O desafio feminista para organizações políticas tradicionais: Mulheres no movimento de mulheres e na esquerda organizada marxista revolucionária
Penelope Duggan
Tradução de Tulio Bucchioni
Fontes: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?auteur3140 e https://insurgencia.org/o-desafio-feminista-para-organizacoes-politicas-tradicionais/
Esse artigo foi apresentado na Historical Materialism Conference em Londres (10 de novembro de 2013), no painel “A comparative analysis of socialist/class struggle feminism in France and Britain in the 1970’s and 1980s” ["Uma análise comparativa do feminismo socialista/classista na França e no Reino Unido nos anos 1970 e 1980"].
Contribuições anteriores dedicaram-se à atividade de organizações da esquerda radical no seio das correntes socialistas feministas no movimento de mulheres. Meu objetivo é mostrar as maneiras pelas quais essa atividade enquanto feministas impactou essas organizações políticas, tornando-as mais eficientes.
Farei a defesa de que os princípios básicos da organização política radical, a democracia e a ação coletiva, são, quando verdadeiramente respeitados, o modo mais efetivo de garantir que a participação política de mulheres e o tratamento das questões feministas enquanto pautas políticas prioritárias sejam realmente levados a sério.
Desta forma, o objetivo é responder ao tipo de argumento que pode ser encontrado tanto nos “novos movimentos sociais” como no movimento de libertação das mulheres dos anos 60 e 70, passando ainda pelos movimentos de justiça global e pelos Indignad@s e os Occupy recentes, de que as organizações da esquerda radical são incapazes de garantir isso.
Farei a observação de que, como a sociedade patriarcal burguesa capitalista não pode ser a “escola para o proletariado”, para usar o termo de Rosa de Luxemburgo, um esforço continuado é necessário para garantir que as organizações da esquerda radical avancem em seus objetivos, usando práticas organizacionais como ações afirmativas e reuniões de mulheres auto-organizadas, além de educação política, enquanto contrapontos à dinâmica predominante de exclusão de mulheres.
Este artigo abordará textos e experiências de mulheres no movimento de mulheres e na esquerda marxista revolucionária organizada, entre outras referências de mulheres que participaram de cursos no Instituto Internacional para Pesquisa e Formação em Amsterdam [1].
Comecemos olhando para algumas críticas à própria ideia de organização política:
– A forma partido em si, a ideia do partido político que se organiza a nível nacional em torno de um programa comum é ultrapassada porque em caso algum é possível haver um projeto geral para a sociedade como um todo, que os movimentos e redes setoriais ou locais são suficientes
– A ideia em si de um partido baseado na questão de classe é ultrapassada porque a classe trabalhadora mudou por completo, ou não existe mais. De qualquer maneira, a “classe trabalhadora” não é uma classe revolucionária: um processo liderado pela classe trabalhadora não pode defender o interesse de tod@s, não pode falar por tod@s porque tal noção não leva em consideração a variedade da experiência d@s oprimid@s e explorad@s
– Os partidos de esquerda são elitistas porque pensam que representam ou sabem quais são os reais interesses da classe trabalhadora, são hierarquizados, burocratizados e masculinos
Primeiramente, com relação à questão de programa geral, gostaria de desenvolver um aspecto muito básico, fazendo referência a Norman Geras em seu período marxista, anterior ao Manifesto Euston, enquanto escrevia na New Left Review:
“Não é em virtude de nenhuma forma especial de aculturação, de estruturas sociais historicamente particulares ou de tipos de comportamentos aprendidos que as pessoas geralmente não querem morrer de fome ou doença, ou perder seus entes amad@s destas maneiras, ou serem cruelmente humilhadas, ou morrerem, ou serem permanentemente machucadas física e emocionalmente nas mãos de um/a torturador/a, ou serem perseguidas por serem quem são ou, em razão do que acreditam, serem confinadas à força por isso ou serem violentamente destruídas” [2]
Esses são os valores pelos quais diríamos que estamos lutando, por uma sociedade justa e igualitária. Geras segue adiante em seu raciocínio, relacionando-o com Marx:
