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Revolução socialista e contrarrevolução burocrática #1 (Daniel Bensaïd)

Atualizado: 29 de out. de 2020


Revolução socialista e contrarrevolução burocrática

Daniel Bensaïd Tradução de Guilherme Gomes de Oliveira Revisão de Pedro Barbosa


Índice:

I. Marx e a revolução permanente na Rússia

II. Da revolução russa à stalinização

III. A União Soviética "segunda potência mundial" – o fim do isolamento soviético traz novas contradições

IV. O desenvolvimento das tensões na URSS

a) O "novo curso" de 1953 a 1956

b) Do 20º Congresso à queda de Kruschev

c) A queda de Kruschev e suas consequências

V. O alcance do debate sobre a natureza da URSS

1 – O coração do debate

2 – O revisionismo moderno

3 – O critério da prática

VI. A ascensão da revolução política

Anexo: Resolução dos conselhos operários do XI distrito de Budapeste (12 de novembro de 1956)


* * *

I. Marx e a revolução permanente na Rússia


Na década de 1870, o movimento revolucionário russo se interrogou sobre o futuro e a natureza de sua revolução. Uma intelligentsia, destituída de suas raízes de classe pelo raquitismo de uma burguesia nacional sem vigor histórico, se choca contra a autocracia czarista. Seu isolamento social a empurra frequentemente ao terrorismo desesperado; mas, ao mesmo tempo, essa intelligentsia sente que a situação só poderá ser realmente resolvida por uma das classes sociais fundamentais. Várias correntes se desenvolvem. Uma se põe a reboque de uma burguesia débil, esperando lhe fornecer a audácia necessária para tomar o poder. A outra, atraída por um campesinato, poderoso em número e tradições, desemboca no populismo, confiando no poder de tal campesinato para controlar as crueldades no capitalismo nascente. A classe trabalhadora, ainda em seu estágio inicial, não aparece como um polo social sólido o bastante para se colocar na liderança do movimento.


No entanto, pelos canais da emigração, o debate sai dos círculos isolados da intelligentsia revolucionária russa. Solicitado por Vera Zassúlitch, Marx dá sua contribuição. A famosa carta que ele a envia possuía nada menos que quatro rascunhos.


No terceiro rascunho, ele traça com nitidez as características e o processo evolutivo da comuna agrícola de tipo russo:


1. Todas as outras comunidades sustentam-se sobre as relações de consanguinidade entre seus membros. Não se entra nelas, a menos que se seja parente natural ou adotado. Sua estrutura é aquela de uma árvore genealógica. A ‘comuna agrícola’ foi o primeiro agrupamento social de homens livres, não estabelecido por laços sanguíneos.


2. Na comuna agrícola, a casa e seu complemento, o curral, pertencem como propriedade particular ao cultivador. A casa comum e a habitação coletiva eram, pelo contrário, uma base econômica de comunidades mais primitivas, e isto muito tempo antes da introdução da vida pastoril ou agrícola. Certamente, encontram-se comunas agrícolas onde as casas, ainda que tenham deixado de ser lugares de habitação coletiva, mudam periodicamente de possuidores. O usufruto individual é, assim, combinado com a propriedade comum. Mas tais comunas ainda carregam sua marca de nascença: se encontram em estado de transição de uma comunidade mais arcaica para a comuna agrícola propriamente dita.


3. A terra cultivável, propriedade inalienável e comum, é dividida periodicamente entre os membros da comuna agrícola, de modo que cada um explora por conta própria os campos que lhes são atribuídos e se apropria dos frutos de modo particular. Nas comunidades mais primitivas, o trabalho é comum e o produto comum, salvo a cota-parte reservada para a reprodução, é repartido de acordo com e na medida das necessidades de consumo.


Compreende-se que o dualismo inerente à constituição da comuna agrícola pode dotá-la de uma vida vigorosa. Emancipada dos laços, fortes mas estreitos, de parentesco natural, a propriedade comum do solo e as relações sociais que derivam dela, lhe asseguram uma base sólida, ao mesmo tempo que a casa e os currais, domínio exclusivo da família individual, o cultivo parcelar e a apropriação privada de seus frutos, geram uma individualidade incompatível com (a estrutura) o organismo das comunidades mais primitivas.


