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Reflexões sobre a história e o futuro do leninismo (Paul Le Blanc)




Organizando para o socialismo do século 21

Reflexões sobre a história e o futuro do leninismo[1]

(2013)

Paul Le Blanc

Tradução de Pedro Barbosa

O seguinte texto foi apresentado por Paul Le Blanc no seminário “Organizando para o socialismo do século 21”, ocorrido em Sydney (Austrália) no dia 08 de junho de 2013. O seminário foi organizado pela “Socialist Alliance” (Aliança Socialista). Le Blanc também participou de encontros em Wollongong, Melbourne e Adelaide. Um vídeo da apresentação pode ser visto em http://links.org.au/node/3396.


Mais de Paul Le Blanc pode ser encontrado aqui: http://links.org.au/taxonomy/term/579


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Na primeira parte destes comentários, eu gostaria de explicar, antes de tudo, porque vale a pena falar sobre leninismo, não só para entender um pouco do que aconteceu na história, mas também para ajudar a mudar o mundo no aqui e agora neste início do século 21. Quero explicar o que eu entendo pelo termo leninismo, depois tocar em várias controvérsias históricas que podem jogar luz sobre como fazer uso dessa tradição em nosso trabalho político atual. Na segunda parte de meus comentários, eu apresentarei reflexões sobre formas de aplicar e contribuir para a tradição leninista em nossos esforços práticos para o próximo período.



O significado e o valor do leninismo


Neste período particular de radicalização e agitação, enquanto ativistas estão engajados em categorizar através de suas próprias experiências, colhendo mais informações a respeito das realidades relacionadas com tais experiências, e em se confrontar com as ideias e exemplos de revolucionários que nos precederam, uma séria confrontação com a tradição leninista é inevitável.


Isto não porque este revolucionário, morto há muito tempo, possa nos dizer tudo o que precisamos saber sobre construir uma organização, um movimento e um conjunto de lutas capazes de fazer uma revolução. Lênin e seus camaradas viveram em um tempo muito diferente, trabalharam em um contexto político, tecnológico e cultural que era dramaticamente diferente do nosso, e também Lênin compreendeu equivocadamente coisas importantes – cometendo erros dos quais, diferente de nós, ele não pode mais aprender.


Uma séria confrontação com o leninismo é inevitável para ativistas sérios porque Lênin e seus camaradas desenvolveram um corpo de pensamento e experiência incrivelmente ricos enquanto encaravam a opressão, a destruição e a violência do capitalismo, e esse pensamento e experiência tiveram um impacto poderoso – por um tempo – em ajudar os trabalhadores e os oprimidos a conquistar importantes vitórias. O capitalismo continua a existir, a classe trabalhadora continua a existir, várias formas de opressão, destruição e violência capitalistas continuam a existir. É disso que se tratam o movimento Occupy, a primavera árabe, as rebeliões anti-austeridade e outras insurgências de nosso tempo. Portanto, faz sentido considerar o que a tradição leninista pode oferecer.


Se tornou comum entre alguns na esquerda contrastar o próprio pensamento de Lênin com o que veio a ser conhecido como “leninismo” – e eu gostaria de gastar alguns minutos para falar o por quê não aceito isso.


É claro, existe mais de uma versão de “leninismo”. No clássico influente de Josef Stálin, de 1924, Os fundamentos do leninismo, nos é dito que “o leninismo é o marxismo na era do imperialismo e da revolução proletária”. O que significa, se você deseja ser um marxista genuíno, você não pode questionar mas somente adotar as ideias de Lênin. Vale contrastar essa formulação totalitária com outras formulações bem diferentes de outros três camaradas proeminentes de Lênin: Nikolai Bukharin, Gregory Zinoviev e Leon Trótski. Em sua valiosa biografia de Stálin, Robert C. Tucker indica que Bukharin e Zinoviev se referem ao leninismo como a recuperação, feita por Lênin, da orientação revolucionária de Marx ou sua aplicação das ideias de Marx às realidades russas. Trótski vai até o ponto de alertar que – como Tucker parafraseia – “uma dogmatização de Lênin era contrária o essencialmente não doutrinário, inovativo e crítico espírito do leninismo”. Em contraste, a formulação de Stálin de que “o leninismo é o marxismo” apresenta o pensamento de Lênin como o único verdadeiro marxismo que não poderia ser questionado. Seu panfleto de 1924 fornece uma sistematização condensada que era “catequizadora no estilo e autoritária no tom”, como Tucker habilmente nota.


Relacionado a isso, vale lembrar um ensaio muito refinado de 1977 intitulado “Stálin, Lênin e ‘leninismo’”, de Valentino Gerratana (um excepcional acadêmico que realizou um importante trabalho sobre o marxista italiano Antonio Gramsci), que enfatizava que “enquanto ele ainda estava vivo, Lênin não era venerado como uma fonte de autoridade – mesmo que ele possuísse uma autoridade pessoal considerável”, derivada da qualidade de seu pensamento e de sua prática política. A construção de um “leninismo” artificial como uma fonte de autoridade (que não poderia ser questionada e que então empoderava fortemente aqueles que alegavam representá-la) foi levada a cabo com maior sucesso e destrutividade por Stálin, cuja ditadura destruiu o leninismo sob a bandeira do leninismo, para parafrasear o que um de seus críticos mais ferozes, o comunista dissidente M. N. Riutin, escreveu no início dos anos de 1930. Gerratana refletiu:


“A redução do pensamento de Lênin a uma forma sistemática e concentrada, e a construção de um sistema teórico acabado, envolveu não somente a exclusão de tudo o que foi considerado acidental para o desenvolvimento de seu pensamento, mas também a separação entre o resultado final e o processo que o gerou – de oscilações, aproximações, erros e correções essenciais ao processo em si. Além disso, deveria ser reconhecido que o processo permaneceu incompleto, e foi rapidamente cortado em um momento de profunda tensão intelectual, quando Lênin estava procurando com dificuldade por um novo caminho a seguir. Assim, todo o projeto de seus sucessores [que construíram esse ‘leninismo’ artificial] foi desde o princípio baseado em uma mistificação.”