“Pode alguém familiarizado com seus escritos realmente ter dúvidas se seu projeto de emancipação – de qualquer forma que ele possa ser considerado – inclui o objetivo de responder às necessidades básicas do ser humano para a sobrevivência saudável, eliminando do mundo as mais terríveis crueldades e opressões?… O princípio que Marx sustentou de distribuição de acordo com as necessidades significava cobrir pelo menos essas necessidades materiais fundamentais de que são feitos os seres humanos” [3]
Para aplicar isso mais particularmente para a questão de mulheres, eu diria que apesar das diferenças na posição social, econômica e cultural das mulheres ao redor do mundo, existe uma necessidade comum para todas as mulheres, que é o direito de controlar o seu próprio corpo. Esse direito pode ser esmiuçado de diferentes maneiras em termos do que significa ter filh@s: o quanto a luta é pelo direito de ter filh@s em condições adequadas, o quanto a luta é pelo direito de ter acesso à contracepção ou ao aborto. Mas sem o direito básico, de que ao menos que você possa decidir o que fazer com seu próprio corpo, com quem você vai ter relações sexuais e o fato de que você tem o direito de não ser atacada violentamente, como é possível viver de uma forma minimamente decente? Parece-me que este é um direito universal para todas as mulheres, onde quer que elas estejam.
É claro que, uma vez afirmado este direito enquanto algo comum, compartilhado, um objetivo universal, este é apenas um começo. O programa de uma organização política evolui disso para levar em consideração as experiências e aspirações daquel@s diretamente envolvid@s em torno desse objetivo comum. Desta forma, o programa político de um partido é algo que não é estático, ele se desenvolve com novas experiências. Suas análises são continuamente atualizadas para compreender e tentar antecipar onde as contradições do sistema capitalista, as quebras na relação de forças entre as classes, vão dar lugar para ascensos de lutas.
Os partidos políticos em que Josette, Terry e eu estivemos mudaram programaticamente em uma questão bastante fundamental: a questão do apoio ao movimento de mulheres autônomo [4]. Enquanto o movimento marxista esteve historicamente muito envolvido com as lutas pelos direitos das mulheres, os movimentos em que estivemos dentro eram geralmente movimentos criados como correias de transmissão dos partidos para trazer mulheres para a atividade política e assim construir a base do partido entre as mulheres, não como movimentos independentes decidindo suas próprias estratégias e táticas na luta para a libertação das mulheres.
Foi a experiência das lutas e vitórias do movimento de mulheres e a politização de mulheres jovens que haviam entrado para esses partidos da esquerda radical que foi capaz de trazer essa mudança na década de 70.
A partir desse passo importante surgiu a possibilidade dos programas de partido incluírem muitos outros elementos do movimento de mulheres e do movimento LGBT.
Partidos que se preocupam em estarem ativos, em estar a par do que acontece nos movimentos, especialmente com a juventude radicalizada, tendem a ser em geral muito mais abertos e atentos às expressões de novas ideias e novas aspirações. Essa é uma das razões pelas quais os movimentos políticos radicais historicamente sempre valorizaram sua juventude organizada para permanecer em sintonia com a radicalidade jovem (e assim permitir que as novas gerações sejam constantemente treinadas para assumirem responsabilidades de liderança).
Este fator, assim como o fator atração do socialismo radical anti-capitalista, explica no meu ponto de vista por que neste período muitas jovens feministas juntaram-se a esses grupos. Feministas socialistas ou feministas que reivindicavam a luta de classes por definição tinham uma compreensão de como lutar baseada na questão de classe; sim, todas as mulheres eram oprimidas, mas era sob a perspectiva e métodos da luta de classes que a luta deveria ser feita.
Entretanto, ao mesmo tempo foi uma luta com as organizações de esquerda para mudar a concepção tradicional de classe trabalhadora e de “trabalhadores”, tanto em termos de representação enquanto símbolos dos partidos, como também e mais fundamentalmente em termos de análise da sociedade e de processos sociais; a classe trabalhadora não é apenas indústria pesada – um setor masculino – e o movimento dos trabalhador@s não é apenas os sindicatos que organizam esses setores, de forma que eles se fossem uma ferramenta pronta para a proposta das feministas socialistas.