Mas não é menos evidente que, com o tempo, esse mesmo dualismo possa se converter em gérmen de decomposição. Deixando de lado todas as influências malignas que lhe chegam de fora, a comuna carrega em seu próprio seio seus elementos deletérios. A propriedade de terras privada já foi introduzida na forma de uma casa com seus currais, que pode se transformar em fortaleza donde se prepararia o ataque contra a terra comum. Isso foi observado. Mas o essencial é o trabalho parcelar como fonte de apropriação privada. Ele dá lugar a acumulação de bens móveis, por exemplo, animais, dinheiro, e às vezes até escravos ou servos. Essa propriedade móvel, não controlada pela comuna, objeto de trocas individuais, onde a artimanha e os acidentes desempenham um bom papel, pesará cada vez mais sobre toda a economia rural. Eis aqui como se dissolve a igualdade econômica e social primitiva. Introduzem-se elementos heterogêneos, provocando no seio da comuna conflitos de interesses e paixões que servirão para deteriorar primeiro a propriedade comum das terras cultiváveis, e depois a das florestas, pastos, terras virgens, etc., as quais, uma vez convertidas em anexos comunais da propriedade privada, com o tempo se incorporarão a ela.


Mas, desde o primeiro rascunho, Marx admitia a possibilidade de a sociedade russa se poupar da etapa capitalista e de seus sofrimentos. Enxergava, na contemporaneidade internacional da comuna agrícola e do desenvolvimento industrial dos países capitalistas mais desenvolvidos, a condição desta possibilidade. De fato, a combinação do trabalho coletivo da terra com as técnicas mais avançadas de exploração do solo (adubos químicos, máquinas agrícolas, etc.) permitiam de início que um trabalho atingisse uma produtividade mais elevada do que aquela das empresas capitalistas no campo:


Eu respondo: porque, na Rússia, graças a uma combinação de circunstâncias únicas, a comuna rural, ainda estabelecida em escala nacional, pode gradualmente se desprender de suas características primitivas e se desenvolver diretamente como elemento da produção coletiva em escala nacional. É justamente graças à contemporaneidade da produção capitalista que ela pode se apropriar de todas as aquisições positivas da produção sem passar por suas peripécias (terríveis) tenebrosas.”


A possibilidade da Rússia queimar a etapa capitalista não é uma simples hipótese tardia de Marx. Três anos antes, ele já defendia firmemente esta ideia em uma polêmica com Mikhailovsky a esse respeito: “Eu cheguei a esse resultado: se a Rússia continuar a marchar na direção por ela seguida desde 1861, perderá a mais bela chance que a história já ofereceu a um povo para pular todas as peripécias fatais do regime capitalista”.


Enfim, prolongando a reflexão de Marx, em 1894, Engels reafirma as condições políticas de uma marcha acelerada da revolução socialista na Rússia. Se trata, antes de tudo, da combinação entre a revolução russa e uma revolução proletária em um país desenvolvido que a permitiria se beneficiar, no quadro de uma colaboração internacionalista, das mais recentes descobertas tecnológicas:


A comuna russa terá um destino diferente e melhor? Isto não pode depender dela sozinha, mas somente da circunstância de ela sobreviver com um certo vigor em um país europeu até uma época em que não seja mais principalmente a produção mercantil, mas a sua forma mais desenvolvida e última, a produção capitalista, que na Europa ocidental tenha entrado em contradição com as forças produtivas que ela própria criou; e onde essas contradições internas e os conflitos de classe que lhe correspondem a conduzem à sua ruína. Disso resulta que a comuna russa não pode sair de seu estado por si própria, mas somente em união com o proletariado industrial do Ocidente. A vitória do proletariado da Europa ocidental sobre a burguesia, a substituição – ligada a esta vitória – da produção capitalista pela produção socialmente dirigida, este é o requisito necessário para uma elevação da comuna russa ao mesmo nível.


Duas ideias-força extraem-se então desses textos:

– a ideia, ainda não sistematizada, do desenvolvimento desigual e combinado que torna possível o transcrescimento da revolução burguesa em revolução socialista;

– a ideia de que a condição deste transcrescimento é de ordem internacional, isto é, que ele reside no vínculo entre a revolução russa e uma vitória revolucionária em um país capitalista desenvolvido da Europa ocidental.


