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O trotskismo da Liga (Miguel Romero)



Sobre a história da LCR no Estado espanhol

O trotskismo da Liga

(23 de fevereiro de 20140)

Miguel Romero

Tradução de Maria Sofia Garcia Roche

Revisão de Pedro Barbosa


Para Lucia, que foi a primeira.


Esse texto, foi escrito como um dos epílogos ao livro Trotskismos de Daniel Bensaïd, editado por El Viejo Topo no ano de 2007.



Na “advertência” que precede o seu texto, Daniel Bensaïd diz que “a história dos movimentos trotskistas resta a ser feita” e que o objetivo de seu trabalho tem sido “propor um ponto de vista e dar sentido aos debates políticos e teóricos que articulam essa história atormentada”. À pequena escala deste anexo, esses critérios são também pertinentes.


Não vou me referir aos “movimentos trotskistas” no Estado espanhol, mas apenas à Liga [Liga Comunista Revolucionária – LCR]. É uma limitação com relação ao foco do livro de Bensaïd, mas o nosso caso tem um escopo menor. Diferentemente da França, na Liga não tiveram nenhum papel as outras organizações trotskistas, exceto um breve e desgraçado episódio em 1979, ao qual me referirei mais adiante. Além disso, no meu parecer, a Liga é a única organização que encarnou neste país o “certo trotskismo” que Bensaïd considera “(...) sem dúvida insuficiente, mas não menos necessário, para desfazer a amálgama entre estalinismo e comunismo, e libertar os vivos do peso dos mortos e virar a página das desilusões ”.


Mas a Liga deixou de existir há quinze anos (quinze anos!). Sua história escrita está armazenada no baú, nos milhares de páginas de jornais e boletins, nos quais se encontra a referência escrupulosa de resoluções e debates, posições majoritárias e minoritárias, votações, inclusive nos anos de clandestinidade... mostras de uma cultura democrática que na Liga se considerava tão normal como respirar, mas que é absolutamente excepcional na esquerda. Seria interessante e útil, para não utilizar termos demasiado solenes, organizar, selecionar e editar esses materiais. Mas isso só pode ser um trabalho coletivo; há alguma iniciativa em marcha e espero que se concretize.


Ao mesmo tempo, tem uma imprescindível “história não escrita” da Liga que está na memória de seus militantes, diversa, contraditória, sublimada, ferida... Um proverbio árabe diz: “A verdade não está em um só sonho; está em muitos sonhos”. A história da Liga não está em uma memória, mas em muitas memórias. Também há algum projeto em marcha para recolher e estudar essas memórias; seria formidável que chegue a se realizar.


Quem queira conhecer a história da Liga deve, pois, esperar que esses projetos cheguem a um bom termo. Nestas notas só encontrarão algumas opiniões sobre algumas memórias, um ponto de vista pessoal sobre o sentido da ação da Liga, sobre a racionalidade do compromisso revolucionário que assumiu durante os vinte anos da sua história, com suas conquistas e erros.


I

A afiliação da Liga à IV Internacional, que coincide com a sua fundação no começo de 1971, foi um encontro, não uma conversão.


O grupo composto majoritariamente por estudantes universitários, provenientes das organizações da “Felipe” (Frente de Libertação Popular em Madrid e Frente Operária Catalã em Barcelona), buscava como construir um partido revolucionário e como compreender o mundo convulsivo do começo dos anos 70, a partir do forçado isolamento político e intelectual do franquismo crepuscular. Eram ativistas, marxistas mais por intuição do que por estudo, organizadores do sindicalismo democrático estudantil (uma boa escola para entender o significado de “burocracia” e “reformismo”, a partir da batalha diária com o PCE [Partido Comunista Espanhol]), internacionalistas e antistalinistas pela referência a Che, com o compromisso militante forjado pela dor e raiva do assassinato de Enrique Ruano...


Em quase dois anos de debates e ações militantes improvisadas, após a dissolução da “Felipe” em 1969, encontraram a IV por meio da LCR francesa, cujo antecedente, a JCR (Jeunesse Communiste Révolutionnaire) [Juventude Comunista Revolucionária] tinha sido a conexão e intérprete que tivemos para entender e compartilhar o “retorno da revolução” em Maio de 1968.


Não buscávamos uma doutrina, mas uma corrente marxista militante que desse raízes e sentido à nossa ação. O encontro com a IV se fez porque ali estavam, junto com uma análise coerente do “capitalismo tardio” e dos processos políticos, “desiguais e combinados”, na França, Itália, Tchecoslováquia, México, Vietnam... organizações nas quais nos reconhecemos, politicamente e até em termos geracionais. Ali descobrimos o marxismo revolucionário junto com a história dos primeiros anos da Internacional Comunista, a luta contra o stalinismo junto com a solidariedade com as revoluções na Argélia e em Cuba...


Trótski era um dos protagonistas desta história. Porém, mais que “trotskistas”, preferíamos nos definir como os continuadores dos “comunistas que combateram o stalinismo”. A diferença não era de palavras, expressava uma das ideias mais fortes do programa da IV: o stalinismo como uma ruptura trágica na trajetória do movimento operário revolucionário e a nossa corrente como a continuadora dessa trajetória, resistindo no período sombrio da hegemonia stalinista e, agora finalmente, quando a revolução voltava a ser uma “tarefa atual”, disposta a lutar para que o comunismo voltasse a ser a esperança emancipatória que o originou.