Lênin foi influenciado por outros pensadores. Ele era uma parte, em muito, do que Lars Lih chamou de “o melhor do marxismo da Segunda Internacional”. O assim chamado “leninismo” de dogmas fechados e acabados era incompatível com toda a abordagem de Lênin à política. Mas pode-se argumentar que ele ajudou a gerar uma abordagem política e um corpo de pensamento distintivos – para ser breve, o que poderia ser chamado de um genuíno leninismo – aos quais vale dar atenção.


O ponto de partida bastante não original de Lênin (compartilhado com Karl Marx, Karl Kautsky, Rosa Luxemburgo e outros) é uma convicção na necessária interconexão entre a teoria e prática socialistas com a classe trabalhadora e o movimento operário. A classe trabalhadora não pode defender adequadamente os seus interesses reais e superar a sua opressão, em sua visão, sem abraçar o objetivo do socialismo – um sistema econômico no qual a economia é de propriedade social e controlada democraticamente para atender às necessidades de todo o povo.


Essa orientação fundamental é a base para a maior parte do que Lênin tinha para dizer, o que tomado de conjunto constitui o “leninismo” de Lênin. O escopo de seu pensamento político é algo que eu tentei transmitir em minha coleção de seus escritos intitulada “Revolução, Democracia, Socialismo” [“Revolution, Democracy, Socialism”, Pluto Press, 2008]. Engloba vários aspectos do movimento operário: consciência de classe e cultura, sindicatos, movimentos sociais por reformas, a relação entre reforma e revolução, lutas eleitorais, dinâmicas de construção partidária, coalizões de frente única, alianças de classe (especialmente a aliança operário-camponesa), a interação entre lutas democráticas e socialistas, questões de nacionalismo e imperialismo, modos de utilização da teoria marxista, entre outros aspectos…


Em certos pontos, a utilização do marxismo, feita por Lênin, era diferente de parte daquilo que se passou por marxismo entre uma maioria dos socialistas do mundo por volta de 1919, quando a Internacional Comunista foi formada. O que distinguia os bolcheviques de Lênin de muitos outros era uma recusa a fazer certos compromissos, tanto com políticos capitalistas quanto com burocracias operárias, e uma determinação de seguir adiante e até o fim as implicações da orientação marxista revolucionária tal como expresso nos escritos de Lênin. Isto sugere que existia um elemento decisivo de diferença, quando tudo havia sido dito e feito, entre o tipo de partido do qual Kautsky era um membro na Alemanha (o Partido Social-Democrata) e o tipo de partido que Lênin e seus camaradas estavam efetivamente construindo na Rússia. Ao mesmo tempo, como enfatizaram Neil Harding, Lars Lih, August Nimtz e outros, o pensamento de Lênin pode ser compreendido de maneira mais frutífera em continuidade com o de Marx. Como disse uma vez o socialista-reformista alemão Eduard Bernstein ao filósofo Sidney Hook: “Você sabe, Marx tinha um forte traço bolchevique!”


Outro ponto-chave é que as ideias e esforços políticos práticos de Lênin não podem ser compreendidos adequadamente fora do contexto de seus camaradas e co-pensadores. Vai contra a índole do método do próprio Lênin, e contra o que efetivamente aconteceu na história, apresentar Lênin não como um entre um diverso conjunto de camaradas competentes, mas como o único representante autorizado do verdadeiro marxismo. Por mais que se possa sustentar que Lênin era o primeiro dentre seus iguais, é total e simplesmente errado ser negativo com relação a seus camaradas no sentido de considerá-los como um conjunto de homens e mulheres que só diziam “sim, senhor”, ou como um bando inadequado que nunca esteve à altura. Um problema de muitos de nós na tradição trotskista é uma tendência a ver outros bolcheviques proeminentes simplesmente como trapalhões – eles erraram, eles se enganaram, eles fracassaram em permanecer fiéis ao brilho de seu pretenso mentor.


Pensar que uma revolução pode realmente ser compreendida deste modo, e pensar que uma organização revolucionária efetiva pode ser construída de acordo com tal modelo, é altamente problemático.


Dois dos bodes expiatórios favoritos daqueles que desejam elevar Lênin acima de seus seguidores são Gregory Zinoviev e Lev Kamenev. Lars Lih possui a distinção de estar na vanguarda daqueles inclinados a ir contra a dispensa destes dois camaradas próximos de Lênin. Sua defesa de Zinoviev é apresentada em um volume editado com Ben Lewis, Zinoviev and Martov: head to head in Halle, no qual (quase acrítico com relação a Zinoviev) ele diz: “Dois comentários do [proeminente bolchevique Anatoly] Lunacharsky me parecem tocar no ponto certo: ele chamou Zinoviev de “uma pessoa que tinha profunda compreensão da essência do bolchevismo” e que era “romanticamente” devota ao partido. Lars acrescentou que Zinoviev era “alguém que estava sob o feitiço do drama leninista da hegemonia [proletária], porém com uma decidida tendência populista”. Isto não para sugerir que Zinoviev estivesse livre de erros sérios, alguns dos quais foram destacados por revolucionários que trabalharam com ele – Alfred Rosmer, Victor Serge, Angelica Balabanoff e outros – mas ele em si era um revolucionário que era mais do que simplesmente a soma de seus erros.