O primeiro e mais importante passo foi organizar o trabalho feminista, pois tradicionalmente essas organizações sindicais sempre organizaram outros setores em seu trabalho – reconhecendo, como Josette diz, que era uma atividade política da organização e não um interesse individual.
Isso trouxe consigo a demanda de atividades educativas para mulheres e depois para homens, ou melhor, para toda a organização; é bom lembrar que nem todas as mulheres eram necessariamente feministas.
E levar esses projetos para a questão das mulheres na direção das organizações tornou-se crucial.
E foi assim que começaram os debates espinhosos…
Como disse, partidos que têm como objetivo estar em movimentos de contestação política e social, pois entendem que sua tarefa é estar ativo, intervir nesses movimentos para ajudá-los a seguir adiante, ajudá-los a vencer lutas, a desenvolver radicalização e politização anti-capitalista, anti-sistêmica, puderam compreender a importância de um movimento como o movimento de mulheres das décadas de 60-70.
A educação marxista acerca da opressão de mulheres pode ter começado com Engels e boas citações podem ser encontradas no manifesto comunista, mas garantir uma presença substancial de mulheres na direção das organizações era outra questão. Mulheres capazes, dizia-se, seriam certamente eleitas para tal; se mulheres não eram consideradas, era porque não eram capazes. E decidir eleger um certo número de mulheres (por cota ou paridade) seria “artificial”.
Isso significava retornar à discussão sobre como a opressão das mulheres de fato funciona na sociedade, que não é apenas o fato de que as mulheres têm responsabilidades com o cuidado das crianças, mas que a divisão do trabalho generificada na sociedade significa que TODAS as mulheres, sejam as que têm filh@s, parceir@s ou não, sofrem com uma dinâmica de exclusão do espaço público. Consciência de classe, ou seja, consciência política, tradicionalmente se desenvolvia no local de trabalho. A política era organizada por meio do local de trabalho e pela relação entre o local de trabalho e o mundo, então as mulheres não estavam em geral envolvidas nisso e nem era esperado que estivessem. E existe a necessidade para uma prontidão individual e o tempo para estudar para ser um/a ativista revolucionári@. É necessário fazer um esforço consciente para compreender a sociedade e a política de modo sistemático. Isso é difícil para as mulheres, não apenas por conta da exclusão da educação formal quando este é o caso, mas porque as mulheres, seja por razões de responsabilidades familiares ou por outras razões psicológicas mais internalizadas, em geral concedem individualmente menos tempo para isso. Elas sentem que deveriam estar FAZENDO alguma coisa no lugar de dedicarem seu tempo para estudar. [5]
Nesse sentido, não se espera das mulheres e as mulheres não esperam de si mesmas, portanto, cumprir um papel de representação, que é o que significa ser um ativista político, ainda mais quando é o caso de assumir uma responsabilidade de liderança.
Estabelecer cotas ou metas é de fato artificial, mas, como dizemos, o curso natural dos eventos era não ter mulheres (suficientes) na direção. Para organizações que estão acostumadas a estar na contra corrente, este deveria ser um argumento fácil de se aceitar.
O cuidado das crianças durante as reuniões, embora fosse muito fácil de ser aceito, também não resolvia o problema (o problema do envolvimento das mulheres na política NÃO é somente ter de ficar em casa cuidando das crianças). Tampouco ser cuidadoso com as crianças, para não assumir que as mulheres fariam as relatorias ou preparariam o café, resolvia o problema.