II

Para aqueles recém chegados, a IV era uma escola de formação acelerada da qual nos vinha uma avalanche de leituras, programas, resoluções, solidariedade ativa, notícias, normalmente entusiastas, das lutas no mundo e do crescimento das “seções”...


Esta amálgama constituía mais uma cultura (uma “forma de fazer política”, diríamos agora) do que uma teoria, uma ideologia ou um programa. Não tento desvalorizar o conteúdo programático (o internacionalismo, a revolução socialista, a auto-organização como base da democracia socialista, a democracia no partido, a “independência de classe” do movimento operário a respeito das organizações e programas políticos burgueses...). Mas esta “bagagem” estava inserida na história e na realidade militante da IV e a recebemos (para o bem e, às vezes, para o mal) de uma forma cultural, mais que doutrinal, o que correspondia muito bem com o tipo de organização que éramos: ativista, empírica, determinada pela clandestinidade...


Para o bem, porque, por exemplo, esta cultura deixava um amplo espaço à elaboração própria de ideias: assim, lemos com atenção os escritos de Trótski sobre a revolução espanhola, mas também os de Andreu Nin e tivemos a sorte de conhecer formidáveis militantes do POUM (Juan Andrade, María Teresa García Banús, Antonio Rodríguez, Enrique Rodrígues, Emma Roca...). O resultado foi uma visão muito crítica das relações entre Trótski e o POUM e a consideração do POUM como “nosso partido” na guerra civil. Estas ideias deram lugar a debates na IV, mas a nenhuma forma de censura.

Por outro lado, essa cultura se desenvolvia com a experiência. Por exemplo, a pequena organização clandestina necessitava muitas formas de solidariedade política e material. A IV, e particularmente a LCR francesa, nunca nos desapontou. Se a solidariedade é, além de um princípio, um aprendizado, ali, em boa escola, a aprendemos.


Mas também essa cultura estava imbuída pelos mitos e hábitos sectários e doutrinários, inevitáveis numa prolongada existência à contracorrente de grupos muito reduzidos, vivendo cada dia a tensão entre o convencimento de possuir o “programa da revolução” e a realidade material de umas ínfimas forças militantes. Um desses hábitos, que teve um custo grave nos primeiros tempos da Liga, tendia a estabelecer uma coerência imediata entre um desacordo concreto e uma ruptura de “princípios”.


Assim, um debate necessário, e poderíamos dizer, “natural”, naqueles tempos, especialmente numa organização revolucionária recém nascida e majoritariamente estudantil, sobre a política para Comissões Operárias, foi se intoxicando por uma deriva doutrinária ao longo do ano 1972; primeiro se converteu numa discussão sobre se a consciência política da classe trabalhadora avança somente a partir de sua mobilização unitária ou se o faz fundamentalmente por meio de experiências de ação radicais, as quais teriam necessariamente um papel importante para os revolucionários; deste debate se deduziram orientações políticas diferentes: uma estratégia de propaganda pela “frente única das organizações operárias” ou uma política de iniciativas da organização revolucionária, destinada a promover ações tão massivas quanto fosse possível, nas quais se pudesse transbordar o controle “reformista”. Finalmente, o debate se congelou como um suposto desacordo programático sobre a “unidade da classe operária” e, claro, acabou numa divisão.


A IV não conseguiu ou não soube influenciar que uma discussão, que tinha originalmente todo o seu sentido no processo de amadurecimento da Liga, se desenvolvesse tão desastrosamente e acabasse tão mal. E a Liga viveu seis anos separada em duas organizações, a LCR e a LC, que se reunificaram em 1978. Estou utilizando o nome da “Liga” para me referir às duas organizações; é uma espécie de “signo de penitência” suspenso pelo erro que cometemos então.


A LCR e a LC tiveram diferenças sérias durantes aqueles anos, mas seguiram compartilhando boa parte de uma cultura original comum. Por isso, apesar dos desacordos que se mantinham e das diversas afinidades pessoais, a reunificação foi uma realidade viva e duradoura, e apesar de terem saltado algumas faíscas, ao cabo de poucos meses, a procedência de cada uma foi somente um tema para fazer piadas.


III

A LCR pôde superar o golpe da ruptura com a LC graças a que, pouco depois, teve lugar a unificação com a ETA VI (a corrente majoritária na VI Assembleia de sua organização) que após um equilíbrio crítico e autocrítico do nacionalismo e da estratégia militar da ETA [Euskadi Ta Askatasuna, ou "Pátria Basca e Liberdade", em basco], aderiu à IV Internacional.


A importância dessa unificação na história da Liga é muito grande sob muitos pontos de vista. Em primeiro lugar, contribuiu com militantes com uma experiência diferente e mais profunda, com boa implementação nas fábricas... e nas prisões: os e as militantes presos tiveram um papel político e moral muito grande na organização, e a contribuição daqueles que vieram da ETA VI foi fundamental.