Lars também se colocou ao lado de Lev Kamenev, o alvo da crítica de Lênin que apontava um “velho bolchevismo” presumivelmente ossificado em 1917. Alguns anos atrás, ele apresentou outro de seus ensaios provocativos, “O triunfo irônico do velho bolchevismo: os debates de abril de 1917 em contexto”, no jornal Russian History. Lars desafia a história padrão segundo a qual Lênin teria reorientado o partido bolchevique em preparação para a revolução de outubro, escrevendo que “Kamenev parece acreditar que venceu o debate com Lênin em abril de 1917”, e Lars sugere que Kamenev estava certo. Não é necessário concordar com esta reinterpretação do debate de abril de 1917 para apreciar sua contribuição positiva.


Eu sou mais atraído pelas interpretações de Lênin fornecidas nas memórias de uma testemunha ocular, camarada íntima de Lênin e companheira devota, Nadezhda Krupskaya, uma revolucionária inteligente em seu próprio direito. Em suas “Reminiscências de Lênin” [Reminiscences of Lenin], Krupskaya cita Lênin para indicar seu ponto de vista no início de 1917: “Sem dúvida, esta revolução porvir só pode ser uma revolução proletária, e em um sentido ainda mais profundo da palavra: uma revolução proletária socialista. Esta revolução porvir mostrará em um grau ainda maior, por um lado, que somente batalhas implacáveis, somente guerras civis, podem libertar a humanidade do jugo do capital; por outro lado, que somente proletários com consciência de classe podem e irão fornecer a direção para a vasta maioria dos explorados”.


Krupskaya descreveu a apresentação das Teses de abril deste modo: “Lênin expôs sua visão a respeito do que deveria ser feito em um número de teses. Nestas teses, ele avaliou a situação e claramente explicou os objetivos que deveriam ser perseguidos e os caminhos que deveriam ser seguidos para atingi-los. Os camaradas ficaram desconcertados naquele momento. Muitos deles pensaram que Ilyich estava apresentando o caso de uma maneira muito grosseira, e que era muito cedo para falar de uma revolução socialista”. Ela observa que as teses de Lênin foram publicadas no jornal bolchevique Pravda, acompanhadas de uma polêmica por parte de Kamenev “na qual ele se dissociava de tais teses. O artigo de Kamenev dizia que elas eram expressão das visões pessoais de Lênin, que nem o Pravda e nem o Bureau do Comitê Central compartilhavam-nas. Não foram estas teses de Lênin que os delegados bolcheviques aceitaram, mas aquelas do Bureau do Comitê Central, alegava Kamenev”.


Krupskaya concluiu: “Uma luta se iniciou dentro da organização bolchevique. Ela não durou muito”. Dentro de uma semana, a posição de Lênin foi apoiada pela maioria dos bolcheviques. Este relato é similar ao que se encontra nos relatos de outras testemunhas oculares – os mencheviques Nikolai Sukhanov e Raphael Abramovitch, a menchevique que se tornou bolchevique Alexandra Kollontai e o bolchevique que se tornou menchevique W. S. Woytinsky.


Existem três fatos extremamente importantes que emergem, no entanto, da explicação de Lars Lih. Em primeiro lugar, Lênin não se sentia restringido por alguma noção rígida de “centralismo democrático”, no sentido de precisar se abster de expressar suas próprias visões quando elas estavam em contradição com aquelas da direção formal do partido revolucionário ao qual ele pertencia. Para Lênin, os princípios revolucionários sempre triunfam sobre a harmonia organizativa, e este era um elemento essencial de sua concepção de centralismo democrático e de organização revolucionário.


Em segundo lugar, um debate aberto entre camaradas nas páginas do jornal do partido não era de modo algum algo alheio ao leninismo dos jovens bolcheviques. Em um artigo recente, Lars cita uma história do partido bolchevique escrita em 1925 por um organizador bolchevique veterano, Vladimir Nevsky, que nos conta que o centralismo democrático representava “democracia completa”, explicando que em 1917 “a organização dos bolcheviques viveu totalmente a vida de uma organização proletária democrática genuína”, com “discussão livre, uma viva troca de opiniões”, ocorrendo na “ausência de qualquer atitude burocrática de terminar as discussões – em um palavra, a participação ativa de enfaticamente todos os membros nas questões da organização”.


Em terceiro lugar, temos que o “velho bolchevismo” que Kamenev defendia havia sido uma orientação desenvolvida coletivamente, a posição comum de Lênin e dos camaradas bolcheviques dos quais ele agora discordava. Tanto a ala bolchevique quanto a menchevique do socialismo russo havia enxergado a revolução russa como “democrático-burguesa” – preliminar à futura transição ao socialismo. Mas em 1917, não menos do que antes, a política de todos os bolcheviques estava embasada em uma orientação militante de luta de classes, distinta da posição pela aliança operário-capitalista dos mencheviques, projetando uma intransigente aliança operário-camponesa. Esta base comum entre o “velho bolchevismo” e as Teses de abril, enraizada na política desenvolvida coletivamente durante um período de anos (não a ofuscante autoridade revolucionária do Líder Inquestionável), foi o que fez ser relativamente fácil para Lênin vencer o debate tão rapidamente em 1917.


Internacional Comunista


Há outro aspecto do leninismo, frequentemente levantado como um traço verdadeiramente negativo a ser evitado por ativistas sérios de hoje. Trata-se do sectarismo extremo e intolerante que se pressupõe ter estado no centro do coração da Internacional Comunista que Lênin e seus camaradas fundaram, da qual Gregory Zinoviev foi o presidente de 1919 a 1926. Às vezes, críticos da forma que o leninismo adquiriu neste período a denunciam como “zinovievismo”. Parte do que se denuncia, no entanto, pode ser mais justamente colocado na porta de Lênin – em particular as “Vinte e uma condições” para a filiação à Internacional Comunista.