Nós apontamos como a divisão sexual do trabalho se reflete em nossas organizações, com as mulheres geralmente assumindo tarefas mais administrativas ou técnicas. Mas nós também observamos o que aconteceu quando foram dadas às mulheres responsabilidades políticas. O posto de, digamos, dirigente sindical, quando era um posto assumido por um camarada homem, esperava-se que envolveria analisar o que estava acontecendo com a classe trabalhadora, com o movimento sindical, elaborando perspectivas políticas, ou seja, um papel político muito importante. Quando esse posto era assumido por uma mulher, o mais importante era enviar cartas para reunir as pessoas nas reuniões, garantir a divulgação dos documentos prontamente e assegurar que tudo estivesse bem organizado. E tanto mulheres quanto homens costumavam ter uma concepção generificada de qual era a parte importante de qualquer responsabilidade, a depender se a tarefa era assumida por um homem ou por uma mulher. Obviamente, por razões diferentes: mulheres internalizavam este aspecto da tarefa porque era mais seguro; enviar correspondências no tempo correto requeria apenas esforço e organização. Escrever documentos de análise política: a correlação de forças entre sindicatos e patrões, entre os sindicatos, a probabilidade de alguma luta importante irromper, e, ter certeza, porque você vem argumentando que é preciso ser feito, de que existe uma dimensão de gênero nas análises, levando em conta setores em que predominam as mulheres e a possibilidade de irromperem lutas em torno de questões que envolvam os direitos das mulheres, é sempre um panorama desesperador. Mas os homens certamente pensam que eles podem fazer tudo isso (com exceção à parte de considerar o gênero em suas análises…).
Este é um modo em que a divisão do trabalho acontece de um jeito menos óbvio do que simplesmente observar quem está fazendo uma relatoria.
Mas existe também o processo político entre mulheres e a maneira como sentíamos que esses processos eram desvalorizados. Dirigentes do nosso trabalho no movimento de mulheres que lideraram movimentos de massa lutando pelos direitos das mulheres, movimentos de massas que foram capazes de criar alianças com movimentos sindicais, com partidos políticos, com toda uma gama de pessoas; que se engajaram em trabalhos de formação, explicando e fazendo um balanço crítico de Marx e Engels, localizando-os em seu contexto e explicando o materialismo histórico, seu real significado e como usá-lo para entender a opressão das mulheres; lideranças do nosso trabalho de mulheres que fizeram toda sorte de liderança em movimentos políticos ou em elaborações políticas e teóricas, eram consideradas somente especialistas no trabalho de mulheres.
Por outro lado, o camarada jovem que havia liderado uma luta estudantil tinha mostrado suas habilidades para ser um líder do movimento de massas e deveria então ser imediatamente alçado à posição de dirigente em um outro trabalho.
Ou isso, ou então frequentemente, em uma discussão, uma mulher diz alguma coisa – uma opinião ou proposta – e a discussão continua, então alguém faz mais ou menos a mesma proposta, dando a mesma opinião. De repente, esse se torna o comentário central e todos dizem: “Ah sim, ele está certo, ele está certo, concordo com ele”.
Existe uma lenda grega sobre o Rei Midas, tudo o que ele tocava se tornava ouro. Às vezes dizemos que é quase o inverso para nós, tudo em que tocamos se transforma em algo muito menos importante do que quando um homem estava fazendo a mesma coisa.
O que tornou possível para as mulheres identificarem coletivamente todas essas formas menos abertas de discriminação sexual foi conversarem juntas, reconhecer que as dificuldades encontradas não eram um resultado de uma inadequação individual -mas uma expressão de dinâmicas gerais – e trazer os resultados dessas discussões para dentro do partido como um todo.
O convencimento das reuniões auto-organizadas de mulheres foi uma batalha, não contra os homens, mas contra homens e mulheres que nos chamavam de “anti-leninistas”. Nossa alegação era o completo oposto. Em um partido cujos princípios de funcionamento eram a democracia plena e a ação coletiva, assegurar que mulheres que vivenciam uma opressão particular pudessem transformar isso em uma preocupação coletiva fortaleceria a democracia interna ao ajudar a garantir que tod@s @s membros do partido pudessem se expressar e serem ativ@s da maneira mais próxima que pudéssemos chegar de uma situação de igualdade. Este argumento, finalmente bem-sucedido, estendeu-se obviamente a outr@s membr@s do partido sofrendo opressões específicas.
Mais uma vez, era um argumento baseado na construção de contrapesos ao que aconteceria « naturalmente ». O curso natural dos eventos é a individualização das experiências das mulheres, nós estávamos trabalhando em torno do peso e da voz coletiva das mulheres sobre a expressão de dinâmicas sexistas no partido.
