top of page
Foto do escritorEditor MRI

Rosa Luxemburgo e a social-democracia alemã (Ernest Mandel)



Rosa Luxemburgo e a social-democracia alemã

(Revista Quatrième Internationale, de março de 1971)

Ernest Mandel

Tradução de Pedro Barbosa, Vinicius Souza e Sidarta Landarini



O lugar real de Rosa Luxemburgo na história do movimento revolucionário ainda está para ser precisamente determinado. A desintegração do monolitismo stalinista significou que é praticamente unânime o destaque de seus méritos, mas muitas vezes apressa-se em acrescentar que “ela pertence ao período pré-1914” [1]. Aqueles que a classificam estreitamente desse modo, criam constrangem a si mesmos ao abordarem a história do movimento operário com critérios essencialmente subjetivos.


Os méritos de Rosa são repartidos e então se tornam - dependendo da inclinação do autor - sua revelação das raízes do imperialismo, sua defesa intransigente do marxismo contra o revisionismo de Bernstein, seu profundo apego aos princípios da ação e da espontaneidade das massas, ou mesmo sua defesa da democracia operária contra os “excessos” bolcheviques.


A dificuldade desaparece assim que nós abordamos a história do movimento operário com critérios objetivos e aplicamos ao marxismo a regra de ouro do materialismo histórico: em última análise, é a existência material que determina a consciência e não o inverso. É a partir da transformação da realidade social que devemos interpretar as modificações que ocorreram no pensamento do movimento operário internacional, incluindo sucessivas contribuições que enriqueceram ou empobreceram o próprio marxismo. Neste quadro, o papel de Rosa na evolução do movimento operário antes de 1914 (se não antes de 1919), ao invés de aparecer atomizado e fragmentado, recupera sua unidade. É somente através de tal método que a importância da atividade e da obra de Rosa surge plenamente, se desprendendo da crônica e das atividades especializadas.


“A velha tática comprovada” entra em crise


Durante trinta anos, a tática da social-democracia alemã, “die alte bewährte Taktik” (a velha tática comprovada), dominou completamente o movimento operário internacional. De fato, à parte o esplêndido isolamento da Comuna de Paris e das experiências de certas, principalmente anarquistas, seções do movimento operário internacional, a história da luta de classes tem carregado o selo da social-democracia por meio século. Sua influência era tão preponderante que mesmo aqueles como Lenin e os bolcheviques, que quebraram na prática com esta tradição a um nível nacional, continuaram a respeitar religiosamente o modelo alemão como um modelo que era universalmente aplicável.


“A velha tática comprovada” tinha uma linhagem de primeira classe. Durante os últimos quinze anos de sua vida, a despeito de algumas hesitações significantes [2], Friedrich Engels se tornou seu defensor furioso, ao ponto de fazer uma carta verdadeira em seu “testamento político”: a “Introdução” que ele escreveu em 1895 à nova edição alemã de “Lutas de classe na França (1848-50)”, de Karl Marx. Os trechos mais famosos desta “Introdução” foram citados inúmeras vezes em todas as línguas europeias entre 1895 e 1914.


E foi este caminho que a social-democracia seguiu de 1918 a 1929, quando a crise econômica mundial e a crise da própria social-democracia se combinaram para colocar um fim a esse exercício estéril:


“Em todos os lugares foi imitado o exemplo alemão de utilização do direito de voto, de conquistar todos os postos acessíveis a nós, em todos os lugares o desencadeamento espontâneo do ataque recuou para o segundo plano…”


“Os dois milhões de votantes que a social-democracia alemã enviou para as urnas, juntos com os jovens homens e mulheres que ficaram atrás na qualidade de não-votantes, formam a massa mais numerosa, mais compacta, a ‘força de choque’ decisiva do exército proletário internacional.”


“Essa massa já fornece mais de um quarto dos votos registrados… Seu crescimento prossegue tão espontaneamente, tão rapidamente, tão irresistivelmente e ao mesmo tempo tão tranquilamente como um processo natural. Todas as intervenções governamentais se provaram impotentes contra ela. Nós podemos contar mesmo hoje com 2 milhões e 250 mil votantes. Se continuar desse modo, perto do fim do século nós devemos conquistar a maior parte dos setores médios da sociedade, pequena burguesia e pequenos camponeses, e nos tornar o poder decisivo do país, diante do qual todos os outros poderes terão de se curvar, gostem eles ou não. Manter esse crescimento sem interrupção até que ele mesmo vá além do controle do sistema governamental dominante, não usar essa força de choque que cresce diariamente em lutas de vanguarda, mas mantê-la intacta até o dia decisivo, esta é a nossa principal tarefa.” (Engels, Selected Writings, editado por W. O. Henderson, p. 294-296. Grifo nosso)


É claro, agora nós sabemos que os líderes da social-democracia alemã censuraram escandalosamente o texto de Engels e deturparam seu significado, removendo tudo que restava de fundamentalmente revolucionário no velho lutador e companheiro de Marx [3]. Mas isso não é o essencial. A passagem que acabamos de citar é autêntica. Ela justifica completamente “a velha tática comprovada”: recrutar o máximo de membros, educar o máximo de trabalhadores, obter o máximo de votos nas eleições, realizar boas greves por aumento de salários e conquistar leis sociais (acima de tudo a redução da jornada de trabalho) - todo o resto seguirá automaticamente: “Todos os demais poderes terão (sic) de se curvar” diante de nós; nosso crescimento é “irresistível”; nós devemos “manter nossa força de choque intacta até o dia decisivo”...


Ainda mais convincente do que a benção do venerável decano do socialismo internacional foi o veredicto dos fatos. Os fatos credenciaram Bebel, Vandervelde, Victor Adler e os outros pragmáticos que estavam satisfeitos de seguir esse caminho, posteriormente consagrado. A cada eleição os votos cresceram. Se algumas vezes houve um inesperado revés (as “eleições Hottentot” na Alemanha, em 1907), ele foi seguido por uma revanche particularmente triunfante: as eleições para o Reichstag em 1912, quando a social-democracia alemã ganhou um terço dos votos.