Por outro lado, a unificação confirmou uma ideia da LCR sobre a construção do partido revolucionário, que até então era só um desejo: convergir, ou mais precisamente “conquistar ao marxismo revolucionário”, com setores de outras organizações de esquerda que romperam com o “reformismo”. Essa ideia dava sentido à possibilidade de que uma pequena organização como a LCR pudesse conseguir a força e a soma de experiências e saberes necessária, num espaço de tempo que esperávamos curto, para poder disputar a direção do movimento operário frente ao “reformismo”, ou seja, ao PCE. ETA não era uma “organização operária”, mas desde as lutas contra os processos de Burgos a finais do ano de 1970, que tanto tinham contribuído para impulsionar o nascimento da Liga, era uma referência, muito além de Euskadi (País Basco), para a esquerda revolucionária.


Em suma, a unificação reforçou a autoridade política da IV Internacional diante de nós, no quanto se mostrava como uma referência capaz de atrair setores militantes de outras correntes.


A unificação funcionou desde o primeiro momento, sem o menor problema. Nos pareceu algo natural; acredito que, considerando acontecimentos posteriores, teria valido a pena nos perguntarmos por que tudo tinha ido tão bem.


Certamente, foi fundamental compartilhar o programa da IV. Também desempenhou um papel o clima de confiança e exaltação militante da época. Mas acredito que, especialmente, teve uma importância decisiva que nos reconhecíamos numa cultura militante e num projeto de construção de partido comuns, a “forma de fazer política”, que uma parte importante da direção da ETA VI, exilada na França, tinha conhecido e vivido em suas relações com a LCR francesa.


Mostramos simbolicamente a importância que dávamos à unificação adotando o nome LCR-ETA VI, com o qual militamos em todo o Estado espanhol até agosto de 1976. Não demos nenhuma importância às dificuldades que nos pudesse ocasionar esse nome, especialmente, fora de Euskadi. Foi uma manifestação de orgulho esquerdista: “isso é o que somos”. Nunca nos arrependemos.


IV

A IV não pretendeu “dirigir” a Liga e jamais interferiu em nenhum de seus debates. Com relação ao desenvolvimento das “seções”, foi um princípio organizativo que a direção da IV não cumpriu sempre (há algumas referências a isso no texto de Bensaïd), mas sim o respeitou escrupulosamente no caso da Liga ao longo de toda sua história. Nessas condições, é certo que algum de seus textos, especialmente “O crepúsculo do franquismo”, que conhecemos nas vésperas do nascimento da organização, teve uma influência determinante na primeira etapa da Liga e particularmente, na orientação política da LCR sob o franquismo [1].


O texto convidava a compreender a realidade, não a moldá-la a uma ideologia. Não tem nele nenhuma citação dos “clássicos”, exceto a referência à organização de “tipo leninista”, dirigida sem dúvida diretamente a se conectar com as aspirações daqueles se preparavam para fundar a Liga.


A maior parte de seu conteúdo está dedicada a analisar a realidade espanhola, suas contradições políticas e econômicas, os conflitos sociais básicos. Lido agora, mantém muitas ideias valiosas e também projeções voluntaristas (por exemplo, sobre a “desinflação” dos “globos reformistas e ‘liberalizantes’”) ou sobre os ensinamentos que os “trabalhadores espanhóis” haveriam recebido da experiência de 1969-1970 (quer dizer, da resistência ao Estado de exceção às lutas pela anistia em torno ao processo de Burgos), ou sobre o modelo da “dualidade de poder” como conclusão “natural” da auto-organização.


Mas o que interessa destacar é a frase que sintetiza a estratégia que o texto propõe: “A ditadura franquista não pode se metamorfosear na democracia burguesa sob a pressão das massas. Deve ser derrocada por uma ação direta revolucionária das massas...”. A Greve Geral Revolucionária (GGR) foi a fórmula da LCR para resumir essa ideia, que orientou nossa ação política até meados de 1976.


A GGR era uma proposta esquerdista, mas também realista e racional. Realista e racional porque se apoiava no processo de mobilizações iniciado no final de 1970 nas lutas contra os processos de Burgos, e que continuou em numerosas greves gerais de âmbito local; a base da nossa política era respeitar essa dinâmica real, tentar compreendê-la por meio do debate democrático, lutar por generalizá-la pela ação militante. Esquerdista em um sentido que requer uma breve explicação, para diferenciá-la das variantes sectárias.


A política revolucionária se fundamenta sempre nos objetivos necessários para a luta contra o capitalismo em seu conjunto. Se trata de que chegue a ser “possível” o que é “necessário”. Para isso, é vital considerar, entre as condições que caracterizam uma situação concreta, uma que não faz parte das análises positivistas (chamadas habitualmente de “realistas”): a potencialidade do movimento, o que porém só existe de um modo fragmentário ou embrionário na dinâmica do movimento real, mas pode generalizar-se: a tarefa central de uma organização revolucionária é descobri-las no movimento real e desenvolver essas potencialidades. Nesse sentido, a perspectiva revolucionária não é “esquerdista”, mas está “à esquerda do possível”.


O esquerdismo da LCR consistiu em hipertrofiar o papel dessas potencialidades, focar toda nossa ação às experiências mais avançadas e aos setores de vanguarda, considerando que a dinâmica objetiva das lutas empurraria naturalmente o conjunto do movimento nessa direção. Sem dúvida, foram cometidos erros. Mas não erramos de combate.


V

Nosso ponto de partida foi nos perguntarmos que objetivos tinham que ser alcançados para derrubar o franquismo [2].