Nós usamos os formatos tradicionais de organização para formar esses contrapesos. Nós aprendemos no movimento de mulheres que a falta de estrutura não é de modo algum necessariamente democrática, e para quem não saiba disso, recomendaria o artigo de 1971 « A Tirania da Falta de Estruturas » («Tyranny of Structurelessness » [6]), e o que o artigo tem a dizer sobre sistemas de elites e estrelas. As conclusões que Jo Freeman esboça são boas para organizações políticas:
1) Delegação de autoridades específicas para indíviduos específicos cumprirem tarefas específicas por meio de um processo democrático. Se as pessoas são selecionadas para cumprir uma tarefa, preferencialmente depois de expressarem um interesse ou desejo de fazê-las, elas têm um compromisso que não pode ser ignorado tão facilmente.
2) Exigir que tod@s aquel@s a quem foi delegada autoridade sejam responsáveis por aquel@s que @s selecionaram. É assim que o grupo tem controle sobre pessoas em posição de autoridade. Indivíduos podem exercer poder, mas é o grupo que tem a palavra final sobre como o poder deve ser exercido.
3) Distribuição de autoridade entre quanto mais pessoas é razoavelmente possível. Isso previne o monopólio de poder e exige que aquel@s em posição de autoridade consultem outras pessoas no processo de exercer o poder. Isso também dá a muitas pessoas a oportunidade de terem responsabilidade em tarefas específicas e, dessa forma, aprenderem habilidades diferentes.
4) Rodízio de tarefas entre militantes. Responsabilidades que são assumidas por muito tempo por um militante, formal ou informalmente, passam a ser vistas como uma « propriedade » dess@ militante e não são facilmente entregues ao grupo ou controladas pelo grupo. Por outro lado, se as tarefas são trocadas com muita frequência, as pessoas não têm tempo de aprender suas responsabilidades bem ou de vivenciar um sentimento de satisfação ao desempenhar um trabalho bem-sucedido.
5) Alocação de tarefas de acordo com critérios racionais. Habilidade, interesse e responsabilidade têm que ser as maiores preocupações em uma alocação de tarefa. As pessoas precisam ter a oportunidade de aprender habilidades que não possuem, mas isso é feito melhor por meio de algum tipo de programa de “aprendizado” do que pelo método do “aprender na marra”.
6) Difusão de informação para tod@s tão frequentemente é possível. Informação é poder. O acesso à informação aumenta o poder de uma pessoa. Quando uma rede informal de pessoas divulga novas ideias e informações fora do grupo, essas pessoas já estão engajadas no processo de formar uma opinião – sem a participação do grupo. Quanto mais alguém sabe como as coisas funcionam e o que está acontecendo, mais efetivo politicamente essa pessoa pode ser.
7) Acesso igual a recursos necessários para o grupo. Habilidades e informações também são recursos. As habilidades d@s membr@s podem estar equiparavelmente disponíveis somente quando @s membr@s se esforçam para ensinar o que eles/as sabem para seus/suas colegas.
O princípio da responsabilidade coletiva, que de fato já existia nesses grupos, pelo menos na teoria, poderia ser usado para integrar novas pessoas, frequentemente mulheres, em grupos que assumem diferentes responsabilidades, o que é um passo importante para ganhar experiência e confiança.
Do mesmo modo, as regras formais das reuniões, uma pessoa sendo mesa, uma lista de falas, tempo de fala, longe de serem um obstáculo burocrático, podem ser usadas para garantir que tod@s possam se expressar sob as mesmas circunstâncias, sem interrupções e sem necessidade de se impor em uma discussão barulhenta ou acalorada. Essas regras podem ser adaptadas ao introduzir, por exemplo, a alternância entre mulheres e homens na lista de falas, para assim fortalecer sua contribuição positiva para a democracia.
A questão da eleição da direção, como eu mencionei anteriormente, era uma questão-chave. Nesse quesito também na minha experiência nós usávamos o sistema tradicional obtendo bons resultados. Isso provavelmente pode parecer bastante surpreendente para as pessoas que tenham discutido as falhas democráticas de uma organização autoproclamada leninista na Grã-Bretanha.