As organizações operárias estavam ganhando continuamente força, se estendendo em direção a cada esfera da vida social e se tornando bastiões do que era verdadeiramente uma “contra-sociedade”, permitindo um desenvolvimento contínuo da consciência de classe. Os salários aumentavam, a legislação que protegia os trabalhadores se acumulava; a miséria estava decaindo, ainda que sem por isso desaparecer inteiramente. A maré parecia tão irresistível que não somente os crentes mas mesmo seus adversários estavam inebriados com ela.


Mas, como sempre, a consciência se atrasou diante da realidade. Toda essa “maré irresistível” amontoada era um reflexo do boom de crescimento do capitalismo internacional, uma redução secular do “exército industrial de reserva” na Europa, particularmente através da imigração, e a crescente superexploração dos países coloniais e semicoloniais pelo imperialismo. No início do século XX, os recursos que abasteceram esta atenuação temporária das contradições sócio-econômicas no Ocidente estavam começando a se esgotar. A partir daí, o agravamento, e não a atenuação, das contradições sociais estavam na ordem do dia. O que estava batendo à porta não era uma época de progresso pacífico, mas a era das guerras imperialistas, das guerras de libertação nacional e das guerra civil. A uma longa fase de melhorias se sucederam vinte anos em que os salários reais estagnaram ou mesmo caíram. A época da evolução estava chegando ao fim; a época das revoluções estava para começar.


Nesta nova época, “a velha tática comprovada” perdeu todo o seu sentido; de um princípio de organização ela estava para ser transformada em uma armadilha desastrosa para a classe trabalhadora europeia. A imensa maioria dos contemporâneos não compreendeu isso até 4 de agosto de 1914. Mesmo Lenin não havia entendido isso para os países que estavam a oeste do Império Tsarista; Trótski hesitou. O mérito de Rosa foi ter sido a primeira a compreender clara e sistematicamente a necessidade de uma modificação fundamental da estratégia e da tática do movimento operário ocidental, frente à mudança das condições objetivas, frente ao amanhecer da época imperialista.


As raízes da luta de Rosa contra “a velha tática comprovada”


É claro, a nova realidade objetiva havia sido parcialmente compreendida pelos mais perspicazes marxistas do final do século XIX. Os fenômenos da extensão dos impérios coloniais, do início do imperialismo como expansão política do grande capital, haviam sido analisados. Hilferding havia erigido aquele notável monumento O capital financeiro. Ele registrou o aparecimento dos cartéis, trustes e monopólios (usado pelos revisionistas para alegar que o capitalismo se tornaria mais e mais organizado e assim suas contradições menos agudas; realmente não há nada de novo sob o sol).


Depois do Congresso da Internacional em Stuttgart, aumentaram as suspeitas de Lenin, da esquerda polonesa, alemã, belga e italiana com relação às concessões de Kautsky aos revisionistas, especialmente sobre a questão da luta contra a guerra imperialista. O oportunismo eleitoreiro, os acordos “táticos” com a burguesia liberal de tal ou qual grupo regional ou nacional (tal como o grupo Baden na Alemanha, a maioria do Partido Operário Belga, os seguidores de Jaurès na França, etc.) foram submetidos a duras críticas. No entanto, toda essa crítica restou parcial e fragmentada e, acima de tudo, “a velha tática comprovada” - mais do que nunca um tabu - não foi substituída por um novo sistema de estratégia e táticas.


A única tentativa empreendida nesse sentido durante o período de 1900 a 1914, a oeste da Rússia, foi a de Rosa. Seu mérito excepcional não foi somente resultado de seu gênio inegável, sua lucidez e seu compromisso absoluto com a causa do socialismo e da classe trabalhadora internacional. Ele pode ser explicado acima de tudo pelas condições históricas e geográficas, ou seja, sociais, das quais se nutriam e nas quais se desenvolviam sua ação e seu pensamento.


Sua posição excepcional como membra dirigente de dois partidos social-democratas, o alemão e o polonês, a colocou em uma posição de observação que facilitava a identificação de duas tendências contraditórias dentro da social-democracia internacional: de um lado, estava o perigoso deslize em direção ao “rotineirismo” [routinism] burocrático que estava se tornando ainda mais conservador na Alemanha; de outro, estava a ascensão de novas formas e métodos de luta no Império Tsarista. Ela então esteve apta para desempenhar, no plano das táticas do movimento operário, a mesma audaciosa inversão que Trótski havia desempenhado para as perspectivas revolucionárias. Os países mais “avançados” não mais mostravam necessariamente aos países “atrasados” a imagem de seu próprio futuro. Pelo contrário, os trabalhadores dos países “atrasados” (Rússia e Polônia) estavam mostrando aos países ocidentais as adaptações táticas urgentes que necessitavam ser adotadas.


Naturalmente, isso também havia sido previsto por alguns marxistas. Em 1896, Parvus havia publicado um longo estudo na Neue Zeit, no qual ele previu o uso de “uma greve política de massas” como uma arma contra a ameaça de um golpe para suprimir o sufrágio universal [4]. Este estudo foi inspirado por uma moção que Kautsky apresentou, em 1893, à comissão 100 do congresso socialista de Zurique sobre a resposta às ameaças contra o sufrágio universal; Engels havia levantado uma ameaça implícita análoga. Mas todas estas referências ficaram isoladas. Não deram lugar a nenhuma elaboração estratégica ou tática sistemática.


Tendo uma grande familiaridade com os movimentos operários polonês e russo, Rosa também foi auxiliada por um profundo estudo das duas crises políticas que balançaram a europa ocidental nos fins do século: o caso Dreyfus na França e a Greve Geral de 1902 pelo sufrágio universal na Bélgica. A partir dessa dupla experiência, ela desenvolveu uma profunda repulsa pelo cretinismo parlamentar e uma convicção crescente de que “a velha tática comprovada” falharia na “hora decisiva” se as massas não fossem educadas, com bastante antecedência, para lidar com a ação política extraparlamentar tão bem quanto lida com o eleitoralismo rotineiro e as greves econômicas.


