 1918 – janeiro 1919), Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht tentaram com determinação fornecer uma orientação a esse grupo marginal e ainda pouco coerente, composto por militantes dedicados.


A confusão política prejudica ainda a reflexão sobre as tarefas políticas elementares do momento (papel dos sindicatos, participação nas eleições parlamentares, tipo de organização). Rosa apresenta um relatório política “O que quer a Liga Espartaquista?”. Mas a primeira onda da revolução alemã já havia passado. É o momento em que o governo social-democrata decidia assassinar Rosa e Karl (além de centenas de militantes operários), em 15 de janeiro de 1919.


O pensamento e a ação de Rosa Luxemburgo


A amplitude de suas elaborações marxistas e de suas atividades popularizaram Rosa entre correntes políticas muito distintas: sua insistência na democracia política agrada os social-democratas de esquerda e (quando convém) de direita; sua defesa da espontaneidade das massas atrai diferentes correntes anarquistas e anarco-sindicalistas; alguns pensadores e movimentos cristãos reivindicam seu antimilitarismo; as “correntes quentes” da filosofia marxista (cf. Ernst Bloch) se apegam ao seu humanismo e à sua análise da civilização; e os leninistas (trotskistas) reconhecem nela a militante revolucionária que foi a figura de proa do internacionalismo socialista. Apenas Stálin e seus discípulos sempre tiveram dificuldades com Rosa: a democracia, a luta espontânea e a auto-organização, o humanismo e a revolução não figuram entre as suas palavras de ordem!


Paradoxalmente, Rosa não é muito discutida (exceto na “nova” Alemanha). Os modernistas da direita que querem destruir o marxismo desde a raiz “esqueceram” Rosa. As feministas têm atacado bastante Marx, Engels e Lenin, mas não Rosa. Na esquerda revolucionária, a crítica de algumas de suas opiniões é encoberta pelos ganhos que ela deixou “em outros lugares”. “Esquecida” por uns, “poupada” por outros? Tudo pede, na realidade, uma rediscussão da obra de Rosa Luxemburgo, indispensável para o desenvolvimento de um marxismo crítico.


O debate sobre o revisionismo


Em 1898, Eduard Bernstein, um membro muito importante do SPD, que tinha sido secretário de Friedrich Engels publicou uma série de artigos que agitou muitas ideias. Ele advogava abertamente por uma estratégia reformista. Ele rejeita a acusação de que havia “renunciado à conquista do poder político pelo proletariado politicamente e economicamente organizado”. Sua tese é que “a principal tarefa da social-democracia é a luta pelos direitos políticos dos trabalhadores, a vigilância dos trabalhadores nas cidades e nas vilas com relação a seus interesses de classe e a organização econômica dos trabalhadores” (p. 38). E Bernstein repete sua célebre frase: “o movimento (operário) é tudo, o objetivo final do socialismo não é nada”. Então: precisamos de lentas reformas, ao invés de uma revolução.


Rosa o responde com uma frase que também se tornou conhecida: “Este que se pronuncia pelo via legal das reformas no lugar da conquista do poder politico, da revolução social, escolhe, na verdade, não a via mais calma, mais segura e mais lenta na direção do mesmo objetivo, mas sim um objetivo completamente diferente: ao invés da realização de um novo regime social, mudanças insignificantes do antigo regime” (“Reforma social ou revolução?”).


Cem anos mais tarde, o veredito é claro: Rosa tinha razão. No entanto, isso não estava evidente no final do século XIX. Bernstein embasa seu revisionismo em largos desenvolvimentos, extraindo argumentos da história, da economia, das estatísticas, da sociologia e da filosofia (Hegel e Kant!). Suas “Condições para o socialismo e a tarefa da social democracia” são um trabalho sério. Sobretudo porque ele aponta claramente o desenvolvimento real de um capitalismo industrial em plena expansão, e um movimento operário que não conseguia mais imaginar como uma revolução socialista poderia acontecer em um país ocidental. Bernstein proclama que três elementos estão a favor de sua tese: o desenvolvimento econômico não levará à agonia do capitalismo; as contradições de classe se amenizam ao invés de se agudizarem; as reformas poderão se apoiar sobre o fortalecimento do movimento operário (eleitores e parlamentares, sindicatos). Bernstein pleiteia abertamente por uma revisão dos “erros e contradições na doutrina de Marx e Engels”.