Os resumimos na depuração radical do aparato de Estado, de todas suas instituições políticas e econômicas, e especialmente a dissolução de seus corpos repressivos.


Quem e como poderia fazê-lo? Essa foi a segunda questão capital. Para responder combinávamos uma análise dos conflitos sociais básicos (que classe tem o nível de conflito sócio-político com a ditadura que a capacita para poder acabar radicalmente com ela?) e uma estimativa sobre as condições reais do movimento social.


A GGR incluía um terceiro aspecto fundamental: a derrubada da ditadura e a “conquista da democracia” colocaria a atualidade da luta pela extensão da auto-organização, o desenvolvimento de organismos econômicos, políticos e militares que constituiriam as bases do novo poder emergente, as incursões do movimento operário na propriedade capitalista e, como conclusão, a revolução socialista. Quando em abril de 1974 caiu a ditadura em Portugal, a dinâmica que seguiu o movimento popular confirmou que essa potencialidade existia efetivamente, e ao nosso lado.


A experiência de Portugal contribuiu para que o setor “ilustrado” do aparato franquista e a “oposição democrática”, e os poderes e instituições internacionais correspondentes, se colocassem em ação para impedir que pudesse se dar na Espanha um processo semelhante. Para isso o fundamental era evitar o desmoronamento do Estado e controlar a partir do poder as inevitáveis mudanças políticas: essa foi a lógica do que finalmente se chamou “reforma” e essa foi a orientação política a qual se submeteu a “oposição democrática” até o final da Transição.


Nós pelo contrário reafirmamos nossa confiança de que lutávamos por objetivos possíveis. E eles eram. Mas a evolução da situação ao longo de 1975 e dos primeiros meses de 1976 nos convenceu que a luta deveria centrar-se na “ruptura” com o franquismo por meio de objetivos democráticos radicais (anistia, república, autodeterminação, dissolução dos aparatos repressivos do franquismo...) e reivindicações econômicas e sociais básicas. Sustentávamos que esses objetivos só poderiam ser alcançados por meio da mobilização popular generalizada: a chamamos de Greve Geral Política.


As diferenças de fundo que sustentamos com os organismos da “oposição democrática” não se basearam em “maximalismos”. Se baseavam nos objetivos e nas tarefas que eram necessários para acabar realmente com o franquismo. A diferença em termos de relações de forças entre a “Coordenação Democrática” e nós era enorme e pode-se dizer que estávamos condenados à derrota. Mas demos a batalha que deveria ser dada.


Dizem Nicolás Sartorius e Javier Alfaya: “A transição foi feita mediante um acordo com o setor ‘evolucionista’ do regime pela simples razão de que a oposição nunca teve força suficiente para derrubar a ditadura e provocar uma revolução política que esvaziasse e depurasse o Estado” [3]. Realmente, o que ocorreu é bem descrito ao se mudar a ordem das frases: “A oposição nunca teve força suficiente para derrubar a ditadura e provocar uma revolução política que esvaziasse e depurasse o Estado pela simples razão de que a transição foi feita mediante um acordo com o setor ‘evolucionista’ do regime”.


VI

A aprovação da Constituição em dezembro de 1978 consagrou o triunfo da “reforma” iniciada dois anos antes pelo governo Suárez e consensuada por todas as forças parlamentares, exceto o PNV; deve-se recordar também que Francisco Letamendia, no Parlamento, e Bandrés e Xirinacs, no Senado, votaram contra; esse foi também o voto da Liga.


Esse triunfo significou a derrota política da “ruptura” e do movimento social e político que tinha lutado por ela. Não estávamos preparados para compreender uma derrota como esta.


Efetivamente, não se tratava de uma desativação ou desagregação da mobilização: nos quatro primeiros meses de 1979 houve 90 milhões de horas de greve; em 1978, já com os Pactos da Moncloa vigentes, foram à greve 3 milhões e 633 mil trabalhadores, que realizaram 18 milhões de jornadas de greve [4]. Os Pactos da Moncloa não tinham acabado com a combatividade dos trabalhadores, mas tinham destroçado o processo de politização massiva que se seguiu à queda da ditadura; esse destroçar deixou o campo aberto para que o desemprego massiva desativasse a maioria do movimento operário na etapa posterior.


Mesmo nessas condições, havia um desenvolvimento considerável do movimento feminista, uma importante atividade sindical com um peso significativo da esquerda em CC OO [Comissões Operárias] (em dezembro de 1977, uma Conferencia Sindical da Liga reuniu em Madrid mais de 2.000 quadros sindicais), um movimento de bairro ao qual ainda não tinha chegado a cooptação das prefeituras democráticas... Afrontamos também uma duríssima repressão, crimes policiais e fascistas (como o assassinato de Germán nas Festas de São Fermín de 1978) e haviam respostas solidárias, etc. Mas essa combatividade social não se forjava em consciência e organização política; não conseguimos estabelecer a conexão entre uma e outra. E, sobretudo, pela primeira vez vivíamos na própria carne, um fenômeno que apenas parece fácil de entender nos livros: o processo mediante o qual as relações de forças sociais são primeiro suplantadas e depois subordinadas pelas instituições da democracia parlamentaria, especialmente, pelas instituições políticas e sociais da esquerda. A partir dos Pactos da Moncloa, o PSOE e o PCE dedicaram muitas energias e procedimentos baixos para marginalizar as organizações à sua esquerda; só o conseguiram em parte, mas sem dúvida nos criaram muitíssimas dificuldades.