Mas a revolução russa de 1905 foi o evento que permitiu à Rosa reunir os elementos dispersos de uma crítica sistemática da “velha tática comprovada” da social-democracia ocidental. Retrospectivamente, foi sem dúvidas o ano de 1905 que marcou o fim do papel essencialmente progressivo da social-democracia internacional e deu início à prolongada fase de ambiguidade, combinando os traços progressivos que se prolongaram com as influências reacionárias que apareceram e se reforçaram, levando o partido ao desastre de 1914.


Para compreender a importância da revolução russa de 1905, nós devemos ter em mente que ela foi a primeira explosão revolucionária em grande escala que a Europa conheceu desde os dias da Comuna de Paris: isto é, depois de 34 anos! Então, era natural que uma revolucionária apaixonada como Rosa estudasse cuidadosamente todas as manifestações e seus traços particulares, a fim de tirar as conclusões quanto ao destino das revoluções futuras na Europa, Marx e Engels tiveram de fazer o mesmo com relação às revoluções de 1848 e à Comuna de Paris.


Do ponto de vista da elaboração de uma estratégia e de uma tática alternativas para a social-democracia internacional, contrapostas às do SPD, um aspecto da revolução de 1905, em particular, jogou um papel decisivo. Durante décadas, o debate entre anarquistas e sindicalistas de um lado e social-democratas de outro opôs os defensores da ação direta minoritária aos defensores da ação de massa organizada, essencialmente “pacífica” (eleitoral e sindical).


Porém, a revolução russa de 1905 fez aparecer uma combinação imprevista por parte de ambos os lados: a ação direta das massas, mas massas que, longe de serem serem complacentes diante do estado de desorganização e de espontaneidade, se organizaram precisamente para dar continuidade à ação e tendo em vista ações futuras ainda mais ambiciosas. Lenin e Rosa enfatizaram o fato, pouco compreendido no ocidente, de que a revolução russa de 1905 marcava o fim do sindicalismo revolucionário na Rússia, enquanto durante muito tempo os sindicalistas revolucionários opunham o mito da greve geral ao eleitoralismo social-democrata, e isso no exato momento em que a greve geral triunfou pela primeira vez em qualquer parte da Europa! Eles deveriam ter acrescentado, e Lenin só veio a compreender isso após 1914, que o eclipse do sindicalismo revolucionário na Rússia se explicava pelo fato de que, longe de se oporem à greve de massas ou de tentarem refrear ela de qualquer forma, os partidos social-democratas russo e polonês (ou ao menos suas alas mais radicais) se tornaram organizadores e propagandistas entusiastas da greve de massas e superaram então definitivamente a velha dicotomia: “ação gradual - ação revolucionária” [5].


Rosa foi deslumbrada pela experiência da revolução de 1905, uma experiência que teve repercussões profundas no seio de trabalhadores de vários países a oeste do Império Tsarista - a começar pela Áustria, onde ela provocou uma greve geral que conquistou o sufrágio universal. Os últimos 14 anos da vida de Rosa então se tornaram um esforço ininterrupto para transmitir este ensinamento fundamental ao proletariado alemão: é necessário abandonar o gradualismo, é necessário preparar as massas para lutas revolucionárias que estão mais uma vez na ordem do dia. A deflagração da Primeira Guerra Mundial, da revolução russa de 1917 e da revolução alemã de 1918, confirmou a justeza do que ela havia visto desde 1905.


Em primeiro de fevereiro de 1905 ela escreveu:


“Mas, também para a social-democracia internacional, o levante do proletariado russo constitui algo profundamente novo, que nós devemos desde já assimilar espiritualmente. Todos nós, por mais dialeticamente que pensemos, permanecemos incorrigíveis metafísicos apegados à imutabilidade das coisas, em nossos estados imediatos de consciência... É somente na explosão vulcânica da revolução que se percebe o trabalho rápido e profundo que a jovem toupeira executou. E quão alegremente ela está minando o solo sob os pés da sociedade burguesa da Europa ocidental. Querer medir a maturidade política e a energia revolucionária latente da classe trabalhadora através de estatísticas eleitorais e do número de membros de seções locais é como tentar medir o Monte Branco com a medida um alfaiate


Em primeiro de maio, ela continuou:


“O essencial é o seguinte: deve-se compreender e assimilar que a atual revolução no Império Tsarista provocará uma colossal aceleração da luta de classes internacional, que nos confrontaremos nos países da “velha” Europa, em não muito tempo, com situações revolucionárias e novas tarefas táticas.”

E em 22 de setembro de 1905, no Congresso de Jena, confrontada com os sindicalistas reformistas do tipo de Robert Schmidt, ela exclamou indignada:


“Quando ouvimos os discursos até agora proferidos sobre a greve política de massas, realmente sentimos vontade de colocar nossas cabeças em nossas mãos e nos perguntar: nós estamos realmente vivendo no ano da gloriosa revolução russa ou estamos ainda dez anos antes dela surgir? Você lê todos os dias os relatos nos jornais da revolução, você lê os despachos, e você ainda obviamente não tem nem olhos para ver nem orelhas para ouvir… Robert Schmidt não vê que chegou o momento que nossos grandes mestres Marx e Engels previram, o momento em que a evolução se transforma em revolução? Estamos vendo a revolução russa e seríamos estúpidos se não aprendêssemos nada com ela.” [6]


Retrospectivamente, nós somos convencidos de que ela tinha razão. Assim como a vitória da revolução russa de 1917 teria sido infinitamente mais difícil sem a experiência da revolução de 1905 e sem o enorme aprendizado revolucionário que ela representou para dezenas de milhares de quadros trabalhadores russos, assim como a vitória da revolução alemã de 1918-19 teria sido enormemente facilitada por experiências de lutas políticas de massas, extra-parlamentares, pré-revolucionárias ou revolucionárias, antes de 1914.


