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A Revolução Alemã - prefácio (Pierre Broué)


A Revolução Alemã

Pierre Broué


Tradução: Vânia Freitas

Revisão: Nina Basílio


Prefácio


Em 1970, no grande auditório do Museu Politécnico de Moscou, uma das cidades mais importantes dos Estados Socialistas Unidos da Europa, estava sendo ministrada uma palestra sobre a Revolução Russa, a qual abriu caminho para a vitória do socialismo na Europa. O professor tinha acabado de lembrar as difíceis condições das lutas nos primeiros anos do Estado Soviético, os obstáculos criados pela natureza rural e atrasada do país, além do isolamento inicial. Ele explicou:


"Se a revolução no Ocidente tivesse demorado mais tempo, essa situação teria levado a uma violenta guerra socialista por parte da Rússia, apoiada pelo proletariado europeu, contra o capitalismo ocidental. Isso só não aconteceu porque, a essa altura, a revolução proletária já estava batendo à porta devido ao seu próprio desenvolvimento interno." [1]


Após um longo período de casos de duplo poder, principalmente na Alemanha, a tomada do poder por conselhos de trabalhadores em diversos centros industriais deu sinal para uma dolorosa guerra civil, da qual os trabalhadores alemães saíram vitoriosos. Mas essa vitória desencadeou um ataque por parte dos governos capitalistas da França e Polônia. O Exército Vermelho da União Soviética respondeu, enquanto os regimentos imperialistas, minados internamente pela propaganda revolucionária, derreteram-se no fogo da Revolução Alemã. Agora era a vez dos trabalhadores franceses e poloneses se levantarem. A Revolução Europeia triunfou, e os Estados Socialistas Unidos da Europa foram estabelecidos. O palestrante concluiu:


"A Nova Europa Soviética abriu uma nova página no desenvolvimento econômico. A técnica industrial da Alemanha se uniu com a agricultura russa, havendo um rápido desenvolvimento no território europeu, consolidando um novo organismo econômico, o que revelou grandes possibilidades e um poderoso avanço na expansão das forças produtivas. Associado a isso, a Rússia Soviética, que havia superado a Europa politicamente, agora, modestamente, assumia o lugar de um país economicamente atrasado em relação aos países de industrialização avançada da ditadura do proletariado." [2]


Em 1922, o jovem líder comunista Preobrajenski imaginou que seria desse modo, meio século depois, que uma nova geração seria ensinada a respeito dos desdobramentos dos últimos conflitos, cujos primeiros momentos seus contemporâneos estavam vivenciando. Não passou de uma visão do futuro apresentada sob a forma de ficção literária. Contudo, um ano depois, um dos principais líderes da Rússia Soviética, o presidente da Internacional Comunista, Grigori Zinoviev, escreveu no Pravda, o órgão de imprensa oficial do Partido Comunista Russo, uma série de artigos sobre a próxima Revolução Alemã:


"Os eventos alemães estão se encaminhando com a inexorabilidade do destino. O caminho que a Revolução Russa levou doze anos para percorrer, de 1906 a 1917, terá sido percorrido pela Revolução Alemã em cinco anos, de 1918 a 1923. Nos últimos dias, houve uma aceleração nos acontecimentos. Primeiro, a “coalizão”, depois “grande coligação”, logo em seguida, o episódio do Kornilov, o gabinete dos especialistas, das personalidades, e, agora, uma vez mais, outra “grande coalizão” – em um curto espaço de tempo, um turbilhão interminável de governos. Isso era o que estava acontecendo “em cima”. Mas, “embaixo”, as massas estão extremamente inflamadas, e a luta que, em curto período de tempo, decidirá o futuro da Alemanha, está prestes a começar. A revolução proletária está batendo às portas da Alemanha, só um cego não consegue ver. Os próximos acontecimentos terão um grande impacto na história mundial. Muito em breve, todos verão que este outono de 1923 é um divisor de águas, não somente para a história da Alemanha, mas para a história mundial. Com as mãos trêmulas, o proletariado está assumindo um papel vital na luta dos trabalhadores do mundo inteiro. Um novo capítulo na história da revolução proletária mundial está se abrindo." [3]


O presidente da Internacional continuou:


"O ponto-chave é que a Revolução Alemã terá uma poderosa base industrial […] Nesse sentido, as palavras de Lênin se sustentam: “Na Europa Ocidental”, ele disse, “e, acima de tudo, em países como a Alemanha, por exemplo, será muito mais difícil iniciar uma revolução proletária do que na Rússia. No entanto, será muito mais fácil desenvolvê-la e completá-la”. [...] O proletariado alemão não corre o risco de tomar o poder prematuramente. As condições para a vitória da revolução proletária na Alemanha já são oportunas […] A Revolução Alemã contará com a plena assistência da experiência russa, e não incorrerá nos mesmos erros cometidos pela Revolução Russa […] No entanto, ainda não podemos ter nenhuma ideia a respeito da maravilhosa energia que 20 milhões de proletários alemães fortalecidos, educados e organizados poderão empenhar na luta final pelo socialismo." [4]


Lênin e seus camaradas do Partido Bolchevique lideraram a revolução na Rússia, a qual, segundo eles, foi apenas uma luta da vanguarda. Mas o principal conflito não aconteceu, e a vanguarda da Rússia permaneceu isolada. A Revolução Alemã - a fase decisiva para todos os revolucionários na época - finalmente falhou, depois de cinco anos de altos e baixos.