O folheto de Rosa (1899) responde sistematicamente a seus argumentos. É um dos textos mais importantes do marxismo clássico. Ela é obrigada a discutir a fundo o marxismo prático na II Internacional. Isso por duas razões. Em primeiro lugar, o capitalismo mudou muito depois de Marx e uma nova análise se impõe. Por outro lado, os instrumentos analíticos que Marx forjou foram esquematizados por razões pedagógicas e propagandistas: Rosa rebate tais instrumentos a partir do próprio Marx.


Desta polêmica, podemos tirar três lições fundamentais. 1º Reformas e democracia não são contraditórias com a revolução. 2° A politica e a ideologia encontram seus fundamentos nas relações sociais materiais. 3° Essas relações se transformam devido às suas próprias contradições. O conflito social é, portanto, um dado objetivo, independente dos objetivos que se coloquem reformistas e revolucionários.


Greve geral e revolução


A tomada do poder politico pelo proletariado continua sendo necessária, segundo Rosa e Bernstein. Mas à época os reformistas pareciam fazer mais sucesso do que os revolucionários. A influencia ideológica dos primeiros se reforça. Na verdade, desde a Comuna de Paris (1871), nenhum grande confronto revolucionário ocorreu na Europa. F. Engels tratou desse problema no fim do seu “Prefácio” de 1895 a “A luta de classes na França”, de Marx. Ele dizia, em suma: não estamos desistindo do levante revolucionário, mas as condições sociais e militares se modificaram, a classe trabalhadora se fortalece e suas organizações também. Consequentemente, não deve haver uma confrontação prematura com o Estado. Pelo contrário: se essa evolução continuar, o poder político estará ao nosso alcance. “É claro que não renunciamos à insurreição revolucionária”, escreveu Engels – uma frase que a liderança do SPD censura.


A social democracia alemã brilha por suas qualidades de organização. Ela é o exemplo e a ponta de lança da II Internacional. Os marxistas-revolucionários como Rosa não tem exemplos (somente hipóteses) para concretizar seus conceitos e torná-los vivos. Isto porque, dentre os revolucionários da época, era o “modelo” de 1848 e 1870 que prevalecia: o golpe de estado politico de uma pequena minoria bem organizada que agia no lugar das massas (o blanquismo). E o que, por outro lado, convencia a “nova” classe operária da época era a concepção da greve geral propagada pelo anarco-sindicalismo: fortaleçamos os sindicatos e assim que todos os trabalhadores estiverem organizados, paremos de trabalhar em um determinado momento (“a Grande Noite”) e venceremos os patrões: assim desaparecerá o capitalismo.


A revolução russa de 1905 agita esses dois modelos. Em primeiro lugar, foi, para a época, a maior greve geral da história. Seu impacto foi enorme. A principio na Rússia, onde a revolução estava na ordem do dia. Depois, na Europa ocidental, onde a greve geral demonstrava a potência social de uma classe trabalhadora de massa dentro das indústrias. O marxismo de Rosa Luxemburgo estava completamente pronto para integrar esses novos desenvolvimentos. O resultado se encontra em uma obra apaixonante: “Greve de massas, partido e sindicato” (1906). Rosa Luxemburgo desata os fios estratégicos dos quatro principais nós do movimento operário: politica e sindicalismo, ação parlamentar e extraparlamentar, organização e espontaneidade, organização de massa com tomada de consciência gradual e ação da minoria organizada que atrai as massas para a ação.


A conclusão crucial de Rosa era que a greve geral não é “provocada” por uma vanguarda radical; ela não é mais preparada de A a Z por uma organização potente. Ela explode espontaneamente, sob o impacto das contradições sociais. Rosa escreveu isso sob a forma de um belíssimo paradoxo: “A greve geral não leva à revolução, é a revolução que leva à greve geral”. Cabe ao partido revolucionário agir sobre esta transformação. O papel da greve geral na revolução russa confirma a intuição de Rosa Luxemburgo na sua analise da greve geral na Bélgica antes da conquista do direito de voto.