Não se pode aprender a nadar sem entrar na água; não se pode desenvolver uma consciência revolucionária sem a experiência de ações revolucionárias. Se na Alemanha, entre 1905 e 1914, era impossível imitar 1905, era perfeitamente possível transformar completamente a prática cotidiana da social-democracia, reorientá-la em direção a uma prática e uma educação ainda mais revolucionárias, preparando as massas para o confronto contra a classe burguesa e o aparelho de Estado. Recusando-se a fazer essa virada, apegando-se a fórmulas que perdem cada vez mais o seu sentido real, quanto à “inevitável” vitória do socialismo, ao “inevitável” recuo da burguesia e do Estado burguês diante da “força tranquila e pacífica” dos trabalhadores, os dirigentes do SPD, durante esses anos decisivos, semearam os grãos que produziram as amargas colheitas de 1914, 1919 e 1933 [na medida em que os trabalhadores alemães colheram as mais duras derrotas nestes anos].


O debate sobre a greve de massas


É neste contexto que devemos examinar o debate sobre a greve das massas que se desenrolou no Partido Social-Democrata Alemão após 1905. As principais etapas do debate foram marcadas por: a Conferência de Jena de 1905 (em certo sentido a conferência mais "esquerdista" antes de 1914, obviamente, devido à pressão da revolução russa); a Conferência de Mannheim de 1906; a publicação no mesmo ano de dois panfletos, um de Kautsky e outro de Rosa, ambos endereçados ao problema da "greve de massas", o debate de 1910 entre Rosa e Kautsky; e finalmente o debate entre Kautsky e Pannekoek [7].


Esquematicamente, podemos resumir assim o debate. Tendo combatido por décadas a ideia de uma greve geral como "estupidez geral" ("Generalstreik ist Generalunsinn"), sob o pretexto de que primeiro é preciso organizar a grande maioria dos trabalhadores antes que uma greve geral pudesse ser bem-sucedida, os líderes do SPD foram abalados pela Greve Geral belga de 1902-3, mas de maneira muito hesitante, começaram a revisar suas posições [8]. Em 1905, na Conferência de Jena, eclodiu um confronto entre os líderes sindicais e os líderes do SPD, durante o qual os líderes sindicais chegaram ao ponto de sugerir que os partidários da greve geral fossem para a Rússia ou a Polônia para colocar suas ideias em prática [9].


Reticente, mas não sem vigor, Bebel desceu à arena e atacou os líderes sindicais, admitindo a possibilidade de uma greve política de massa "em princípio". No entanto, um acordo foi elaborado entre as conferências de Jena e Mannheim. Em Mannheim (1906), a paz foi restabelecida no seio do aparelho. Posteriormente, somente os chefes sindicais seriam considerados "competentes" para "proclamar" uma greve, incluindo uma greve política de massas, depois de terem sopesado todos os problemas de "organização", de recursos disponíveis, da "correlação de forças", etc. Após o infeliz intervalo da revolução russa [depois de 1905], fomos finalmente trazidos de volta à "velha tática comprovada". Ao longo de tudo isso, Rosa, é claro, estava furiosamente ansiosa. Estava apenas esperando o momento mais propício para dar um golpe decisivo por sua nova estratégia e tática. O momento propício apareceu quando a agitação para a conquista do sufrágio universal nas eleições da “Dieta da Prússia” se desencadeou em 1910. As massas exigiram a ação.


Rosa organizou uma dúzia de reuniões de massa com a ajuda de milhares de trabalhadores e militantes. A proibição das reuniões pela polícia levou a uma manifestação central de 200.000 participantes, no Parque de Treptow, em Berlim. Mas a direção social-democrata detestava esses "distúrbios"; o que lhe importava era preparar as “boas eleições” de 1912. Assim, a agitação foi sufocada tão rapidamente quanto foi desencadeada.


E desta vez, foi o “guardião da ortodoxia”, o próprio Kautsky, que assumiu a cabeça da luta teórica e política do aparelho contra a esquerda, com artigos e panfletos pedantes que demonstraram uma incompreensão total da dinâmica do movimento de massa.

À primeira vista, parece ter ocorrido uma inversão das alianças. No início do século, Rosa e Kautsky (esquerda e centro) estavam aliados com o aparelho partidário em torno de Bebel e Singer contra a minoria revisionista em torno de Bernstein. Em 1905, no Congresso de Mannheim, o aparelho sindical passou abertamente do campo revisionista e para a aliança Bebel-Kautsky-Rosa, pareceu reforçada e consolidada. Então, como explicar essa brusca inversão [deste sistema de alianças] no espaço de quatro anos (1906-10)? Na realidade, os fatos sociais e ideológicos do problema diferem significativamente das aparências. Bebel e o aparelho do partido estavam presos à “velha tática comprovada" tanto em 1900 quanto em 1910.


Eles eram profundamente conservadores, isto é, defensores do status quo no seio do movimento operário (sem por isso abandonar as convicções e mesmo a paixão socialistas, mas orientadas para um futuro indefinido). Bernstein e os revisionistas arriscavam comprometer o delicado equilíbrio entre “a velha tática comprovada" (isto é, a prática cotidiana reformista), a propaganda socialista, a esperança e a fé das massas no socialismo, a unidade do partido e a unidade entre as massas e o partido.


Foi por isso que Bebel e o aparelho do partido se opuseram a ele, por propósitos essencialmente conservadores, para que nada fosse perturbado. Mas quando a revolução russa de 1905 - e as repercussões da era imperialista nas relações entre as classes na própria Alemanha - provocou um agravamento das tensões no seio do movimento operário, e o aparelho social-democrata ameaçou se dividir em dois, em seguida ao Congresso de Jena, Bebel, Ebert e Scheidemann preferiam a unidade do aparelho à unidade com os trabalhadores radicalizados; foi assim que interpretaram a "primazia da organização". Dali em diante, o aparelho de conjunto rompeu com a esquerda, porque agora era a esquerda que exigia que "a velha tática comprovada" fosse quebrada, não apenas a teoria, mas também - pecado supremo - a prática rotineira. Os dados foram lançados.


A única questão que permaneceu aberta por um certo tempo foi o alinhamento de Kautsky: ele ficaria do lado do aparelho contra a esquerda ou da esquerda contra o aparelho?