Desde aquela época, muitos pensadores tiraram suas próprias conclusões, de acordo com suas políticas e ideologias; alguns enfatizaram as superiores qualidades revolucionárias do povo russo, o novo Messias; outros descobriram profundos sentimentos democráticos - ou, ao contrário, a militarização congênita - do povo alemão; e todos perceberam as ilusões dos utópicos que acreditavam que poderiam transplantar para um país ocidental, no coração de uma sociedade avançada, a experiência da Revolução de Outubro da Rússia.


Escrevendo na véspera da Segunda Guerra Mundial, um eminente germanista julgou que a abortada Revolução Alemã consistiu em “nada mais do que um intervalo perturbador cuja causa poderia ter sido descoberta na crise temporária de um desequilíbrio nervoso gerado pelas privações oriundas da guerra, e o colapso físico resultante da derrota do Reich”. [5] Outros tentaram explicar a Comuna de Paris pelo que chamaram de “a psicose em massa dos sitiados”. Mas esse autor, aparentemente engajado em um ideal democrático, apresentou uma explicação política mais específica com relação à falha da revolução:


"Rapidamente, os trabalhadores alemães organizados entenderam a diferença fundamental que distingue a Alemanha da Rússia e previram a terrível catástrofe que aconteceria na Alemanha, uma terra cuja indústria era desenvolvida e cientificamente organizada, pelo estabelecimento radical e repentino do comunismo, como aconteceu na Rússia." [6]


Parece oportuno relembrar esses comentários na medida em que, de fato, a revolução na Alemanha foi substituída por uma contrarrevolução, a qual, alguns anos depois, sob o nome de hitlerismo, tomaria o mundo de assalto com uma série de ataques bárbaros que nos fazem perguntar a que outra “catástrofe” poderia ser comparada, até mesmo por um “trabalhador organizado”! Encontraremos, no decorrer de nossas páginas, os homens dessa contrarrevolução: Faupel, o oficial que ludibriou os delegados dos conselhos dos soldados e que, vinte anos depois, comandaria a Legião Condor na Espanha; Canaris, oficial da marinha que auxiliou na fuga de um dos assassinos de Rosa Luxemburgo e, vinte anos depois, comandaria o Abwehr [serviço de informação do exército alemão]; o oficial político, o poderoso por detrás dos generais mais conhecidos, major Kurt von Schleicher, breve chanceler em 1932; além de Adolf Hitler e Hermann Goering, Krupp, Thyssen e I.G. Farben [grandes empresas alemãs que apoiaram política e economicamente o partido nazista e seu governo]. A batalha travada na Alemanha entre 1918 e 1923 moldou nosso passado e, sem dúvida, pesa sobre o nosso presente. Também preocupa nosso futuro. Na Alemanha revolucionária, durante o período de 1918 a 1923, os combates não eram apenas lutas de rua ou estrondos diários nas barricadas; não se tratava apenas de metralhadoras, morteiros ou lança-chamas. Mas também, acima de tudo, de lutas ocultas que aconteciam em fábricas, minas, centros comunitários, sindicatos e partidos, em reuniões e comitês públicos, greves políticas e econômicas, em manifestações de rua, debates teóricos e polêmicas. Foi uma luta de classes e, sobretudo, uma guerra dentro da classe trabalhadora; o que estava em jogo era a construção de um partido revolucionário alemão e mundial totalmente determinado a transformar o mundo. O caminho para alcançar esse objetivo não é reto, simples ou fácil de entender. Entre “ultraesquerdismo” e “oportunismo”, entre “sectarismo” e “revisionismo”, entre “ativismo” e “passividade”, os revolucionários alemães trabalharam muito, e em vão, para traçar seus caminhos para o futuro e para descobrir, ora por meio de suas próprias experiências negativas, ora pelos exemplos de sucesso de seus camaradas russos, os meios para garantir a tomada do poder pela classe trabalhadora de seu país.


Muitos dos documentos-chave de que precisávamos para esclarecer essa tentativa estavam incompletos: por razões políticas, nos foi negado acesso a esses arquivos. Porque o menor dos problemas colocados aqui não é, nesta história do nascimento abortado de um partido comunista de “massa”, o papel desempenhado pela Internacional Comunista e, dentro dela, pelo Partido Bolchevique no poder na Rússia.


Notas

[1] E. Preobrajenski, From NEP to Socialism, London, 1973, p. 99.

[2] Ibid., p. 123.

[3] G. Sinowjew (G. Zinoviev), Probleme der Deutschen Revolution, Hamburg, 1923, pp. 1–2.

[4] Ibid., pp. 7–11.

[5] H. Lichtenberger, L’Allemagne nouvelle, 1936, p. 12.

[6] Ibid., pp. 11–12.

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