Estes serão os moldes estratégicos da revolução permanente segundo Trótski e da estratégia internacional desenvolvida por Lênin e Trótski nos primeiros congressos da Internacional Comunista. Não há nada de surpreendente nisto se considerarmos que Trótski, que conviveu durante anos em Londres com própria Vera Zassúlitch, devia estar familiarizado com as teses de Marx.


II. Da revolução russa à stalinização


O fenômeno de degeneração e de burocratização do Estado operário soviético não foi devido à maldade ou à traição deliberada por parte da direção do PCUS; ele se inscreve na contradição fundamental que deve ser superada por uma sociedade de transição temporariamente isolada no plano internacional e cujo nível de desenvolvimento continua muito inferior em relação ao das grandes potências capitalistas.


De fato, na Rússia do começo do século, a burguesía, ainda débil, e já encurralada pelo proletariado, é incapaz de se desembaraçar do Estado autocrático czarista e de sua burocracia parasitária. Assim, ela torna possível o transcrescimento da revolução democrático burguesa em uma revolução proletária. Mas a classe operária se depara, por isto mesmo, com duas tarefas simultâneas: para ter a força para acabar com a velha ordem feudal, deve se aliar à massa esmagadora de camponeses recém emancipados da servidão. É somente realizando para os camponeses as tarefas da revolução democrático burguesa – “a terra aos camponeses” – que o proletariado industrial sela sua aliança revolucionária com os mesmos.


Mas o proletariado se compromete, ao mesmo tempo, a assumir e conduzir dois processos revolucionários combinados, que se sobrepõem e às vezes se contradizem: de um lado, cumprir com as tarefas deixadas pela revolução burguesa abortada; de outro, com aquelas da própria revolução proletária. Não se trata de um problema abstrato e formal, mas sim de uma realidade social restritiva: pois é somente conservando o apoio das massas camponesas que o Estado operário pode resistir aos ataques da contrarrevolução. Trótski ressaltou claramente na História da revolução russa que os sovietes de soldados, que tiveram um papel decisivo durante a insurreição, não eram no fundo nada além de sovietes de camponeses uniformizados. O agrupamento no exército de camponeses arrancados de suas terras lhes permitiu agir coletivamente; este também foi o caso com o Oitavo Exército de Rota na China.


Distribuindo a terra aos camponeses, o proletariado acelera o desenvolvimento da propriedade privada e das relações capitalistas no campo. Assenta, assim, seu poder sobre um terreno minado, esperando no curto prazo o triunfo de uma revolução proletária em um país capitalista desenvolvido, o que lhe daria o peso social necessário para resolver a seu favor a contradição subsistente entre os dois processos desencadeados. A crise do imperialismo em guerra, a existência de uma classe operária concentrada e combativa, a presença de uma vanguarda experimentada e endurecida faziam da Rússia um elo frágil propício à vitória da revolução. Por outro lado, o isolamento ao qual a revolução russa foi confinada em decorrência das derrotas do proletariado húngaro e alemão, colocava em perigo seu futuro.


A burocratização do PCUS e do Estado soviético nesse contexto não foram decorrência de uma fatalidade nem de um complô. Ela resultou antes da desmobilização e da passividade operárias consecutivas ao derramamento de sangue da guerra civil, assim como da decepção gerada pelas dificuldades econômicas. A morte por tuberculose de Sverdlov é somente um indício das condições precárias de higiene e de saúde compartilhadas pelas grandes massas da população.


É útil, para compreender a amplitude do fenômeno, lembrar que em 1919 os efetivos do PCUS eram avaliados em 250.000 membros, dos quais somente 10% tinham mais de 40 anos e 50% tinham menos de 30 anos; somente 8% eram membros do PC antes da revolução, mas 70% ocupavam funções de autoridade no partido ou nos serviços de Estado. Em 1921, os efetivos passavam de 730.000 membros, dos quais 57% eram analfabetos!


Esse fenômeno social massivo de adesão ao partido no poder em um contexto de recuo e de isolamento internacional da revolução, de dificuldades econômicas internas e de atraso cultural, engendra tanto mais seguramente a burocracia na medida em que a vanguarda estava dizimada e os recém chegados à revolução aspiram a uma pausa e a uma vida melhor. Este lento processo é evidenciado em os Memórias de um bolchevique-leninista [1] com uma sinceridade e ingenuidade emocionantes.