VII

Entender a diferença entre uma derrota e um fracasso é fundamental para construir uma organização revolucionária. A derrota pode ser, e é frequentemente, a conclusão de uma luta necessária; a tarefa então é como continuar. O fracasso chega quando se considera que a luta foi um erro ou já não tem sentido; a consequência geral é a desmoralização ou o abandono.


A consolidação da “reforma” foi uma derrota. Mas muitos militantes a viveram como um fracasso. No ano de 1979 todas as organizações revolucionárias sofremos uma crise política que aconteceu em 1980 às duas mais numerosas: o PTE e a ORT. Resistimos o MC e a Liga, mas com uma sangria [perda] militante fortíssima: em muitos casos, parafraseando a Maiakovski, “a barca da revolução se chocou contra a vida cotidiana”.


Esse foi o período de maior desorientação da Liga. Também na IV havia uma grave confusão política (à qual Bensaïd faz referência no final do capítulo VII). Houve uma mútua retroalimentação negativa em torno de uma linha de propaganda obreirista, especialmente inadequada à situação concreta espanhola.


A maior demonstração dessa confusão foi a campanha eleitoral de março de 1979, na qual concorremos com apelos a um “governo de partidos operários” que aplicasse uma política contra os “pactos e consensos”. Era uma proposta completamente abstrata, doutrinária, tão alheia à realidade como à forma de fazer política da Liga e, por outro lado, e [in]felizmente, contraditória com o compromisso militante cotidiano, sempre voltado à ação, dentro das mobilizações.


VIII

Esta situação foi agravada pela única experiência de unificação falida da história da Liga.


Em abril de 1979 entraram na Liga um grupo de 300 militantes provenientes de uma operação “entrista” no PSOE e na UGT, organizada por uma das correntes da IV Internacional, chamada Fração Bolchevique. Nunca havíamos feito “entrismo” e tínhamos uma opinião muito crítica sobre este tipo de práticas, mas a IV estava muito empenhada na “unificação dos trotskistas” e pensamos que esses militantes se integrariam na organização sem maiores problemas.


Na realidade, o grupo vinha para prosseguir na Liga a sua operação “entrista”. Em uma organização como a Liga, muito respeitosa dos direitos democráticos das minorias e baseada na lealdade militante, os efeitos dessa operação foram devastadores. Em uma época já muito difícil para o trabalho militante, passamos uns meses em meio a um pesadelo trufado de manobras internas aqui e ali. Quando acabou, ficamos feridos, mas vacinados contra as unificações baseadas em supostos “acordos programáticos trotskistas”.


Acredito que também se viu afetada a confiança política na IV Internacional. Na nova etapa que a Liga ia iniciar nos anos 80, a política de construção do partido se fez tomando distâncias da Internacional.


IX

As esperanças que nasceram da revolução nicaraguense sobre um novo ciclo de lutas a escala internacional se viram rapidamente truncadas: comandada por Reagan e Thatcher, a ofensiva do capitalismo neoliberal se iniciou em 1980 e obteve uma vitória global em apenas uma década.


Foram tempos extraordinariamente difíceis e duros, também no nosso país. Na comoção criada pelo golpe de Tejero em fevereiro de 1981, o PSOE de Felipe González chegou ao governo com ilusões de mudanças que rapidamente se transformaram numa política precursora do social-liberalismo: políticas econômicas públicas ao serviço da “modernização capitalista”, “reconversão industrial”, OTAN + Comunidade Europeia, privatizações, “cultura do pelotazo”, GAL...


As conquistas se mediram não em conquistas sociais ou políticas, mas na capacidade de resistência, de não se submeter. A “insubordinação” foi não somente o nome de um movimento social; também caracterizou a política e a moral do que chamamos então os “setores ativos”, a esquerda social e política.


A Liga empreendeu uma reorientação profunda, cujo início podemos estabelecer nas primeiras discussões sobre a orientação do “Partido dos Revolucionários”, a finais de 1979 e cuja conclusão foi a unificação com o Movimento Comunista, em novembro de 1991.


Sabe-se que esta unificação teve um final desastroso poucos meses depois. Por isso, existe o risco de julgar essa “larga década” apenas pelo seu resultado final ou de tratar a história desses anos como a realização de um destino fatal, que iria ganhando corpo inexoravelmente em cada um dos acontecimentos vividos. Sucumbir a este risco seria equivocado com relação à história real, injusto com o valor militante contido nela e, sobretudo, significaria um tremendo desperdício de ideias e experiências muito valiosas. Sem dúvida, devem ser avaliadas criticamente, mas continuam constituindo, na minha opinião, um esforço de construção de uma organização revolucionária, em condições em nada revolucionárias, que merece ser conhecido, valorizado e, quiçá, utilizado agora por militantes da esquerda alternativa.


