Karl Marx e Friedrich Engels
Paul Le Blanc
Tradução de Jaqueline Uzai
Revisão de Pedro Barbosa
Karl Marx e Friedrich Engels eram não apenas ativos revolucionários, mas também filosófos, sociólogos e historiadores. Para a série Revolutionaries Reviewed [Revolucionários Revisitados], Paul Le Blanc discute os fundadores do marxismo e os conceitos-chave por eles desenvolvidos.
Algumas pessoas fazem questão de separar Karl Marx e Friedrich Engels um do outro, ainda que ambos tenham sido centrais para o desenvolvimento do chamado socialismo científico. Apesar disso, pode-se dizer, cada indivíduo merece atenção particular. Há ainda quem diga que eles tinham ideias diferentes. Alguns celebram Marx por ser um pensador mais profundo ou Engels por ser mais lúcido.
Antes de considerar estes pontos, talvez ajude primeiramente esmiuçar o que Marx e Engels definiram como “socialismo científico”. Por socialismo (o que eles viam como sinônimo de comunismo) eles entendiam a maioria da classe trabalhadora “vencendo a batalha pela democracia” – politica e economicamente – para criar “uma associação livre entre os produtores” na qual “o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”. Por científico, eles exprimiam que as perspectivas para o futuro deveriam se basear no uso disciplinado do conhecimento existente: compreendendo filosofia, economia, sociologia, ciência política e história.
Indivíduos em coletividade
Quaisquer fossem suas diferenças, Marx e Engels compartilhavam essa abordagem e trabalharam juntos em seu desenvolvimento – razão pela qual um de seus principais biógrafos, David Riazanov, decidiu escrever uma dupla biografia: Karl Marx and Friedrich Engels: An Introduction to Their Lives and Work [Karl Marx e Friedrich Engels: Uma introdução às suas vidas e obras].
Mary Gabriel levou essa abordagem além em seu recente estudo Love and Capital: Karl and Jenny Marx and the Birth of a Revolution [Amor e Capital: Karl e Jenny Marx e o nascimento de uma revolução]. Ela explica que, para dar sentido a Marx e suas ideias, ela sentiu necessidade de focar-se também “na vida de sua esposa, Jenny, e nas crianças, bem como em sua família estendida – Friedrich Engels e Helene Demuth”, também inserindo-as em um contexto maior, envolvendo dezenas de outras pessoas. Ela escreveu:
“A história que eu descobri foi um amor entre um marido e uma esposa, que se manteve apaixonado e intenso a despeito da morte de quatro crianças, pobreza, doença, ostracismo social e a indefensável traição, quando Marx foi pai do filho de outra mulher. Foi a história de três jovens mulheres que amavam seu pai e se dedicaram pessoalmente à sua grande ideia, mesmo a custo de seus próprios sonhos e de seus próprios filhos. Foi a história de um grupo de brilhantes, combativas, provocantes, divertidas, apaixonadas e, no final das contas, trágicas figuras capturadas pelas revoluções que varreram a Europa no século XIX.”
Tudo isso se desenrolou em um quadro que alguns historiadores definiram como uma revolução dupla: (1) A onda de revoluções democráticas (Inglesa, Americana, Francesa e outras) e (2) a impressionante e implacável Revolução Industrial que havia transformado dramaticamente nosso mundo inúmeras vezes nos últimos 250 anos.
Marx e Engels tinham origens abastadas (o pai de Marx foi um próspero advogado; o de Engels foi um rico dono de fábricas). Porém, eles se identificavam profundamente com a crescente classe trabalhadora, composta de trabalhadores industriais e outros que ganhavam a vida vendendo sua capacidade de trabalhar (sua força de trabalho) para empregadores capitalistas. Esta se tornava a maior classe sob o controle capitalista e tinha o potencial para “vencer a batalha da democracia”.
O crescimento de um movimento organizado de trabalhadores era visto por Marx e Engels como fornecendo a força que poderia ser capaz de trazer o começo de um melhor e novo mundo. Isso incluía o desenvolvimento de sindicatos que unissem trabalhadores em seus locais de trabalho para lutar por melhores salários e condições de trabalho.
Incluía também o movimento cartista na Grã-Bretanha que mobilizava trabalhadores para lutar pelo seu direito ao voto, e o esforço para criar partidos políticos da classe operária. Isso também alinhado a uma variedade de movimentos sociais para melhorar a qualidade de vida dos membros da classe trabalhadora – fosse ao ganhar direitos para às mulheres, fazendo oposição ao racismo e a opressão por origem nacional, lutando pelo fim do trabalhando infantil simultaneamente ao estabelecimento de escolas públicas, assegurando uma jornada de oito horas diárias de trabalho e além.
A poderosa influência desse multifacetado movimento operário auxiliou na formação do pensamento dos dois revolucionários – tal como a contribuição de proeminentes filósofos, economistas, sociólogos, historiadores e outros absorvidos por Marx e Engels. De acordo com Engels, contudo, era Marx que desempenhava o papel essencial na criação do “socialismo científico” que eles desenvolviam. Consequentemente, após a morte de Marx em 1883, passou a ser cada vez mais chamado de marxismo. Este forneceu ferramentas intelectuais que, através dos anos, inúmeros ativistas da classe trabalhadora consideraram como úteis.
Há cinco componentes do que veio a ser conhecido como marxismo. Nós examinaremos brevemente cada um.