Adotado no Segundo Congresso da Comintern [Internacional Comunista], este documento começou com uma importante explicação. A popularidade inicial da revolução russa e da Internacional Comunista, entre trabalhadores em radicalização em vários países, atraiu alguns partidos que não estavam efetivamente de acordo com o programa marxista revolucionário da nova Internacional, particularmente alguns ainda dirigidos por lideranças reformistas ou semi-reformistas intimamente associadas com a Segunda Internacional. Isto significava que a Comintern “está sob o perigo de ser diluída por grupos vacilantes e irresolutos que ainda não romperam com a ideologia da Segunda Internacional”. Esta ideologia havia levado a uma capitulação geral diante do massacre imperialista da 1ª Guerra Mundial e à supressão de revolucionários do interior de várias organizações.


As condições incrivelmente rígidas concebidas para prevenir a possibilidade de tal diluição reformista excluíam explicitamente qualquer consideração de participação como membro na Comintern para conhecidos socialistas-reformistas, insistindo na necessidade de se aderir aos princípios comunistas e às perspectivas organizativas, sem a permissão de nenhum laço organizativo com os partidos e sindicatos associados à Segunda Internacional.


Isto é utilizado por alguns críticos para descartar Lênin e a Comintern como autoritários e destrutivos. Uma tal abordagem a-histórica, no entanto, não somente ignora o contexto histórico específico que deu causa à adoção das “Vinte e uma condições”, mas nos incita a descartar os esforços de incontáveis revolucionários que fizeram a jovem Internacional Comunista uma realidade vívida. Um exame sério do imenso e multi-volume trabalho sobre tal entidade, feito por John Riddell e seus colegas – o que inclui contribuições consideráveis sobre superação do sectarismo construção de frentes únicas, etc. – sugere a superficialidade de uma tal abordagem.


Isto não significa insistir que todos os aspectos das vinte e uma condições devem ser aceitos, ou que nenhum deles é criticável. Para iniciar uma crítica séria, no entanto, também faz sentido levar a sério as razões apresentadas para a sua adoção – razões que naquele momento particular da história talvez tenham tido maior validade do que alguns críticos admitem.


Isto nos leva a um aspecto final. Nós estamos incrivelmente distantes das realidades específicas da Internacional Comunista ou da Internacional Socialista ou mesmo da Associação Internacional de Trabalhadores, de Karl Marx. Em alguns sentidos, nós estamos muito à frente de qualquer uma delas – mas, em sentidos muito importantes, socialistas destas três primeiras internacionais operárias estiveram muito à frente de nós. Há muito a se aprender a partir da tradição leninista. Mas deve-se utilizá-la criticamente e de maneira criativa, para que ela faça sentido em nosso contexto e período particulares. Isto acaba sendo central para o método de Lênin.


Internacionalismo em nosso próprio tempo Eu agora irei me dirigir, nesta segunda parte de meus comentários, a reflexões sobre como nós podemos utilizar e contribuir para a tradição leninista enquanto lutamos pelo socialismo no século vinte e um. Eu dei uma apresentação em Londres, no ano passado, sobre as minhas reflexões a respeito do que penso que será necessário para se prosseguir de maneira frutífera com o processo de construção de um partido revolucionário nos Estados Unidos. O que eu disse então ainda faz sentido para mim, mas uma das camaradas lá fez uma crítica excelente. Meus comentários envolviam uma imersão nas realidades específicas dos Estados Unidos – e ainda acredito que o que fazemos deve estar embasado nas realidades locais e especificidades nacionais das quais somos parte. Mas ela observou que a dimensão internacional estava em grande parte em falta, e eu tive de concordar com ela que isto era uma séria fraqueza. Havia referências a se opor à guerra e ao imperialismo, mas era basicamente isso. Para marxistas sérios, no entanto, internacionalismo sempre envolveu mais do que isso – e também envolveu muito mais do que solidariedade simplesmente retórica com as lutas dos trabalhadores e oprimidos de todos os países. Significa especialmente basear nossa política nacionalmente específica em uma compreensão do que está acontecendo com o capitalismo enquanto um sistema global, e em interações criativas com irmãs e irmãos lutando contra a opressão e por justiça econômica através do mundo. Lutas, vitórias e derrotas em um lugar impactam sobre as lutas em outros lugares. Experiências daqueles que lutam em outros países podem não somente nos inspirar, mas fornecer inestimáveis “insights” [ideias luminosas] a respeito do que nós podemos fazer em seguida em nossos próprios contextos. Isto era verdadeiro no tempo de Lênin, como refletido, por exemplo, na impressionante recuperação multi-volume, que John Riddell e seus companheiros de trabalho estão tornando disponíveis para nós, dos materiais relacionados à jovem Internacional Comunista. Isto é ainda mais verdadeiro em nossa tão vangloriada era da globalização, na qual a organização e a solidariedade da classe trabalhadora através das fronteiras fornecerá indubitavelmente a chave para estratégias vitoriosas tanto em nossos esforços de curto prazo quanto nos de longo prazo para repelir a tirania capitalista e finalmente encerrá-la. Revolucionários australianos têm feito contribuições atuais para o desenvolvimento de tal internacionalismo, através de conferências como esta e especialmente através do excelente serviço fornecido online com o Links International Journal of Socialist Renewal. O Fórum Social Mundial, ao menos em seus anos iniciais, também foi parte deste processo global de radicalização. Contribuições vitais também vieram da proliferação dramática de compartilhamento de informações e comunicação a nível mundial através da internet. Grupos revolucionários sérios em todos os países, me parece, precisam encontrar modos de aprimorar tal envolvimento virtual e cara-a-cara, para fortalecer o processo cooperativo de avançar nossas lutas de libertação inter-relacionadas. O internacionalismo revolucionário deve ser mais do que um slogan, deve envolver uma colaboração e atividades que são centrais para nossos esforços. De pequenos grupos a partidos de massa