O folheto de Rosa fazia parte da sua campanha para convencer o SPD a adotar uma virada radical. O debate continua até a eclosão da Guerra Mundial, não só na Alemanha, mas em toda a Internacional. Ele acompanha a luta contra o militarismo crescente e as aventuras coloniais dos Estados europeus. A esquerda europeia (Rosa, Lenin, Trotsky, Pannekoek, Martov...) propõe a greve geral internacional, contra os preparativos da guerra, no congresso de Stuttgart de 1907.


A recomposição do movimento operário se acelera. O debate alemão traz à tona a recusa sistemática da burocracia sindical e da fração parlamentar a todo confronto com o aparelho do Estado “prussiano” (a palavra de ordem democrática “republicano” desaparece). A social-democracia internacional gira, sensivelmente, à direita. O terrorismo revolucionário (anarquismo) e a teoria das “minorias atuantes” restam marginais. O anarco-sindicalismo, fortemente presente na nova classe trabalhadora industrial, se afunda tanto no plano organizacional quanto ideológico. O marxismo-revolucionário se desenvolve como corrente separada, o mais elaborado no plano da análise e do programa.


Guerra e internacionalismo


Somente a esquerda revolucionária estava preparada para a guerra mundial e para a possibilidade de uma revolução. Somente ela tinha uma análise de uma e da outra. Até o último momento, Kautsky, o “pai” da Internacional, afirmava que a guerra era dali em diante impossível: na era do “ultra-imperialismo”, os grandes trustes tinham todo interesse em explorar pacificamente o mundo!


A guerra foi uma imensa catástrofe humana e um recuo da civilização ocidental para a barbárie, como Rosa já tinha analisado 20 anos antes. Seu folheto “A crise da social-democracia” constitui uma das análises mais fundamentais do imperialismo moderno e de suas consequências. Este texto anunciava a renovação do movimento operário alemão no que ele tinha de melhor. É uma obra-prima programático que provocou várias discussões (notadamente quanto às suas conclusões) e tornou possível a unidade com o resto da esquerda nas conferências de Zimmervald (1915) e Kienthal (1916). A abordagem de Rosa Luxemburgo é inteiramente inclinada para o internacionalismo: “Ponto 3. É na internacional que se situa o centro de gravidade da organização de classe do proletariado” e “Ponto 4. A necessidade de aplicar as decisões da Internacional é prioritária em relação a todas as outras exigências da organização”.

A democracia radical


Com muita força e melhor que ninguém, Rosa apresentou o papel indispensável da democracia nos processos de decisão política. Ela situa a democracia em estreita ligação com a atividade das amplas massas, como uma necessidade para a conscientização e a autoemancipação dos explorados e oprimidos. Toda a sua obra é atravessada por essa preocupação. A questão se concretizará com as revoluções russa e alemã.


Na sua obra “A revolução russa” (1918), ela escreveu notadamente: “a ditadura da classe operária se exerce com o mais amplo público, com a participação sem entraves, a mais ativa possível das massas populares, em uma democracia sem limites” (Textes, p. 239) e “a democracia socialista começa com a demolição da dominação de classe e com a construção do socialismo. Ela não é nada senão a ditadura do proletariado” (p. 240).


É a partir dessas considerações que ela criticará violentamente a dissolução da assembleia constituinte (pelo governo de coalizão bolchevique e socialista-revolucionário de esquerda) em janeiro de 1918. Esta assembleia foi eleita antes da vitória. Atenção: Rosa não é contra esta dissolução por causa de seus princípios. Ela diz: “agora que as circunstâncias são melhores, deve-se eleger uma nova assembleia”. Ela tinha toda razão. Se tratava de uma questão tática, portanto discutível. Isso ficaria claro quando Rosa se encontraria ela própria em uma situação semelhante. Na Alemanha, em novembro de 1918, a burguesia utiliza uma assembleia constituinte contra o congresso democraticamente eleito pelos conselhos de trabalhadores e soldados: “dissolução de todos os parlamentos”, que se lê no programa da Liga Espartaquista. É notável que Rosa renuncie a seu democratismo no caso em que a democracia poderia frear ou entravar o objetivo socialista.