Após a revolução de 1905, ele se inclinou momentaneamente para a esquerda. Mas um incidente significativo iria decidir o seu destino. Em 1908, Kautsky escreveu um panfleto intitulado “O caminho do poder”, no qual examinou precisamente a questão, pendente [de resposta] desde o famoso prefácio de Engels de 1895, de como passar da conquista da maioria das massas trabalhadoras para o socialismo (o objetivo a ser alcançado pela “velha tática comprovada") para a conquista do poder político em si. Suas fórmulas eram, em geral, moderadas e não implicavam nenhuma agitação revolucionária sistemática; e nem mesmo a questão da supressão da monarquia era colocada (falava-se timidamente da "democratização do Império e de seus Estados componentes"). Mas havia muitas palavras “perigosas" nesse panfleto para uma direção partidária [“Parteivorstand”] burocratizada mesquinho e conservadora. Falava-se nele da possibilidade de uma "revolução". Chegou-se mesmo a dizer: "ninguém será tão ingênuo a ponto de imaginar que passaremos de pacífica e imperceptivelmente do Estado militarista para a democracia". Essas fórmulas eram “perigosas”. Elas podem até mesmo "provocar um processo judicial". E então, a direção partidária decidiu se livrar do panfleto [10].


Seguiu-se uma tragicomédia que decidiu o destino de Kautsky como revolucionário e teórico. Ele apelou para a Comissão de Controle do partido, que lhe deu razão. Mas Bebel disse invariavelmente “não”. Kautsky então aceita se submeter à censura do partido e mutilar o seu próprio texto: tudo que pudesse provocar o escândalo foi eliminado por ele. Do texto que ficou então inofensivo, Kautsky emergiu desse pacto como um homem sem caráter e sem espinha dorsal. A ruptura com Rosa, o centrismo, o papel de servo do aparelho no debate de 1910-12, a capitulação repugnante de 1914, etc., estão contidos em germe neste episódio.


Não é por acaso que o teste decisivo, tanto para Kautsky como para todos os centristas, foi a questão da luta pelo poder, da reinserção do problema da revolução em uma estratégia inteiramente baseada na rotina reformista cotidiana. Esta foi efetivamente a questão decisiva para a social-democracia internacional depois de 1905.

A análise da primeira versão de “O caminho do poder” mostra que os elementos do centrismo já estavam presentes mesmo antes do corte da censura burocrática. Pois, se nesta primeira versão a descrição dos elementos que agravam os antagonismos de classe (imperialismo, militarismo, expansão econômica reduzida, etc.) é perspicaz, a filosofia fundamental ainda era a da "velha tática comprovada": a industrialização trabalha a nosso favor; a concentração de capital trabalha a nosso favor, nossa ascensão é irresistível, desde que um acidente não intervenha. A hipótese de um abandono do fatalismo espectador só foi levantada no caso de "nossos adversários cometerem uma estupidez": um golpe de Estado ou a guerra mundial. Em suma, ainda estamos no ponto em que Parvus formulou o problema em 1986...

De “greves revolucionárias”, de explosões de massa, não se fala em “O caminho do poder”. A revolução russa é invocada apenas para demonstrar que ela abriu uma nova era de revoluções no oriente (o que é correto), que através dos conflitos inter-imperialistas esta era de revoluções orientais teria profundas repercussões sobre as condições no ocidente (o que também é correto) e exacerbaria incontestavelmente as tensões e a instabilidade. Mas nada se deixa transparecer sobre as repercussões da revolução russa e de tal instabilidade no comportamento das massas trabalhadoras no ocidente. O elemento ativo, o fator subjetivo, a iniciativa política, estavam completamente ausentes. Esperar pela estupidez que o adversário pode cometer, se preparar para a hora H por meios puramente organizacionais, deixando cuidadosamente a iniciativa ao inimigo, é assim que se resume toda a sabedoria centrista de Kautski, mais tarde prolongada pela aquela dos austro-marxistas, cuja falência explodirá em 1934!

A superioridade de Rosa irrompe então em todos os domínios, no decurso deste debate crucial. Às fracas referências, às estatísticas com as quais Kautsky justificou sua tese de acordo com a qual "a revolução nunca pode irromper forma prematura", Rosa opôs uma profunda compreensão da imaturidade das condições que conhecerá toda revolução proletária no seu início: “ (...) esses ataques "prematuros" do proletariado constituem em si um fator muito importante, que cria as condições políticas para a vitória final, porque o proletariado não pode atingir o grau de maturidade política, que o tornará capaz de realizar a última grande convulsão, senão sob o fogo de lutas longas e persistentes.” [11]

Desde 1900 que Rosa já tinha escrito essas linhas, que ela de fato havia formulado os primeiros elementos de uma teoria das condições subjetivas necessárias para uma vitória revolucionária, enquanto Kautsky ainda estava preso ao exame exclusivo das condições objetivas, chegando ao ponto de negar que o problema levantado por Rosa sequer existia! Com seu instinto tão fino pela vida, pelas aspirações, pela temperatura e pela ação das massas, Rosa, desde o debate de 1910, levantou o problema-chave da estratégia operária do século XX, a saber, que seria vão esperar uma ascensão ininterrupta da combatividade das massas, e que, se ficassem decepcionadas com a falta de resultados e de orientações das direções, elas poderiam regredir à passividade [12].

Quando Kautsky afirmou que o sucesso de uma greve geral "capaz de interromper todas as fábricas" dependia da organização prévia de todos os trabalhadores, ele levou a "primazia da organização" ao absurdo. A história lhe contrariou e deu razão a Rosa. Temos conhecido inúmeras greves gerais que foram plenamente bem-sucedidas em paralisar todo a vida econômica e social de nações moderna, ainda que somente uma minoria dos trabalhadores estivesse organizada. A greve geral francesa de Maio de 68 é apenas a mais recente confirmação de uma velha experiência.