Diante dessa situação, dois problemas centrais são colocados aos dirigentes soviéticos:

– resolver a tensão interna entre o mercado capitalista enraizado no campo e a planificação econômica apoiada na apropriação coletiva dos principais meios de produção;

– romper o isolamento desenvolvendo, graças à Internacional Comunista, uma estratégia revolucionária internacional.


Os dois problemas estão intimamente ligados. É evidente, por exemplo, que as soluções econômicas apresentadas pela Oposição de Esquerda não pretendiam resolver o problema da construção do socialismo em um só país. Elas permitiam dominar as contradições, em ligação com uma estratégia internacional alternativa aos zigue-zagues oportunistas da direção stalinista.


1. O primeiro governo soviético de 1917 tinha objetivos econômicos limitados; a ênfase estava sobre:

– a instauração do controle operário sobre os meios de produção, esta fase sendo concebida como uma aprendizagem indispensável ao poder operário;

– um banco nacional único;

– a abolição das dívidas com países estrangeiros;

– a nacionalização do solo e do subsolo e a distribuição da terra àqueles que trabalham nela.


Mas a intervenção estrangeira, a sabotagem da burguesia e a guerra civil impuseram medidas de urgência e precipitaram o aprofundamento da revolução. A fase de controle operário é rapidamente superada. Os bancos, o comércio e a indústria são nacionalizados. O monopólio do comércio exterior é instaurado. A planificação econômica é organizada, de início essencialmente para fins de racionamento. Essas medidas radicais são o resultado de uma economia de guerra; nascem da dinâmica de enfrentamento de classes no plano nacional e internacional, o que atropela os ritmos previstos pelos próprios bolcheviques.


É assim que se apresenta o problema que o Estado soviético e, posteriormente em condições menos dramáticas, o Estado chinês terão de enfrentar.


Em uma sociedade capitalista desenvolvida, a agricultura desempenha o papel de um setor com uma baixa composição orgânica de capital. Nesse sentido, a divisão da taxa de lucro do capital opera em sua desvantagem e favorece a acumulação de capital industrial. Essa transferência operada via mercado supõe, porém, de um lado, que a produção agrícola tenha atingido um nível de desenvolvimento suficientemente elevado para liberar um excedente que permita a liberação de uma mão-de-obra dali em diante disponível para a indústria, a alimentação das classes urbanas e a formação de um fundo de acumulação inicial; de outro lado, que o setor industrial seja forte o suficiente para responder à demanda do campo.


Mas em uma Rússia debilitada pela guerra e devastada pela guerra civil, a primeira condição só é parcialmente cumprida, e a segunda não se cumpre de modo algum. Disto resulta que a acumulação agrícola privada continua a ser superior à acumulação industrial estatizada. Este desequilíbrio comporta em si importantes processos sociais.


De fato, se os produtos da indústria socializada começam a faltar, os camponeses empresários, privados de tais produtos, vão naturalmente se dirigir ao mercado mundial para obter ali, com um melhor preço, os produtos industriais de que necessitam. Em seguida, tentarão investir no estrangeiro as poupanças que não podem colocar de uma maneira rentável no próprio país.


Assim, como no começo dos anos 20 a lenta recuperação da indústria soviética não permitia satisfazer a demanda do setor agrícola, os preços industriais cresceram vertiginosamente. Ao invés de vender seus produtos agrícolas segundo as tarifas fixadas pelo Estado, para pagar depois um alto preço nos produtos industriais, os camponeses preferiram estocar [seus produtos agrícolas], fazendo assim com que as cidades passassem fome e colocando em questão o monopólio do comércio exterior. Sua pressão, exercida nesse sentido, se fez sentir até mesmo nos quadros do partido onde, ainda enquanto Lênin vivia, Stálin se fez de porta-voz deles (cf. O último combate de Lênin, de Moshe Lewin [2]).


Duas vias principais então se abrem:


A primeira consistiria em uma baixa dos preços industriais para apaziguar o campesinato. Seria favorecida assim uma transferência de valor para o setor agrícola. Os capitais privados assim acumulados seriam drenados para o setor estatizado por meio de empréstimo e de imposto. Um fundo de investimento seria, pois, liberado com a finalidade de desenvolver a indústria, ao mesmo tempo em que a existência de uma burguesia rica lhe asseguraria uma saída. Este é o sentido do socialismo “a passo de tartaruga” e do “enriquecei-vos”, lançado por Bukharin ao campesinato.