Muitos revolucionários se deparam com o desafio de como pequenos grupos socialistas podem contribuir com a construção [give way to] partidos socialistas de massa e movimentos de massa. Parte nós concluiu que é erro fatal para um pequeno grupo se enxergar como o núcleo ou o embrião de um partido revolucionário de massa. Tal partido irá, na verdade, ser construído através da convergência de elementos de vários grupos, assim como de várias pessoas que não estão no presente em nenhum grupo, e mais ainda que não se pensam atualmente sequer como socialistas. Se cristalizará através de inúmeras experiências e lutas, combinadas com uma ampla subcultura trabalhadora-radical de ideias, discussões e atividades criativas. A criação de partido revolucionário genuíno, consistente com a orientação do próprio Lênin, só pode se realizar sobre a base de uma porção substancial de uma ampla e com consciência de classe camada de vanguarda da classe trabalhadora. Uma de nossas tarefas principais, enquanto socialistas revolucionários, é fazer tudo o que pudermos – através de lutas de massa, educação socialista, trabalho coletivo – para contribuir para a cristalização de tal camada de vanguarda, uma camada que será a base para um partido revolucionário de massa. É obviamente importante para os pequenos grupos socialistas existentes trabalhar junto, ao máximo que puderem, para avançar com este processo – um processo que irá fazer com que eles deixem de existir ao se fundirem em um partido revolucionário maior que virá a se formar. Às vezes existe tamanha coincidência substancial entre os princípios básicos de diferentes grupos que faz sentido para eles se tornarem um único e maior grupo enquanto trabalham para ajudar a criar as pré-condições de um partido revolucionário de massas genuíno. Às vezes existem obstáculos que fazem tais fusões improváveis ou impossíveis – podem existir desacordos fundamentais em torno do processo ou do desejo de se criar um partido revolucionário de massa, podem existir desacordos fundamentais sobre como se relacionar com as forças políticas capitalistas podem existir desacordos fundamentais em torno da relação entre democracia e socialismo. Tais desacordos fundamentais podem significativas que a unidade organizacional não está nas cartas – mas ainda pode existir a base para, e o desejo de, o que Lênin uma vez chamou de “unidade na luta” e o que às vezes é referido como frentes únicas. No meio do levante revolucionário de 1905 na Rússia, Lênin argumentou contra um chamado para que todos os diferentes grupos revolucionários deixassem suas diferenças de lado e se unissem em um único grupo. “Nos interesses da revolução”, ele escreveu, “nosso ideal não deve de modo algum ser que todos os partidos, todas as tendências e todos os espectros de opinião se fundam em um caos revolucionário”. Ele se referiu a outros “experimentos precipitados e superficiais” em tal unidade, buscando “amontoar juntos os mais heterogêneos elementos” que adquiriram um pouco mais do que “atrito mútuo e decepção amarga”. Por outro lado, se grupos diversos se focarem em como avançar uma luta específica em torno de direitos democráticos ou de justiça econômica – concordando em discordar sobre pontos divergentes enquanto cooperam para atingir um objetivo imediato significativo – muito pode ser alcançado. Enquanto diferenças fundamentais existirem, insistia Lênin, “nós devemos inevitavelmente ter de marchar separados, mas podemos golpear juntos mais de uma vez, e particularmente agora” em meio à insurgência revolucionária. A história também nos mostra que, na medida em que a experiência prática elimina diferenças fundamentais, torna-se possível para diferentes forças se unir em uma única organização, com resultados muito positivos. Este foi o caso em certas fases na Rússia revolucionária e em vários outros exemplos. Parece que as circunstâncias na Austrália hoje podem estar contribuindo para que alguns grupos vão além da simples “unidade na luta” em direção à conquista de uma unidade organizacional que poderia fortalecer enormemente os esforços dos socialistas revolucionários. Esta experiência é muito empolgante, está sendo observada e fornecerá lições inestimáveis para revolucionários em outros países. Flexibilidade com princípios Relacionado a isso, vale notar outro elemento essencial ao método de Lênin – o modo como ele combinava uma insistência na clareza de princípios básicos (aqueles do marxismo revolucionário) com o que pode ser chamado de uma flexibilidade com princípios. Várias pessoas, incluindo críticos severos dentre os mencheviques que o conheciam bem, ficavam impressionadas por sua extrema desinclinação a fazer um show de seu próprio conhecimento, e por seu profundo desejo de aprender com outros – especialmente companheiros ativistas revolucionários, trabalhadores, camponeses. Ele compreendeu que é preciso ser capaz de ouvir e aprender com aqueles que se pretende ensinar, e que o desenvolvimento do conhecimento é interativo e coletivo. Ele aprendeu mesmo de adversários políticos – o liberal britânico J. A. Hobson influenciou fortemente seu livro Imperialismo, estágio superior do capitalismo, os anarquistas influenciaram o seu clássico O Estado e a revolução, os populistas do Partido Socialista-Revolucionário o influenciaram a ponto de fazê-lo roubar seu programa agrário de terra para os camponeses, e durante o levante revolucionário de 1905 ele repreendeu alguns camaradas bolcheviques que eram mais atraídos pela retórica revolucionária do que pelas lutas operárias práticas, dizendo: “Aprendam uma lição com os Mencheviques, pelo amor de Deus!”. Em mais de um sentido, a abordagem teórica de Lênin não era um sistema fechado, mas antes o que pode ser chamado de um marxismo aberto. Ele chamou isso de um guia para ação, enfatizando que a realidade é sempre muito mais complexa, vibrante e multicolorida do que a teoria jamais poderá ser, e que a teoria deve ser desenvolvida e renovada continuamente através do envolvimento com a luta política e experiência reais. Este é o tipo de marxismo que nós precisamos para compreender o capitalismo em rápido desenvolvimento de nosso tempo, e as realidades multifacetadas e fluidas da vida e experiência da classe trabalhadora. Isto envolve as mudanças e flutuações dramáticas com relação às profissões da classe trabalhadora e o processo de trabalho, e a proletarização de amplas faixas da força de trabalho não tradicionalmente entendidas como “classe trabalhadora”. Também envolve a interação entre classe e etnia, raça, gênero, religião, cultura etc. A abordagem de Lênin ajuda a nos orientar na impressionante dinâmica da globalização, e a compreender que problemas frequentemente entendidos como “políticas de identidade” são inseparáveis da política de classe. Isto aparece na famosa passagem de Que fazer?, da qual vale nos recordarmos de novo e de novo:

“O ideal do social-democrata não deve ser o secretário do sindicato, mas o tribuno do povo, que é capaz de reagir a toda manifestação de tirania e opressão, não importando onde apareça, não importando qual camada ou classe do povo seja afetada; que é capaz de generalizar todas estas manifestações e produzir um quadro único da violência policial e da exploração capitalista; que é capaz de tirar vantagem de todo evento, por menor que seja, para explicar diante de todos suas convicções socialistas e suas demandas democráticas, para esclarecer para todos e todo mundo a significação histórico-mundial da luta pela emancipação do proletariado.” Isto permanece tão verdadeiro agora como o era há cem anos atrás. A centralidade da democracia Isto também se encaixa com a centralidade da democracia para a luta da classe trabalhadora pelo socialismo, que Lênin estava enfatizando dois anos antes da revolução bolchevique. Vale também citar longamente, porque ajuda a definir o que nós devemos estar fazendo hoje na luta pelo socialismo em nosso próprio século:


“O proletariado não pode ser vitorioso se não através da democracia, isto é, dando efeitos totais à democracia e vinculando com cada passo de sua luta demandas democráticas formuladas nos termos mais resolutos… Nós devemos combinar a luta revolucionária contra o capitalismo com um programa revolucionário e táticas sobre todas as demandas democráticas: uma república, uma milícia, a eleição popular de oficiais, direitos iguais para as mulheres, a autodeterminação das nações, etc. Enquanto o capitalismo existir, estas demandas – todas elas – só podem atingidas como uma exceção, e mesmo assim de uma forma incompleta e distorcida. Nos baseando na democracia já alcançada, e expondo sua incompletude sob o capitalismo, nós demandamos a derrubada do capitalismo, a expropriação da burguesia, como uma base necessária tanto para a abolição da pobreza das massas como para a instituição completa e generalizada de todas as reformas democráticas. Algumas destas reformas serão iniciadas antes da derrubada da burguesia, outras no curso de tal derrubada, e ainda outras depois disso. A revolução social não é uma batalha única, mas um período cobrindo uma série de batalhas a respeito de toda sorte de problemas de reforma econômica e democrática, que são consumados somente pela expropriação da burguesia. É em prol deste objetivo final que nós devemos formular cada uma das nossas demandas democráticas de um modo revolucionário consistente. É bastante concebível que os trabalhadores de um país particular derrubem a burguesia antes mesmo de uma única reforma democrática fundamental ser plenamente atingida. É, no entanto, bastante inconcebível que o proletariado, enquanto classe histórica, será capaz de derrotar a burguesia, a não ser que ele esteja preparado para isso ao ser educado no espírito da mais consistente e resoluta democracia revolucionária.”