Se Rosa é culpada por uma "teoria da espontaneidade" (algo que está longe de ser demonstrado), isso certamente não é devido ao seu julgamento sobre o caráter inevitável de iniciativas espontâneas das massas durante explosões revolucionárias - neste plano, ela estava 100 por cento correta -, nem a qualquer ilusão de que bastaria se entregar a essas iniciativas espontâneas para que a revolução triunfasse ou, o que seria o mesmo, de que de tal iniciativa surgiria a organização que conduziria a revolução à vitória; [em nenhuma de suas formulações] tal teoria [da espontaneidade] é manifestada. Ela nunca foi culpada pelas infantilidades caras aos espontaneístas de hoje.

O que dá à "greve política de massa" um lugar excepcional na formulação de Rosa, é que ela via nela os meios essenciais para educar e preparar as massas para as colisões revolucionários por vir (melhor: educá-los e criar as condições propícias para que eles pudessem aperfeiçoar essa educação por sua própria ação). Sem ter elaborado uma uma estratégia de reivindicações transitórias, ela tirou a conclusão de toda a experiência passada de que era necessário acabar com a prática cotidiana que se resumia nas lutas eleitorais, nas greves econômicas e na propaganda abstrata "pelo socialismo". A “greve política de massa” era, para ela, o meio essencial para superar essa rotina. O confronto com o aparelho de estado, a elevação da consciência, a política de massa, o aprendizado revolucionário eram vistos em função de uma clara perspectiva revolucionária que entrevia crises revolucionárias em um prazo relativamente curto. Se Lenin fundamentou o bolchevismo sobre a convicção da atualidade da revolução na Rússia, se ele somente estendeu essa noção ao resto da Europa depois de 4 de agosto de 1914, e à Rosa a quem cabe o mérito de ser a primeira a conceber uma estratégia socialista baseada na mesma iminência da revolução, no próprio ocidente, logo após a revolução russa de 1905.


Que ela tinha uma visão realista - e, infelizmente, profética - do papel que o aparelho burocrático do movimento operário poderia desempenhar em uma tal crise, emerge de seu discurso no Congresso de Jena, em setembro de 1905:


Quando Kautsky argumentou contra Rosa que "os movimentos espontâneos das massas organizadas são sempre imprevisíveis" e por essa razão são perigosos para um "partido revolucionário", ele revelou a mentalidade de um pequeno oficial que imagina que uma "revolução" se desenrolará de acordo com um cronograma cuidadosamente elaborado. Rosa tinha mil vezes o direito de enfatizar em oposição a essa visão que um partido revolucionário, como a social-democracia russa e polonesa em 1905, se distinguia precisamente por sua capacidade de entender e captar o que era progressivo nessa inevitável e saudável espontaneidade das massas visando explorar sua energia para os objetivos revolucionários que ela havia formulado e incorporado em sua organização [13]. Foi preciso todo o conservadorismo obstinado da burocracia stalinista para levantar novamente contra Rosa a acusação infundada de que sua análise dos processos revolucionários em 1905 colocou "ênfase demais" na espontaneidade das massas e "não o suficiente no papel do partido” [14]. [Obs: este parágrafo não consta na versão francesa]

Que ela tinha uma visão realista - e, infelizmente, profética - do papel que o aparelho burocrático do movimento operário poderia desempenhar em uma tal crise, emerge de seu discurso no Congresso de Jena, em setembro de 1905: “As revoluções anteriores, e especialmente as de 1848, demonstraram que, durante situações revolucionárias, não são as massas que devem ser reprimidas, mas os advogados parlamentares, para impedi-los de trair as massas”. [15]


Após as amargas experiências de 1906-10, suas palavras foram ainda mais desiludidas quando ela voltou ao mesmo assunto em 1910: “Se a situação revolucionária vier a se desenvolver plenamente, se as ondas da luta já estiverem se elevado bem alto, então não haverá nenhum freio de dirigentes partidários que poderão obter grandes coisas, então a massa simplesmente irá deixar de lado seus dirigentes que gostariam de se opor à tempestade do movimento. Isso poderia acontecer um dia na Alemanha. Mas não creio que, do ponto de vista do interesse da social-democracia, seja necessário ou desejável que as coisas caminhem nesta direção”. [16]


A unidade da obra de Rosa Luxemburgo


No contexto do "grande propósito" de Rosa - levar a social-democracia a abandonar "velha tática comprovada" e a preparar-se para as lutas revolucionárias que ela julgava iminentes - o conjunto de sua atividade adquire uma unidade evidente.


A análise do imperialismo não corresponde apenas à preocupações teóricas autônomas, embora essas preocupações fossem reais [17]. Ela tinha como objetivo revelar uma das principais molas propulsoras do agravamento das contradições no seio do mundo capitalista como um todo, e no seio da sociedade alemã (europeia) em particular. Da mesma forma, o internacionalismo não era simplesmente concebido como um tema mais ou menos platônico para propaganda, mas em função de duas exigências, a relativa à internacionalização progressiva das greves e a relativa à preparação do proletariado para a luta contra a guerra imperialista por vir. A campanha internacionalista sistemática que Rosa conduziu durante vinte anos na social-democracia internacional se deu em função de uma perspectiva revolucionária e uma escolha estratégica, assim como sua campanha pela "greve política de massa" e sua profunda análise do imperialismo.


O mesmo vale para sua campanha antimilitarista e antimonarquista. Ao contrário de uma ideia amplamente difundida, e que mesmo comentadores favoráveis à respeito de Rosa às vezes repetem [18], a campanha antimilitarista de Rosa não se relacionava apenas com seu "ódio" (ou "medo" da guerra), mas com uma compreensão precisa do papel do Estado burguês que tinha de ser derrubado para que uma revolução socialista triunfar. Já em 1899, ela escreveu no “Leipziger Volkszeitung”: como ela havia escrito Já em 1899 no Leipziger Volkszeitung: “O poder e a dominação, tanto do Estado burguês quanto da classe burguesa, estão concentrados no militarismo”.


Da mesma forma que a social-democracia representa o único partido político que combate o militarismo por razões de princípio, também essa luta de princípios contra o militarismo pertence à própria natureza da social-democracia. “Abandonar o combate contra o sistema militar resultaria, na prática, pura e simplesmente, na negação da luta contra a ordem social existente” [19].