Mas esse processo se traduz rapidamente em uma proletarização de uma parte importante do campesinato. Desse modo, no 22º Congresso do PCUS, em 1924, Kamenev já estimava que 8% das fazendas, agrupando 14% dos camponeses, detinham 25% do gado e 34% das terras cultivadas. Em 1926, apenas dois anos depois, 4% das fazendas detinham 50% das máquinas agrícolas.


Esse agravamento das desigualdades sociais se desenvolve tanto mais rápido quanto as operações de partilha e distribuição de terras, dada a debilidade do aparelho de Estado e a mobilização desigual da população, não tinham sido sempre equânimes. A diferenciação social no campo tende então à reconstituição de uma burguesia rural, e a luta pela abolição do monopólio do comércio exterior constitui um de seus objetivos mais importantes.


A outra via consistiria em realizar uma entrada forçada no setor agrícola, no marco de uma planificação econômica central, assegurando um ritmo de industrialização rápida, indispensável para permitir uma coletivização da terra em condições favoráveis.


2. É na matriz desta contradição que se inscrevem os zigue-zagues da burocracia stalinista.


De 1923 a 1927, os kulaks se reafirmam e fazem valer suas exigências. Já em 1923, eles tinham deixado cidades famintas ao se recusarem a entregar seus produtos. Uma nova greve de entregas durante o inverno de 1927 ameaçava o equilíbrio sobre o qual se assentava a burocracia de Estado. Para sobreviver e se manter, esta última teve então que romper com o kulak que ela havia dirigido e favorecido (em particular com a política internacional direitista do comitê anglo-russo da revolução chinesa em 1926-1927).


Diante dos kulaks que haviam se tornado perigosos se desenha a virada à esquerda da burocracia soviética. É a pontapé inicial do terceiro período da Internacional Comunista (IC). No plano interno, a coletivização forçada da terra e a industrialização acelerada. Mas uma coletivização operada nas piores condições; a industrialização lenta do período anterior não permite dar aos camponeses os adubos e as máquinas agrícolas capazes de os convencer da superioridade e das vantagens da agricultura coletivista em grandes superfícies. Daí a resistência dos camponeses, e não somente dos kulaks, e a destruição do rebanho e das colheitas. Para realizar uma tal golpe de força contra o campesinato, a burocracia teve que procurar um novo equilíbrio e uma nova base de apoio: ela vai encontrá-los na constituição de uma elite operária privilegiada selecionada através do movimento stakhanovista.


Mas tal reorientação brutal e tipicamente burocrática, ao mesmo tempo que destrói a ascensão do kulak, rompe a aliança do proletariado e do campesinato e abre uma ferida durável no flanco da sociedade soviética.


No início dos anos quarenta, a guerra dá ao campesinato a oportunidade para uma revanche temporária. Com aparelho de Estado mobilizado para o esforço militar, o campesinato pode, por um tipo de chantagem no abastecimento alimentar, reconquistar uma posição social forte: os mercados rurais se desenvolvem, as kolkhozes enriquecem esperando que o retorno da paz permita à burocracia central uma retomada do controle.


Esses ziguezagues burocráticos ilustram o laço constringente do político e do econômico na sociedade de transição. Se o nível de vida das massas abaixa, a produtividade do trabalho também tenderá a abaixar, a menos que esta seja mantida graças aos meios de constrangimento que multiplicam os gastos improdutivos (exército, policia, hierarquia burocrática). A economia de transição só pode dar prova de uma superioridade convincente se ela visar um desenvolvimento ótimo, não um desenvolvimento máximo; isto é, especialmente se, por um desenvolvimento harmoniosamente combinado da agricultura, da indústria pesada e da indústria leve, faz com que a compreensão e a mobilização das massas seja um fator consciente desse desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento ótimo é fundamentalmente antagônico aos interesses da burocracia na medida em que supõe a capacidade do Plano de registrar e sintetizar as necessidades efetivas da população, o que implica evidentemente uma democracia política e econômica tal que os trabalhadores possam apresentar suas vontades, participar das escolhas fundamentais e assumir voluntariamente a sua realização.


Notas [1] Mémoires d’un bolchevique-léniniste, éditions Maspero, collection Livre “Rouge”. [2] Le Dernier Combat de Lénine, de Moshe Lewin, préface de Daniel Bensaïd, éditions de Minuit, 1978.

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