Uma maneira de olhar para a realidade
A orientação filosófica, ou metodologia, de Marx e Engels antes de tudo vê a realidade em constante mudança, crescendo e se desenvolvendo. Isso ocorre através de interações “dialéticas” entre elementos contraditórios. Isto é, demanda que olhemos para tudo tomando suas interconexões e contextos. O mundo não está parado, e você não pode estudá-lo como se assim estivesse.
Ao mesmo tempo, isso envolve um “materialismo” em dois sentidos. Primeiramente, ao ver a matéria e a energia como a base física das ideias. Ou seja, ideias não caem do céu – elas estão baseadas no mundo físico do qual emergem. E, em segundo lugar, o materialismo marxista insiste que a forma de vida das pessoas é a chave para entender a forma que estas pensam.
Por último, a metodologia Marxista é humanista – com impulsos em direção à liberdade (auto-determinação), comunidade, trabalho criativo de cada um – e determinada a superar todas as realidades e condições que enfraquecem, suprimem ou reprimem essas qualidades.
Uma teoria da história
O desenvolvimento econômico (os meios atráves dos quais a humanidade cria o que as pessoas precisam e querem) molda o desenvolvimento histórico, de acordo com o “materialismo histórico” de Marx e Engels. O desenvolvimento de ferramentas e tecnologia geram uma crescente produtividade. Com a mudança da caça e coleta para a agricultura, uma economia de excedentes é criada. Agora o trabalho de muitos pode melhor sustentá-los, além de sustentar alguns outros que não têm de trabalhar.
Essa é a base da ascensão das civilizações, e também da classe e da desigualdade, com o enriquecimento de pequenas minorias através da exploração das maiorias trabalhadoras – acompanhada também pela dominação da política e da cultura. Tensão e conflitos entre classes tornam-se as forças que forjam a história. Houve o crescimento e declínio de uma série de formas econômicas societárias – na Europa, indo do tribal comunismo primitivo às antigas sociedades escravistas, ao feudalismo e então ao capitalismo.
Uma análise do capitalismo
O mais dinâmico sistema econômico da história é o capitalismo. Nele a economia é possuída e controlada por uma rica e poderosa minoria e utilizada para a maximização de seus lucros através de um sistema de compra e venda (a economia de mercado). Junto a isso, cada vez mais coisas tomadas como necessárias e desejadas se tornam mercadorias, isto é, bens criados com o propósito de serem vendidos. Mesmo qualidades humanas essenciais da maior parte da população (força, inteligência, habilidades, etc.), somadas à sua capacidade de trabalhar (força de trabalho), são transformadas em mercadorias a serem vendidas aos capitalistas (homens de negócio), com objetivo de gerar dinheiro para comprar outras mercadorias (comidas, roupas, moradia, pequenos luxos) que estes precisam e desejam.
A necessidade de lucro dos donos de negócios – a necessidade de acumular mais e mais (riqueza, capital) – leva-os a investir quantias cada vez maiores de capital na criação e venda de mais e mais mercadorias. Com frequência isso ocorre à custa do bem-estar dos trabalhadores, da qualidade de vida de um grande número de pessoas, de culturas de povos ao longo do mundo – e o meio ambiente é parte disso.
Essa obstinada e voraz busca pela acumulação de capital resultou em um espetacular aumento da produtividade e da riqueza que poderia dar uma vida boa para todos – mas que é canalizado para os bolsos de uma minoria super rica.
Esse sistema é governado por ciclos nos negócios envolvendo períodos de enorme produção, geração de lucros e relativa prosperidade que então (devido a uma super produção de mercadorias que excede a capacidade do mercado de absorvê-los) leva à crise econômica: crescentes falências e desemprego em massa.
Um programa para a classe trabalhadora
O desenvolvimento global do capitalismo torna a maior parte das pessoas parte de uma crescente classe trabalhadora – aqueles que vendem sua força de trabalho para garantir seus salários e a sua sobrevivência (e sustentar os membros de sua família dependentes deste pagamento). Essa força de trabalho é essencial para a existência da economia capitalista, mas é ao mesmo tempo explorada e agredida por ela.
Marx e Engels esboçaram um programa ressaltando os aspectos positivos e direções das atuais lutas operárias. Trabalhadores devem se unir e se apoiar uns aos outros na resistência contra a opressão capitalista. Eles devem formar um forte movimento sindical, bem como fortes movimento sociais, e possuir seu próprio partido político independente – lutando por reformas no presente, mas também construindo uma revolução que irá “vencer a batalha pela democracia” politica, social e economicamente.
Uma visão de um futuro socialista
Nenhum sistema econômico perdurou eternamente. Marx e Engels visaram um futuro sistema econômico que seria de propriedade social e democraticamente controlado, uma economia democrática que se dedicaria a garantir uma vida boa para todos – baseada nos valores humanos da liberdade, verdadeira comunidade e trabalho criativo.
Os detalhes não podem ser dados de antemão, mas devem ser trabalhados pelas pessoas reais que farão surgir este futuro socialista, baseados no princípio fundamental de emancipação da humanidade: uma livre associação entre os produtores, na qual o desenvolvimento de cada um será a condição do desenvolvimento de todos.
A realidade é sempre mais complicada do que teorias sobre ela. O “socialismo científico” de Marx e Engels não nos diz tudo que precisamos saber – nenhum sistema teórico faz isso. Mas pode contribuir com o nosso entendimento para que possamos lidar melhor com a realidade, e talvez mudá-la para melhor. Essa é a razão pela qual Karl Marx e Friedrich Engels continuam influentes até os dias atuais.
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