A centralidade da democracia na luta pelo socialismo se aplica não somente nas lutas sociais e políticas dentro da sociedade, mas também na estrutura e prática internas da própria organização socialista. Em meu livro Lênin e o partido revolucionário e em outros lugares, eu escrevi um tanto sobre o verdadeiro significado e prática do conceito de “centralismo democrático” – que Lênin definiu como total liberdade de discussão e unidade na ação, e outros escreveram sobre isso também. Foi documentado que a organização bolchevique possuía um grau considerável de democracia interna. Nós já observamos aqui como isso mudou dramaticamente sob o domínio de Josef Stálin. Se tratou de um desenvolvimento desastroso majoritariamente enraizado na devastação e no isolamento da Rússia Soviética no meio dos anos de guerra civil, combinados com o atraso econômico e pobreza extremos da economia russa. Isto resultou naquilo que eram para terem sido medidas de emergência que, na verdade, se tornaram permanentes – que eliminaram qualquer democracia genuína na União Soviética, e também eliminaram a democracia interna genuína em todos os partidos comunistas controlados pela direção de Stálin. Cultura interna e desenvolvimento de quadros O que nós encontramos mesmo entre as várias organizações anti-stalinistas comprometidas com o socialismo revolucionário são – em nome do leninismo e do “centralismo democrático” – práticas que ceifam a possibilidade do tipo de democracia interna que parece ter existido, historicamente, na organização de Lênin. Tal democracia interna é uma característica que tornou possível aos bolcheviques serem o tipo de força revolucionária que triunfou em 1917. Uma das razões para a decepcionante falta de tal tipo de democracia em vários grupos socialistas relativamente pequenos nos últimos anos pode ter haver com uma limitação em sua auto-concepção. Alguns funcionam, mais ou menos, como seitas, criando seu próprio universo político que envolve uma auto-concepção de que eles constituem a “vanguarda revolucionária” (ou o núcleo correto em termos políticos em torno do qual uma vanguarda deve se formar). A esperança pelo futuro é frequentemente vista preservando a autoridade e a pureza ideológica da preciosa organização de alguém. Isto pode engendrar rigidezes ideológicas e organizacionais que distorcem o modo como o centralismo democrático (particularmente a “plena liberdade de discussão”) poderia ser entendido e praticado. Se nossa auto-concepção é a de que nós ainda não temos um partido revolucionário (nem mesmo em embrião), e que o nosso propósito é ajudar a criar as pré-condições que poderiam fazer a emergência de tal partido possível, isto poderia incentivar um tipo diferente de prática interna, em alguns sentidos combinando com o modo como lidaríamos com aqueles que estão fora do nosso grupo. Um objetivo principal seria gerar mais e mais reflexão, experiência e criatividade entre camaradas e outros, enquanto ativistas estão trabalhando juntos para criar uma força que pode, de maneira bem-sucedida, desafiar o capitalismo. Há indícios de que, de fato, um extenso processo pré-partido como este – mesmo em condições de clandestinidade – existiu durante os anos de 1890 e no início de 1900 entre os revolucionários de orientação marxista, criando uma subcultura que nutriu uma genuína democracia interna quando o Partido Operário Social-Democrata Russo (e a fração bolchevique) finalmente se formou. Uma das revolucionárias em formação daquele tempo, Eugenia Levitskaya, posteriormente relembrou: “Recuperando em minha mente a massa de camaradas com os quais eu tive a oportunidade de me encontrar, não consigo me lembrar de um só ato repreensível ou mesquinho, um só engano ou mentira. Havia atrito. Havia diferenças fracionais de opinião. Mas não mais do que isso. De algum modo todos se vigiavam moralmente, se tornavam melhores e mais gentis naquela família de amigos”. (Este sentido das coisas pode ser encontrado em um contexto diferente muitos anos depois, quando o revolucionário veterano James P. Cannon comentou: “A verdadeira arte de ser um socialista consiste em antecipar o futuro socialista; em não esperar por sua efetiva realização, mas em se esforçar aqui e agora, na medida em que as circunstâncias da sociedade de classes permitem, para viver como um socialista; para viver sob o capitalismo de acordo com os mais altos padrões de um futuro socialista”.) Uma vibrante elaboração desta subcultura camarada entre os revolucionários russos é expressa no romance de Máximo Gorki de 1906, intitulado A mãe. Uma figura central nesta subcultura, Lênin escreveu no Que fazer? a respeito do ideal organizacional de 1902 como “um próximo e compacto corpo de camaradas no qual a confiança completa e mútua prevalece”. Mesmo no interior das ferozes controvérsias polêmicas entre os comunistas russos em 1920, Lênin citou Trótski – com quem ele estava então em duro desacordo – dizendo que “a luta ideológica dentro do partido não significa ostracismo mútuo mas influência mútua”. Um dos mais importantes elementos nesta subcultura, creio, deveria ser uma inclusividade que persistentemente e insistemente trabalha para superar, na organização revolucionária, as opressões divisoras do racismo, sexismo, heterossexismo e outras dinâmicas destrutivas que estragam as relações humanas na sociedade em geral. Às vezes isto pode gerar tensões e conflitos dolorosos. Processos escrupulosamente democráticos, combinados com reflexão e sensibilidade consideráveis, serão necessários para ajudar a manter o equilíbrio e a coesão enquanto a organização trabalha franca e seriamente rumo a resultados frutíferos. Tal subcultura geral contribui para a realização de um objetivo principal de qualquer organização revolucionária que se preze – o desenvolvimento de quadros duráveis. Com este termo quadro eu me refiro a ativistas experientes, educados em teoria política, analiticamente orientados, com habilidades organizativas práticas, que são capazes de atrair e treinar novos membros da organização revolucionária e também de contribuir para expandir os esforços nos movimentos de transformação social mais amplos. Isto significa conhecer algo da história da luta de classes e das lutas de libertação mais amplas, conhecer as realidades econômicas e políticas da sociedade, saber como avaliar uma situação, saber como interagir com outros para ajudar a transmitir este conhecimento a eles, saber como organizar reuniões e ações políticas. Tais qualidades precisam ser desenvolvidas entre números crescentes de pessoas. A proliferação de tais quadros duráveis é essencial para todas as lutas de vida que levam à possibilidade da revolução socialista. Tomando o poder para realizar o socialismo O pensamento de Lênin, como o filósofo marxista Georg Lukács enfatizou nove décadas atrás, estava inspirado por um sentimento da “atualidade da revolução”, que seria essencial no estabelecimento (como Lukács coloca) “linhas de guia firmes para todas as questões na agenda diária, fossem elas políticas ou econômicas, envolvessem teoria ou táticas, agitação ou organização”. Isto é, Lênin estava preocupado em todo o seu pensamento e atividade políticos com a questão do que seria necessário para – efetivamente – tomar o poder. Não retoricamente ou teoricamente, mas de fato, e então fazer exatamente aquilo. Nosso propósito – como socialistas revolucionários – não é simplesmente persuadir as pessoas de que o socialismo poderia ser tão melhor que o capitalismo. Nosso propósito não é simplesmente protestar, e organizar protestos, contra a injustiça capitalista. Nosso propósito não é simplesmente interpretar a história e os eventos atuais (ou qualquer outra coisa) de um ponto de vista revolucionário. Na verdade, nosso propósito principal é derrubar as relações de poder existentes, e colocar o poder político nas mãos de uma classe trabalhadora organizada e com consciência de classe, que esteja determinada a estabelecer a democracia socialista. Todo o resto que fazemos politicamente deve estar submetido à realização deste propósito principal. Eu gostaria de concluir com duas noções adicionais sobre o que pode ser preciso fazer por parte de um partido revolucionário que efetivamente pretende implementar a abordagem democrático-revolucionária para realizar o socialismo, que nós vimos Lênin apresentar na longa citação sobre lutas democráticas que fizemos minutos atrás. Uma noção tem haver com os modos pelos quais as lutas práticas no aqui e agora podem ser integradas em uma estratégia para a tomada do poder pela classe trabalhadora. A outra noção envolve definir um pouco mais especificamente como efetivamente seria o socialismo pelo qual estamos lutando, para ajudar a guiar as lutas práticas de hoje e de amanhã. A orientação estratégica dos “velhos bolcheviques” que Lênin desenvolveu com seus camaradas envolvia a noção de que uma aliança operário-camponesa realizar a revolução democrática que iria derrubar a opressão monarquista e abrir o caminho para uma efetiva luta pelo socialismo. Isto foi popularizado na agitação e mobilização políticas ao redor de três demandas: (1) uma jornada de trabalho diária de oito horas para trabalhadores, (2) redistribuição de terras para camponeses e (3) uma assembleia constituinte para estabelecer uma república democrática. Estas vieram a ser conhecidas como “as três baleias do bolchevismo” – baseado no popular folclore russo de que o mundo estava equilibrado nas costas de três baleias. Quais são as “três baleias” de sua perspectiva revolucionária própria aqui na Austrália e qual é a nossa nos Estados Unidos? Qual é a orientação estratégica que poderia levar a classe trabalhadora ao poder na sociedade hoje, e como isto pode ser expresso em lutas populares e práticas no aqui e agora, de um modo que possa capturar as imaginações de massas de pessoas? Encontrar respostas para tais questões é um desafio diante dos socialistas revolucionários de todo e qualquer país no século vinte e um. Outras linhas de guia para as lutas práticas de hoje e amanhã precisam ser fornecidas pela questão de como efetivamente seria o socialismo pelo qual estamos lutando. Se tornou uma tradição para os marxistas debochar, de maneira orgulhosa e indignada, dizendo que nós não podemos fornecer “projetos utópicos” da sociedade futura, e há uma validade para isso. Mas me parece que as realidades de hoje em dia estão erodindo esta validade. Por décadas nós temos sido tratados como o espetáculo de partidos que alegam serem socialistas chegando ao poder (ou ao menos sendo votados para o governo) e então – em contradição com seus objetivos declarados – levando a cabo políticas assim chamadas “realistas” concebidas para a salvação e manutenção de uma ou outra versão do capitalismo realmente existente. Em alguns casos isto se combina com o corte de reformas de estado de bem-estar implementadas previamente. Nós pretendemos fazer melhor do que isso? Se sim, nós precisamos descobrir como, e ser capazes de explicar isso para aqueles cujo suporte massivo será necessário. Se há uma alternativa para o impasse atual do capitalismo, e para o próprio capitalismo, nós precisamos ser capazes de dizer – bem especificamente – como isto seria e, com ao menos algumas especificações chave, como isto seria feito. Envolveria uma sociedade livre da pobreza e do desemprego, com educação, saúde pública e moradia decentes para todos, com uma infraestrutura econômica segura (incluindo sistemas de transporte de massa), com a eliminação da poluição do ar e da água e do uso destrutivo dos recursos naturais. Envolveria liberdade e justiça para todos, com o desenvolvimento de cada um sendo a condição do livre desenvolvimento de todos. Isto envolveria uma democracia econômica, para assegurar que os recursos econômicos da sociedade seriam utilizados para tornar estas mudanças propostas uma realidade.