Quando, no entanto, não existe uma documentação elaborada coletivamente sobre a história da Liga, é extraordinariamente difícil, ou assim me parece, elaborar uma opinião pessoal fundamentada sobre este período, inclusive podendo fazê-lo extensamente. Fazê-lo em uns poucos parágrafos é uma temeridade, na qual só se pode aspirar a sair decentemente do ritmo. Mas a essas alturas, me parece uma temeridade inevitável; não seria sério escrever sobre “o trotskismo da Liga” e terminar com uma frase de circunstâncias a parte mais complexa dessa história. Assim sendo, terminarei com uns apontamentos muito breves sobre quatro elementos, de características muito diferentes, que ao meu modo de ver tiveram uma influência muito alta no curso dos acontecimentos nesta fase: a orientação do “Partido dos Revolucionários”; a política nos novos movimentos sociais; a separação da LKI para constituir um “partido nacional soberano” em Euskadi e as relações com o MC.


O “Partido dos Revolucionários” começou a se gestar a finais de 1979 e constituiu uma mudança de rumo no projeto político da Liga e, especialmente, na percepção do seu próprio papel na construção de uma organização revolucionária. Seu conteúdo básico pode se resumir assim: o partido revolucionário deveria ser construído em comum por correntes revolucionárias, com diferentes ideologias e valorizações da história, mas com um acordo sobre as “tarefas centrais” da revolução; o caráter democrático da organização asseguraria um debate pluralista no qual, a médio e longo prazo, se poderia chegar a acordos mais profundos sobre temas de estratégia e programa ou, então, a assegurar uma convivência pluralista entre distintos pontos de vista.


Em parte, o “Partido dos Revolucionários” foi uma reação frente ao desastre da “unificação do movimento trotskista” que havíamos sofrido na etapa anterior. Mas só em parte. Na realidade, a “unidade trotskista” foi um “desvio” na trajetória da LCR e a “unidade dos revolucionários” supunha na verdade recuperar e reformular a trajetória tradicional da organização.


A principal, e mais problemática, novidade era a relativização do valor do que se chamava “ideologia e valorização da história” das organizações revolucionárias, uma expressão bastante ambígua e, de alguma maneira, podia derivar a questões de fundo para uma organização como a LCR, na qual a “continuidade histórica” formava parte de seu compromisso militante e de sua identidade.


Inicialmente, essa relativização se referia somente às condições de uma possível unificação com outras organizações revolucionárias. Mas com a passagem do tempo, foi-se acentuando. Por exemplo, assim se explicava a orientação da Liga, numa “carta aberta” dirigida em dezembro de 1985 à redação da revista Mientras Tanto: “Como produto da crise da esquerda, tivemos uma época de saturação de alternativas, de grandes projetos gerais, de espera da grande iluminação que nos revelará a saída do labirinto. Deixamos de acreditar nestas coisas. Só com critérios pragmáticos podemos encontrar terreno de trabalho comum entre as diferentes correntes revolucionárias. E só sob a base deste trabalho comum poderão se sustentar acordos programáticos sólidos, nos quais não convém ir mais rapidamente que a própria experiência” [5].


A expressão “deixamos de acreditar nestas coisas” pode ser interpretada de muitas maneiras, mas até a mais benevolente, mostraria um claro distanciamento a respeito da “bagagem política” da organização. Além disso, nas frases citadas há uma rotunda afirmação de pragmatismo, que parece situar muito embaixo o nível de “acordos programáticos” necessários para empreender a construção comum de uma organização.


A Liga discutiu muito, interna e publicamente, sobre esta orientação e podemos encontrar diferentes formulações segundo as pessoas e os momentos. Mas, na minha opinião, houve uma substância comum, que expressou em nosso país um problema que afetou toda a esquerda revolucionária desde os anos 80 e que apenas muito recentemente parecer começar a se superar: Daniel Bensaïd a chama “o eclipse da razão estratégica”. Acredito que o Partido dos Revolucionários significou um projeto de construir uma organização revolucionária sem estratégia, considerando que esta seria elaborada numa indefinida etapa posterior, dentro da organização unificada. O sentido da organização seria a ação e os acordos em torno dela. Era um projeto fraco que não se expressou como tal porque a LCR o envolveu num tremendo esforço ativista, lutando dia a dia e polegada por polegada pela existência da organização, ganhando o seu lugar, que foi sempre útil e em muitos casos imprescindível, nas lutas de resistência, particularmente entre as e os novos militantes jovens.


A política nos “novos movimentos sociais” foi, na realidade, a base da política e até a vida da LCR nesta etapa. Houve razões de sobra para isso. Efetivamente, o movimento feminista, o ecologismo, o pacifismo, o antimilitarismo... pela sua própria atividade e dentro do espaço comum do movimento anti-OTAN, foram o motor e a expressão da resistência social e política, e promoveram um questionamento das tradições da esquerda e a abordagem de novos problemas e propostas. O movimento operário, enfraquecido socialmente pelo desemprego, e politicamente pela institucionalização dos sindicatos majoritários e a profissionalização de grande parte dos quadros sindicais que haviam protagonizado a luta contra o franquismo, perdeu seu papel de referente, depois das derrotas das lutas contra a reconversão industrial. A esquerda sindical e numerosas, ainda que isoladas, lutas radicais foram sua principal contribuição à resistência.


A Liga dedicou todo o seu empenho à construção desses movimentos e manteve uma posição atenta e aberta às ideias que nasciam neles. Alguns dos textos mais interessantes da história da organização se escreveram então [6] e continua sendo útil relê-los agora.