Em “Reforma ou revolução”, ela repetirá, no ano seguinte, de maneira sucinta, em seus comentários sobre o serviço militar obrigatório, que, se isso prepara as bases materiais para o armamento geral do povo, o faz "sob a forma do militarismo moderno, que expressa da maneira mais notável a dominação do povo pelo Estado militarista, o caráter de classe do Estado". Compare-se essas fórmulas de uma clareza luminosa para ver a distância que as separa, não somente dos delírios de um Bernstein, mas também da fraseologia de Kautsky sobre a "democratização (sic) do Império".

É compreensível, então, a imensa raiva que tomou Rosa quando ela viu os mesmos reformistas, que a censuraram por “arriscar derramar o sangue dos trabalhadores” com sua “tática aventureira” [20], fazerem derramar o sangue dos trabalhadores depois de agosto de 1914 em uma escala mil vezes mais ampla, não pela causa dos próprios trabalhadores, mas pela de seus exploradores. Foi essa indignação que a inspirou em suas severas fórmulas: “a social-democracia não é mais do que um cadáver fétido”, “os social-democratas alemães são os maiores e mais infames criminosos que já viveram neste mundo” [21].


Mesmo seus erros estiveram em função do grande propósito que dominou sua vida. Se ela se enganou, efetivamente, na avaliação recíproca que fez dos bolcheviques e mencheviques na Rússia, se ela combateu o "ultra-centralismo" de Lenin, enquanto aprovava o regime de ferro ultra-centralista que [Leo] Jogisches instaurou em seu próprio partido polonês clandestino [22], se ela estava inclinada a ter excessiva confiança na educação socialista da vanguarda operária, e a subestimar a necessidade de forjar quadros operários capazes de guiar as mais amplas massas, que entrariam espontaneamente em ação no início da revolução, se por esta mesma razão ela negligenciou a formação de uma tendência e de uma fração de esquerda organizada no seio do SPD já em 1906 (a formação de um novo partido era impossível antes que a traição dos dirigentes se concretizasse em ações compreensíveis para as massas trabalhadoras), o que custou caro à jovem Liga Espartaquista [“Spartakusbund”] e ao jovem KPD [Partido Comunista Alemão], que tiveram de eleger uma direção em plena crise revolucionária, ao invés de ter aproveitado a década anterior para atingir este objetivo, foi porque ela estava dominada por uma crescente desconfiança diante do aparelho de funcionários e secretários profissionais, cujos crimes ela pôde julgar “in loco”, muito melhor e muito antes do que Lenin.

Lenin chegou às mesmas conclusões que Rosa sobre a social-democracia alemã em 1914. Ele concluiu que o essencial para o proletariado não é “a organização” pura e simplesmente, mas a organização cujos programa e fidelidade prática, cotidiana, a tal programa, que garantiriam que ela seria uma força propulsora e não um freio ao levante revolucionário das massas. Rosa chegou à mesma conclusão que Lenin quanto à necessidade de uma organização separada da vanguarda revolucionária em 1918, quando ela compreendeu profundamente que era insuficiente ter confiança no ímpeto das massas ou na sua espontaneidade para quebrar o freio dos funcionários social-democratas dali em diante contra-revolucionários.


Mas o mérito de Rosa no desenvolvimento do marxismo revolucionário contemporâneo é imenso. Ela foi a primeira a levantar, e a começar a resolver, o problema da estratégia e da tática marxista revolucionária visando o triunfo dos levantes das massas dos países capitalistas altamente industrializados.


Notas

1. Este é notadamente o juízo de J. P. Nettl, que escreveu a biografia mais completa de Rosa até hoje (J. P. Nettl, Rosa luxemburg, vol. 1, p. 23-24, Maspero, Paris, 1972). Nettl combina uma enorme compilação de detalhes e um juízo frequentemente impressionante de questões parciais, com uma quase total falta de compreensão do conjunto dos problemas da estratégia operária, do movimento de massa e das perspectivas revolucionárias, precisamente os problemas que dominaram a vida e as preocupações de Rosa.

2. Assim, quando o perigo de guerra se delineou pela primeira vez no início de 1890, Engels afirmou que, em caso de guerra, a social-democracia seria forçada a tomar o poder, e expressou uma preocupação de que isso terminasse mal. Ele exprimiu na mesma carta a Bebel sua convicção de que “nós estaremos no poder antes do fim do século” (carta de 24 de outubro de 1891). Em uma carta anterior, de 1º de maio de 1891, ele se rebela contra a censura que Bebel queria fazer à publicação das críticas ao programa de Gotha, e fustigou a supressão da liberdade de crítica e de discussão no seio do partido (August Bebel, Briefwechsel mit Friedrich Engels, Mouton & CO, 1965, p. 465, 417).

3. Engels escreveu a Kautsky em 1º de abril de 1895: “Vejo hoje no Vorwärts um trecho de minha introdução, reproduzido sem o meu conhecimento e arranjado de tal modo que eu apareço como um pacífico adorador da legalidade a qualquer preço. Assim, eu gostaria ainda mais que ‘a introdução’ aparecesse sem cortes na Neue Zeit, para que essa impressão vergonhosa seja eliminada”. Sob o pretexto de ameaças de processos judiciais, Bebel e Kautsky se recusaram a fazê-lo. Engels deixou assim e não mais insistiu em uma reprodução integral de “A introdução”. Isso só veio a ocorrer em 1918, sob os cuidados da Internacional Comunista. Trótski havia expressado uma opinião análoga a de Rosa Luxemburgo em “Balanços e perspectivas”, redigido em 1906, enfatizando o caráter cada vez mais conservador da social-democracia. Mas em função das lutas de fração na social-democracia russa e das posições conciliatórias que adotou, ele novamente se aproximou de Kautsky em 1908 e o apoiou contra Rosa no debate sobre a “greve política de massa”. Lenin adotou uma atitude muito prudente em relação ao conflito Kautsky-Rosa em 1910, querendo impedir um “bloco” entre Kautsky e os mencheviques. Em seu artigo “Dois mundos”, dedicado à social-democracia alemã, ele afirma que as divergências entre os marxistas (entre os quais ele colocou não somente Rosa e Kautsky, mas também Bebel) são apenas de natureza tática e, em última análise, menores. Ele elogiou a “prudência” de Bebel e justificou a tese segundo a qual era preferível abandonar ao inimigo a iniciativa de iniciar as hostilidades (ouvres, vol. 16, P. 322-330, Paris-Moscou).