Tais coisas podem ser explicadas de modos que destaquem como elas podem efetivamente serem levadas a cabo, baseadas em especificidades do mundo real. Isto pode, consequentemente, fornecer a base para lutas imediatas – lutas cujo começo está em nosso presente na sociedade capitalista, mas cujo fim nos levará para além daquele quadro em direção ao futuro de democracia genuína e liberdade. O socialismo que queremos pode estar implantado nas lutas de hoje e nas vitórias de amanhã. Alguns podem ver esta abordagem como sendo de algum modo similar ao “Programa de Transição” de Leon Trótski, embora no Manifesto Comunista Marx e Engels pareçam ter esboçado uma abordagem semelhante , sugerindo:

“no início, isto não poderá ser realizado se não por meio de incursões despóticas nos direitos de propriedade e nas condições de produção burguesa; por meio de medidas, então, que parecem economicamente insuficientes e insustentáveis, mas que, no curso do movimento, ultrapassarão a si mesmas e necessitarão de futuras incursões sobre a antiga ordem social, e que são inevitáveis enquanto meios de revolucionar inteiramente o modo de produção.” O desafio para nós é sermos cada vez mais específicos e práticos a respeito da alternativa socialista ao capitalismo, construindo organizações e movimentos que possam desenvolver consciência de massa e lutas de massa capazes de realizar tal alternativa. Este é o ponto a respeito do que nós estamos fazendo – a atualidade da revolução, a culminação do que muitos de nós, muitos de nossos irmãos e irmãs, têm lutado por durante tantos anos, um futuro socialista a ser criado no século vinte e um. [1] Este artigo também está presente, como capítulo final, no livro Unfinished Leninism – the rise and return of revolutionary doctrine (Haymarket Books, 2014), de Paul Le Blanc. (Nota da tradução)

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