É normal, e foi saudável, que essa agitação de novas ideias e experiências desestabilizasse as bases políticas da Liga. A meu ver, o problema não esteve nos questionamentos, nem sequer nas revisões ou na adoção de novas ideias por empatia aos movimentos, às vezes, sem suficiente reflexão. O problema, não foi, em definitivo, o esforço que dedicamos a mudar, mas sua articulação com o que havia que “conservar”, dentro do imprescindível processo autocritico sobre nosso patrimônio político. Coloco a palavra “conservar” entre aspas, porque não se deve entender como o entrincheiramento numa suposta ortodoxia que, especialmente naquela situação, nos teria convertido numa seita. “Conservar” significa nesse caso estudar e debater sobre a bagagem da organização e da IV com sentido “ecológico”, salvando tudo o que estava vivo, reciclando sempre que fosse possível. Evitando, enfim, a pressão que existia de “começar do zero”: na realidade, “sempre se recomeça por um ponto médio”, como diz Gilles Deleuze, numa frase que Daniel Bensaïd cita frequentemente.


É certo que nessa etapa houve uma grande atenção às tarefas de formação e essas se baseavam no marxismo de nossa corrente, mas acredito que essa atividade se situava bastante distante da prática militante. E então a prática compreendia “tudo”. Essa desestabilização afetou especialmente a compreensão do papel da organização política revolucionária nos movimentos sociais. As e os militantes trabalhavam como organizadores leais dos movimentos, em muitos casos com responsabilidades importantes e com a capacidade contrastada para propor iniciativas e assumir as tarefas que correspondiam para a sua realização. Mas, qual era o sentido de uma organização política revolucionária para os movimentos sociais, para além da sua utilidade para as questões da prática imediata e dos meios materiais que a organização poderia contribuir? As relações conflitivas entre o “social” e o “político”, e a necessidade de criar “novas formas de fazer política” se começaram a manifestar então com toda sua crueza. Creio que não conseguimos respostas satisfatórias. Vinte anos depois continua sendo uma questão muito problemática e confusa, quiçá o principal desafio teórico e prático para a esquerda alternativa.


Em 1989, as organizações da LCR em Euskadi e Catalunha se constituíram como partidos independentes e soberanos, mantendo órgãos comuns com a LCR e com a participação regular de uma delegação da LCR em organismos e reuniões dos novos partidos. A motivação política dessas decisões incluía mudanças importantes, especialmente, uma reconsideração profunda da questão nacional, que incluiu o apoio à independência, e do caráter “nacional” das organizações respectivas. Para além do que se possa opinar sobre estas motivações e as decisões organizativas que implicaram, o que estava muito claro é que a situação e a atividade política em Euskadi e Catalunha tinha características especificas que, especialmente em condições de baixa atividade da esquerda social e política a nível estatal, determinavam o trabalho da esquerda revolucionária.


O balanço geral destas decisões é muito complexo e não pretendo nem remotamente referir-me a ele. Quero apenas destacar um aspecto que acredito que teve muita influência no curso posterior dos acontecimentos. A existência de órgãos comuns a nível estatal podia se entender como um gesto amistoso de “política exterior” ou como um compromisso militante baseado na alta valorização das tarefas comuns, presentes e futuras. No caso de Euskadi, de LKI, acredito que foi apenas um gesto amistoso e de solidariedade material, que expressava na realidade um enfraquecimento e uma desvalorização do patrimônio político comum. Acredito que a separação da LKI foi sentida amplamente na LCR como uma perda. Naqueles momentos, provavelmente as coisas não poderiam haver acontecido de outra maneira. E o patrimônio de ideias e de história que, apesar de tudo, se mantinha, quiçá poderia ter levado com o tempo a uma reaproximação política. Mas o curso dos acontecimentos deixou essa possibilidade sem se realizar.


As relações com o MC tiveram um certo papel na política da Liga desde finais dos anos 70, com algumas experiências de ação unitária e numerosos conflitos e desencontros. Quando se adotou a orientação do “Partido dos Revolucionários” era evidente que, em algum momento, teria que se “explorar” as possibilidades de unificação com a organização com a qual coincidíamos, numas relações complexas de colaboração e competição, em praticamente todas as ações e movimentos.


Desde 1985, a unificação com o MC foi, com avanços e retrocessos, o eixo do trabalho da LCR. É importante ressaltar a data; o processo durou seis anos. Entre as críticas que podem ser feitas não está, desde já, a improvisação. E para analisar seriamente o processo há que trabalhar muito, recordar, repensar, e reler uma extensa documentação e relacionar o processo com os acontecimentos da “desordem internacional” que caracterizou aqueles tempos. Aqui vou me referir a apenas um aspecto da experiência: como o objetivo da unificação acabou impondo-se como seu conteúdo político fundamental e isso foi, precisamente, o que permitiu a unificação.


Durante a maior parte do processo, o método de unificação responde em linhas gerais à orientação original do “Partido dos Revolucionários”, quer dizer: melhorar o conhecimento mútuo das duas organizações e da sua evolução ideológica e teórica; potencializar os acordos na ação; e discutir abertamente buscando um acordo de “tarefas centrais” para a construção de uma organização política revolucionária. As relações entre as organizações foram, no geral, melhorando, as coincidências praticas eram muito altas, mas os debates mostravam desacordos muito importantes. No começo de 1990, a pressão e o desejo da unificação eram muito grandes na maioria dos militantes da Liga: os desacordos sobre as “tarefas centrais” se mostravam um obstáculo, na realidade, “o” obstáculo. Tinham na realidade a importância que lhes estávamos dando?