Ela lutou com unhas e dentes contra o direito das nações oprimidas à autodeterminação, em nome de três argumentos. Um: é uma concessão ao nacionalismo. Dois: é, de todo modo, impossível no capitalismo. Três: somente a classe trabalhadora de uma nação oprimida pode reivindicar o direito à autodeterminação nacional! Rosa pertence a uma corrente ampla do marxismo (cf. Boukharine, Piatakov...) que subestimava gravemente esta questão (ver os movimentos de libertação nacional nas colônias). Na Rússia, ela temia que o exercício concreto do direito à autodeterminação fosse uma ferramenta para fortalecer a direita anti-socialista.


Ela segue um raciocínio análogo no que concerne aos camponeses: Rosa não está de acordo com a expropriação das grandes propriedades e a cessão de terras aos camponeses. Seu argumento é de que se formaria uma camada pequeno-burguesa que se oporia às medidas socialistas na agricultura. Em outras palavras: nos dois casos, a opção socialista prevalece sobre a livre escolha democrática da esmagadora maioria da população!


Enfim, deve-se destacar a total incompreensão de Rosa no que tange à opressão das mulheres e de sua organização especifica (dirigida por sua amiga Clara Zetkin). Também aqui ela negligencia o vínculo entre democracia, autoemancipação e auto-organização.


O partido revolucionário


A coerência e a pertinência que observamos na obra de Rosa não se refletem na sua concepção de partido. Ela não se opõe à construção do partido. Mas ela se mantém fiel a uma convicção fundamental: o partido é o produto da luta de classes e da própria classe trabalhadora, ele pode então nascer, em certas circunstâncias, da atividade do proletariado. E esta é necessária, nos seus desenvolvimentos autônomos, para guiar o partido na direção correta.


“Na verdade, a social-democracia não está ligada à organização da classe operária, ela é o próprio movimento da classe operária”. Consequência: “O centralismo na social-democracia não seria outra coisa que a concentração imperiosa da vontade da vanguarda consciente e militante da classe trabalhadora frente a esses grupos e indivíduos. É, por assim dizer, um ‘auto-centralismo’ da camada dirigente do proletariado” (p. 21-22 da edição Spartacus sob o título falacioso “Marxismo contra ditadura”, o verdadeiro título era “Questões de organização da social-democracia”). A citação é de 1904. Sua experiência da degeneração da social-democracia alemã a levaria a fortalecer e ampliar essa opinião a ponto de falar das “massas não organizadas que nutrem o partido com sua luta espontânea”.

Em consequência, o papel (relativamente) autônomo do partido no que concerne às tarefas e às palavras de ordem, a organização das atividades dos militantes no território e, do ponto de vista interno, a seleção dos quadros... tudo isso continuaria estranho às suas preocupações. O que teve consequências na prática.


Sua polêmica (como aquela de Trotsky) contra Lenin, no partido operário social-democrata russo, foi frequentemente brilhante, mas ao lado da questão. No SPD, sua posição de exterioridade durante sua longa polêmica contra a direção direitista (depois contra “o centro”, encarnado por Kautsky), sua atenção ao papel da burocracia operária, não a predispuseram a lutar por uma política alternativa, uma direção alternativa, a organização sistemática de uma corrente organizada, o trabalho com os quadros intermediários, etc. Outros, que não eram revolucionários, fizeram isso a seu modo: saíram do SPD para formar o USPD, um partido de massas socialista de esquerda. As consequências disso foram dramáticas para Rosa, para a classe trabalhadora alemã e para o socialismo internacional. Rosa não foi a única na II Internacional a não ter compreendido isso. Só Lenin foi capaz.

François Vercammen

La Gauche n°3, 12 de fevereiro de 1999


Nota [1] A análise concreta do desenvolvimento do capitalismo continuaria uma de suas preocupações centrais durante toda a sua vida: cf. seus cursos “Introdução à economia política” (1907-1912) e sua obra “A acumulação do capital” (1913). Como militante, ela participou de imediato (desde 1894) da redação do jornal de seu partido “Sprawa Robotnicza”.

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