Na minha opinião, o sistema de eleição de uma direção por lista de candidat@s, quer dizer, onde é apresentada uma lista de pessoas para aquela direção, é a melhor maneira de garantir que uma direção não seja apenas paritária (ou com um terço de mulheres, enfim, qualquer que seja a meta), mas represente o partido como um todo em sua extensão geográfica, nas áreas de atividade em que o partido está envolvido, de diferentes gerações.
Certamente a grande questão é como essa lista é proposta. Na tradição em que me formei, a direção de saída não tinha nada a ver com isso. Uma comissão era eleita, com delegados que trabalhariam em classificar e arquivar os nomes para a proposta de direção. Essa comissão recolheria sugestões de núcleos locais e de outras instâncias ou pessoas propondo indivíduos. E caberia a essa comissão sempre checar se o núcleo local de um indivíduo aprovava esta nomeação. No melhor dos casos, era possível que a comissão de conferência das nomeações pedisse para as plataformas ou tendências reconsiderarem suas propostas para considerar outros critérios. Em organizações como a nossa, que são muito sensíveis à representação de diferentes pontos de vista políticos, este é um ponto muito importante.
A meu ver esse é um método preferível de eleição de direção, para o que queremos que seja a direção, do que uma votação em indivíduos, a qual torna difícil garantir uma representação equilibrada como estou convencida de que é necessário, além de levar a um método de “pesquisa de popularidade” que pode dar a ideia de que alguns membr@s da direção são “melhor eleit@s” do que outr@s. Como pode uma direção trabalhar coletivamente com esse tipo de conceito? Entretanto, precisamos também dizer que é necessário assegurar que @s membr@s possam, em diferentes níveis (aprovação de nomeações em núcleos, votação em conferências nacionais), dar as suas opiniões em voto secreto, para não serem afetad@s pela preocupação sobre o que outras pessoas vão achar de seus votos.
O pessoal é político
Algumas formas de relações sexistas entre mulheres e homens são difíceis de identificar porque não acontecem nem durante reuniões, nem cruzam as barreiras do que definiríamos como nossa ética, ou na linguagem de uma era anterior, da moralidade proletária.
O que quero dizer é que muitas vezes os homens não veem as mulheres como indivíduos políticos. Em uma reunião, pode haver uma discussão muito acalorada que continue fora da sala. Mas em pelo menos 50% das vezes, se um camarada homem fala com uma camarada mulher, a discussão vai quase imediatamente se tornar algo muito diferente, não mais político, mas pessoal. Uma discussão sobre crianças, trabalho ou o que quer que seja. Mas de fato continuar a tratar as mulheres, uma vez fora da reunião, enquanto seres político, é bastante raro.
Mas é claro que existem formas muito mais dolorosas de sexismo nas relações dentro do partido.
Partidos políticos, quaisquer que sejam seus programas, não podem ser ilhas do socialismo. Como Rosa de Luxemburgo observou, a sociedade capitalista não pode ser uma escola para o proletariado e mesmo @s membr@s de organizações socialistas, anticapitalistas radicais, são produtos da sociedade em que vivem e essa é uma sociedade em que o sexismo, o racismo, a homofobia, a islãfobia, a discriminação contra pessoas com deficiência, etc, são predominantes. No entanto, tod@s entraram em organizações que adotaram uma posição política contrária a todas essas formas de opressão e discriminação e isso não é negociável.
Entrar em um partido político é um ato de livre e espontânea vontade e quando uma pessoa faz isso, ela aceita o que esse partido estabelece como seu programa e estatuto fundamentais. Essa é na verdade a única condição para uma democracia efetiva: um partido não pode começar a rediscutir cada questão do começo a cada momento.
Desta forma, os partidos que tomam essa posição se encontram em uma contradição que significa que eles precisam estabelecer algumas regras que limitarão a livre expressão dessas atitudes internalizadas, ainda que reconheçam que não é possível eliminá-las completamente.