Para tentar compreender a situação, acredito que se deve lembrar a situação internacional de então. O Muro de Berlim havia acabado de cair. As ilusões sobre a possibilidade de que a crise das burocracias fizesse nascer movimentos anticapitalistas capazes de realizar uma “revolução política” e retomar a construção do socialismo se desvaneceram em poucos meses. Na realidade, para a IV, estes não eram sonhos ou ilusões ou prognósticos (então se disse: “nos equivocamos no prognóstico, mas não no diagnóstico”; era uma forma brilhante de fugir do problema): estavam no núcleo mesmo do sentido de seu combate. Terminava uma época. “Perdemos as certezas, só nos resta a esperança”: as palavras escritas muitos anos antes por Ernst Bloch soavam agora proféticas.


Nestas condições, surgiu em Euskadi uma mudança radical do enfoque da unificação: “preferir à discussão, entendida como contraste das respectivas ‘bagagens’ partidárias, a aproximação dos partidos, isto é a realização de uma experiência que permitisse ir construindo um patrimônio comum” [7]. Essa foi a primeira amostra dessa conversão da própria unificação em seu “conteúdo político fundamental” ao que me referi anteriormente. Este mecanismo organizativo avançou rapidamente e culminou na unificação das duas organizações em março de 1991.


É obvio que o que se considerou um êxito do “método basco” influenciou que a LCR e o MC retomassem seu processo de unificação com uma orientação similar. Mas a nossa decisão foi o resultado de uma reflexão e discussão próprias que, além disso, introduziu algumas modificações com relação ao processo de Euskadi. Concretamente, aqui foi feito um debate para chegar a resoluções de consenso sobre temas políticos e organizativos de fundo.


Também, se debateu e se elaborou uma explicação sobre uma das condições mais difíceis da unificação: a desfiliação da IV Internacional. Escrevemos que: “a desfiliação não implica para nós uma mudança nas concepções sobre o internacionalismo que sustentamos, nem na nossa valorização da IV Internacional. Sem a unificação com o MC manteríamos nossa militância nela” [8]. Existia, além disso, o compromisso da organização unificada de manter “relações regulares” com a IV, o que poderia ser uma contribuição, “um desafio”, dissemos, à política de reagrupamentos adotada pelo XII Congresso Mundial.


Não há dúvida de que nós acreditávamos em tudo aquilo. Mas o interesse do MC pela IV sob qualquer aspecto era menos que mínimo. E, sobretudo, acredito que, para uma parte considerável dos militantes da LCR, as razões programáticas para a militância na IV estavam já mais no passado do que no presente.


O presente, e as esperanças de futuro, estavam na unificação. Assim se manifestou no espetacular Congresso de novembro de 1991, no Palácio de Congressos de Madrid, com 1.700 militantes entusiastas. Ali terminou a história da Liga.


Alguns meses depois, tudo se derrubou. A organização unificada foi uma experiência tão destrutiva quanto estéril. Não fica dela nenhuma ideia, iniciativa, experiência, texto... que tenha algum interesse, algo positivo. Nada de nada. Exceto uma pergunta: por quê?


Buscar respostas para essa pergunta é uma tarefa difícil. Não há apenas que reler e repensar, voltar a dar vida à memória...; há sobretudo que falar, contrastar opiniões, revisá-las, buscar opiniões compartilhadas, conviver com opiniões distintas.


É difícil, mas creio que seja uma dívida; com nós mesmos, que fizemos essa história e que devemos saber terminá-la como um capítulo da luta pela revolução, ao qual seguirão outros; com as pessoas da IV que fora do nosso país nos acompanharam então, com um afeto e respeito à Liga que impressiona ainda hoje, e que no entanto se perguntam, e nos perguntam, o que ocorreu; com as e os militantes jovens que sentem que aquela experiência também lhes pertence.


(Continuará)


Notas

[1] Este artigo, escrito por Ernest Mandel, foi publicado como editorial da revista Quatrième Internationale em janeiro de 1971. Viento Sur nº 84, janeiro de 2006, www.vientosur.info o reproduziu com uma introdução na qual me baseei para escrever este ponto.

[2] Escrevi um artigo com o nome de "A razão esquerdista" em Viento Sur nº 54, dezembro de 2000. Me baseei nele para escrever este ponto.

[3] Sartorius, N e Alfaya, J (1999). A memória insubmissa, Madrid, Espasa, p. 169.

[4] Setién, J. (2000). “Movimento operário e transição” em Viento Sur nº 54, p. 75.

[5] Romero, M (1985). "Carta para a redação de Mientras Tanto". Inprecor No. 46.

[6] Entre outros, VIII Congresso da LCR (1989). Resolução sobre feminismo. Prat, E (1990). "Crítica da energia nuclear e alternativas energéticas". Inprecor No. 79. Pastor, J. (1991). "Os novos movimentos sociais e a ação política". Inprecor No. 84.

[7] Comitê Nacional LKI, “Relatório sobre as relações EMK-LKI”. 19 de maio de 1990.

[8] Comitê Central da LCR. "Internacionalismo e internacional no projeto de unificação com o MC". 9 de dezembro de 1990.

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