4. O artigo intitulado “Staatsstreich und politischer Massenstreik” [Golpe e greve política de massa] foi publicado pela primeira vez na Neue Zeit. E foi reproduzido na antologia “Die Massenstreikdebatte”, publicado pela Europäische Verlagsanstalt (Frankfurt, 1970), p. 46-95.

5. Em “Reforma ou revolução”, Rosa já escrevia: “Estava reservado para Bernstein considerar o pântano do parlamentarismo burguês como o organismo chamado para realizar a transformação social mais formidável da história, a saber, a passagem da sociedade capitalista para a sociedade socialista”. Toda essa crítica do parlamentarismo, toda essa análise do declínio do parlamento burguês, redigida em 1900, conserva um frescor e uma atualidade sem comparação alguma com uma análise comum de qualquer autor marxista consagrado na Europa ocidental antes de 1914. Rosa explica no mesmo sentido o fortalecimento do sindicalismo revolucionário na França pela profunda decepção do proletariado francês com o parlamentarismo jauressista [Jean Jaurès] (artigo publicado no Sächsische Arbeiterzeitung, de 5-6 de dezembro de 1904. Rosa Luxemburgo, O estado burguês e a revolução, ed. La Bréche, 1978).

6. Estas citações são extraídas de um artigo publicado na Neue Zeit, “Nach dem ersten Akt”, no Sächsische Arbeiterzeitung, “Im Feuerscheine der Revolution”, e do discurso pronunciado no congresso social-democrata de Jena (ver Rosa Luxemburgo, Ausgewiihlte Reden und Schriften, tomo 2, Dietz Verlag, Berlim, 1955, p. 220-1, 234-5 e 244).

7. Um bom resumo desse debate é fornecido por Antonia Grunenberg em sua introdução a “Die Massenstreikdebatte”, op. cit, p. 5-44.

8. Por exemplo, em seu artigo “Die lehren des bergerbeiter-steik” (As lições da greve dos mineiros), publicado na Neue Zeit em 1903.

9. Rosa Luxemburgo: discurso de 21 de setembro de 1905 em Jena (Ausgewiihlte Reden und Schriften, tomo 2, p. 240-1). Ver especialmente seu artigo “Et maintenant?” (Neue Zeit, 1910), com suas distinções entre “greve de advertência” e “greve de ameaça” (uma distinção que vem do livro que Henriette Roland-Hors dedicou à greve de massa), “greves econômicas” e “greves políticas”, “estratégia de exaustão” e “estratégia de assalto”, etc. (Die Massenstreikdebate, p. 96-121).

10. Ver a edição de “O caminho do poder”, publicada pela Ed. Anthropos (Paris, 1969), com uma apresentação e as cartas em anexo que esclarecem este triste caso.

11. Rosa Luxemburgo, Ausgewählte Reden und Schriften, vol. 2, p. 136.

12. lbid., p. 325-6 e 330. Estes são trechos de um artigo publicado no Dortmunder Arbeiterzeitung e intitulado: “Was Weiter?”.

13. É simplesmente uma calúnia, disseminada pelos stalinistas (e “inocentemente” repetida pelos espontaneístas de hoje), que Rosa teria atribuído “todo o mérito” da revolução de 1905 às massas desorganizadas, sem mencionar o papel do partido social-democrata. Aqui está, entre muitas outras, uma citação que prova o contrário: “E mesmo que, no primeiro momento, a direção do levante possa ter caído nas mãos de dirigentes casuais, mesmo que o levante possa ter sido aparentemente perturbado por toda a sorte de ilusões e de tradições, isso é senão um resultado da enorme quantidade de educação política que se disseminou durante as duas últimas décadas pela agitação social-democrata subterrânea de mulheres e homens nas camadas da classe operária russa. Na Rússia, como no mundo inteiro, a causa da liberdade e do progresso social está nas mãos do proletariado consciente” (8 de fevereiro de 1905, no Die Gleichheit, Ausgewiihlte Reden und Schriften, 1, p. 216).

14. Cf. a biografia de Rosa feita por Fred Oelssner, Dietz-Verlag, Berlim, 1951, especialmente as páginas 50-53.

15. Ausgewiihlte Reden und Schriften, 1, p. 245.

16. “Theorie und Praxis” (Neue Zeit, 1910), reproduzido em Die Massenstreikdebatte, p. 231.

17. Rosa escreve a si própria que, ao escrever sua “Introdução à economia política”, se deparou com uma dificuldade teórica quando quis demonstrar os entraves à realização da mais-valia. Daí seu projeto de redigir “A acumulação de capital”.

18. Especialmente, Antonia Grunenberg, no prefácio (“Einleitung”) ao Die Massenstreikdebatte (op. cit., p. 43), onde ela afirma que, ao contrário de Kautsky e de Rosa, Pannekoek havia formulado as concepções estratégicas sobre a conquista do poder, colocando a questão da luta contra o poder de Estado.

19. Ausgewiihlte Reden und Schriften, I, p. 47

20. Ibid., p. 245.

21. Discurso sobre o programa pronunciado por Rosa no congresso de fundação do KPD (em Ouvres II, écrits politiques 1917-18, Maspero, p. 101). Sua ira foi particularmente forte quando, depois do armistício de 1918, os chefes do SPD tentaram utilizar os soldados alemães contra a revolução russa nos países bálticos.

22. Recentemente, Edda Werfel publicou na Polônia a correspondência entre Rosa Luxemburgo e Leo Jogisches, que fornecerá importantes materiais suplementares para o estudo da atitude prática e teórica de Rosa sobre a “questão da organização”, no seio de seu próprio partido polonês. Anuncia-se uma tradução parcial desta correspondência em francês na Éditions Anthropos e em alemão na Europäische Verlagsanstalt.

471 visualizações0 comentário

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page