O ponto de partida tem que ser assegurar que tod@s @s membr@s do partido se sintam confortáveis para atuar. Então não pode haver nenhuma linguagem ou piada sexista, racista, homofóbica, anti-deficientes, de discriminação por idade, etc, e a resposta precisa ser coletiva, e não deixada para aquel@s que são as vítimas dessa linguagem.
Em seguida, entramos em uma espiral ascendente, que na maioria das vezes se dá em termos sexuais, de assédio e violência, podendo até incluir o estupro – particularmente porque não proibiremos relações íntimas entre membr@s do partido como foi praticado por alguns partidos em uma abordagem revolucionária puritana; uma outra questão, talvez para proteger o partido, se dá quando ele está clandestino ou envolvido com a luta armada.
O partido precisa lidar com tudo isso a partir da perspectiva de defender seus princípios e seus membr@s. O sexismo (e outros comportamentos opressores ou discriminatórios de todo tipo) precisa levar sanções e, se necessário, @ perpetrador/a precisa ser excluído do partido. Isso não depende de como o sistema legal pode ou não julgar o ato em questão e o partido não pode tentar provar ou refutar alegações sob uma base legal ou forense. O partido só pode decidir se o comportamento foi aceitável ou não com base em seu próprio programa.
Como o partido examina alegações precisa ser uma questão de procedimentos claros, definidos pelo partido de um modo adequado que respeite critérios de não-preconceito, confidencialidade e transparência.
O recurso à polícia e aos tribunais para investigar e julgar comportamentos é uma decisão da vítima, a qual precisa poder contar com o apoio de sua organização independente da escolha que faça.
Em nosso trato com essas questões nós aprendemos um bocado com o movimento de mulheres sobre como identificar o que é um comportamento opressor, e um bom número dessas identificações também foi transformado em legislação (por exemplo o estupro conjugal enquanto crime). Nós também aprendemos a partir do movimento sindical sobre como lidar com essas alegações no ambiente de trabalho, notadamente sobre como o ponto de partida é o ponto de vista da vítima fazendo suas alegações. Essas são conquistas importantes.
Para concluir, nossa abordagem é baseada em fazer o maior esforço possível para alinhar os comportamentos com nossas posições programáticas contra a discriminação e a opressão, com a ideia não de fazer de nossas organizações ilhas do socialismo, mas pelo menos de prefigurar o socialismo pelo qual estamos lutando.
Esse artigo foi baseado no Working Paper do Instituto Internacional para Pesquisa e Educação publicado em 1997, disponível aqui.
Notas de rodapé
[1] Seria estúpido ignorar o fato de que questionamentos sobre o quanto organizações de esquerda entendem e integram em geral o feminismo em suas formulações e na prática, e a segurança das mulheres em suas organizações em particular, tenham sido amplamente discutidos na esquerda de língua inglesa, particularmente a britânica, neste ano. No entanto, o meu envolvimento em formular, escrever e atuar nesses questionamentos data de quase quarenta anos, como é possível ver na minha introdução ao livro Documentos da Quarta Internacional sobre a Libertação das Mulheres, e a minha proposta de apresentar o presente artigo precede essa crise se tornar pública.
[2] Norman Geras, “Human nature and progress”, New Left Review no. 213, Sept/Oct. 1995, p. 153.
[3] Ibid.
[4] Ver a resolução de 1979 “Socialist Revolution and the Struggle for Women’s Liberation”, em particular Part II. The Fourth International and the Struggle for Women’s Liberation Our Perspective.
[5] Para uma análise mais extensa e com propostas práticas, ver a resolução de 1991 “Positive Action”.
[6] Primeira publicação na revista Ms em 1973 e disponível em “Tyranny of Structurelessness” ["A tirania das organizações sem estrutura", versão PT-BR].
Penelope Duggan faz parte do escritório da Quarta Internacional e é editora da International Viewpoint. Militante do NPA na França, ela é regularmente candidata em eleições locais e nacionais. É também uma Fellow do Instituto Internacional de Pesquisa e Educação em Amsterdam (IIRE, na sigla em inglês), com responsabilidade particularmente sobre programas de mulheres e juventude.
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