Leon Trotsky
Paul Le Blanc
Tradução de Laura Miranda
Revisão de Mateus Garcia de Oliveira
Paul Le Blanc dá continuidade à série "Revolucionários Revisitados" analisando Leon Trotsky, líder revolucionário da Revolução Russa de 1917. Nascido em 1879, foi comandante do Exército Vermelho e presidente do Soviete de Petrogrado, e posteriormente assassinado por agentes stalinistas durante seu exílio no México, em 1940.
No 80º aniversário de sua morte, as ideias revolucionárias de Leon Trotsky merecem atenção. Naturalmente, ele fora mais do que um "homem de ideias". Depois de anos no movimento revolucionário socialista, Trotsky juntou-se a Vladimir Lenin em 1917, para liderar uma revolução triunfante de trabalhadores e camponeses da Rússia. Organizador-chefe e líder do Exército Vermelho, que defendia a revolução em face da guerra civil e invasão estrangeira, Trotsky fora uma figura-chave na nova República Soviética e nos primórdios do movimento Comunista.
Trotsky juntou-se a Lenin para resistir à ditadura burocrática que se cristalizava ao redor de Josef Stalin. Por 15 anos liderou uma pequena, porém vibrante oposição de esquerda, primeiro na Rússia e, mais tarde, mundialmente, para dar sequência à luta pelo socialismo revolucionário.
Seu assassinato por um executor stalinista não apagou seu exemplo, tampouco o poder de suas ideias.
Estrutura Teórica
As ideias de Trotsky fluíram a partir das de Karl Marx. Ambos viram a ascensão e o desenvolvimento industrial do capitalismo através de três pontos. Primeiro, houve um processo muitas vezes chamado de "acumulação primitiva de capital", envolvendo uma opressão criminosa e exploração brutal das populações camponesas e indígenas em escala global, em prol do enriquecimento de uma classe capitalista emergente.
Em segundo lugar, houve um processo massivo de "proletarização" – tornando boa parte dos operários e da população uma classe trabalhadora moderna, de pessoas cujas vidas dependiam da venda de suas capacidades e força de trabalho em troca de dinheiro. Essa classe trabalhadora é a força que tem o potencial e, objetivamente, o interesse em substituir a ditadura econômica do capitalismo pela democracia econômica do socialismo – e a consciência disso é tudo a que os marxistas se referem quando falam sobre a consciência de classe trabalhadora.
Em terceiro, o gigantesco desenvolvimento tecnológico gerado pelo capitalismo – a constante auto-renovação da Revolução Industrial – criou a base material para uma nova sociedade socialista. Como disse Marx em 1845, a criação deste alto nível de produtividade e riqueza "é uma premissa prática absolutamente necessária" para o socialismo, porque de outro modo meramente se generaliza a escassez, e tal destituição dificulta as necessidades, gerando uma competição para ver quem ganha o que, e "a antiga desordem começa toda de novo" – elites poderosas tirando seus ganhos econômicos da maioria trabalhadora.
Revolução Permanente
Influenciados por Marx, Trotsky e um crescente número de seus camaradas russos chegaram a ver a revolução na Rússia desta forma. A luta da democracia contra a monarquia semifeudal czarista só seria levada a cabo de maneira consistente e completa pela pequena, porém crescente, classe operária russa em aliança com a maioria camponesa – e o sucesso de tal revolução daria o poder político às organizações da classe trabalhadora.
Haveria um empurrão natural para seguir numa direção socialista (com constantes melhorias sociais para a população) – ainda que o socialismo que Marx havia proposto e aquele pelo qual os trabalhadores russos lutavam não pudessem ter sido criados em apenas um país atrasado.
Mas o sucesso da Revolução Russa ajudaria a incentivar iniciativas revolucionárias em outros países, e com o sucesso destas – especialmente em países industrialmente mais avançados – os trabalhadores e camponeses russos poderiam juntar-se aos camaradas em cada vez mais países para o desenvolvimento de uma economia socialista global, que substituiria o capitalismo e criaria uma vida e futuro melhores para as maiorias trabalhadoras do mundo.
É por isso que Lenin, Trotsky e seus camaradas se esforçaram tanto para convocar trabalhadores revolucionários e insurgentes ao redor do mundo para a Internacional Comunista.
Isolamento e Derrota da Revolução Russa
Mas as revoluções previstas em outros países não foram bem-sucedidas, e 7 anos de um relativo isolamento – com invasões militares, boicotes no comércio exterior, guerra civil e colapso econômico, além de outras dificuldades – tiveram dois impactos muito negativos.
Primeiro, o governo projetado por conselhos democráticos (sovietes) de operários e camponeses foi atrasado, conforme a irresistível emergência social, política e econômica gerou o que era originalmente visto como ditadura temporária do Partido Comunista.
Segundo, um gigantesco aparato burocrático cristalizado a fim de governar o país e administrar a economia. Conforme Trotsky explicaria mais tarde em “A Revolução Traída”, quando não há mantimentos necessários, há racionamento e as pessoas "são obrigadas a esperar à porta. Logo que a fila de pessoas se torna muito longa, impõe-se a presença de um agente da polícia para manter a ordem. Esse é o ponto de partida da burocracia soviética. Ela 'sabe' a quem dar e quem deve esperar".
Enquanto alguns comunistas continuaram totalmente dedicados às ideias originais e às perspectivas que foram a base para a revolução de 1917, muitos ficaram comprometidos, corrompidos ou desorientados.
Josef Stalin foi uma figura central no aparato burocrático cada vez mais autoritário. Ele modificou a visão socialista de Marx, desconectando-a da democracia e ainda do internacionalismo revolucionário. Em vez disso, Stalin reivindicou a construção de um "socialismo em um só país" – a União Soviética.
Trotsky e seus co-pensadores denotaram esta ideia como "uma utopia miserável e reacionária de socialismo autossuficiente, baseada em baixa tecnologia", incapaz de tornar-se um socialismo genuíno. A "antiga desordem" começaria toda novamente. Mas foi Stalin quem ganhou esta batalha, ferozmente reprimindo Trotsky e a Oposição de Esquerda.
Stalin e seus co-pensadores não pararam por aí. A elite burocrática decidiu começar uma chamada "revolução vinda de cima" – uma coletivização forçada da terra e um processo de industrialização acelerado e autoritário (às custas da maioria camponesa e trabalhadora) para modernizar a Rússia em nome do "socialismo em um só país".
A resistência camponesa foi tratada com brutalidade, o que resultou em miséria. A resistência operária também foi selvagemente reprimida. Toda discussão crítica no Partido Comunista foi banida. Todo pensamento independente e criativo pelo país – na educação, arte, literatura, cultura – teve de abrir caminho para normas autoritárias que celebravam as políticas e personalidades de Stalin e aqueles a seu redor – mas especialmente, e cada vez mais, do próprio Stalin.
Os funcionários do aparato burocrático usufruíam de uma acumulação de privilégios materiais, com autoridade e um estilo de vida que os colocava acima da maioria da população. Como diz Trotsky em “A Revolução Traída”,
"de modo algum é necessário proclamar essa glória e dissimular a realidade. Limusines para os 'ativistas' [isto é, os burocratas], perfumes novos para as 'nossas mulheres' [isto é, as esposas dos burocratas]; margarina para os operários, mas armazéns de luxo para os privilegiados; para a plebe, só a imagem de iguarias finas expostas nas montras. Este socialismo nunca poderá ser aos olhos das massas senão um capitalismo restaurado. No campo da 'miséria socializada', a luta pelo necessário ameaça ressuscitar 'toda a antiga desordem' e ressuscita-a parcialmente a cada passo."
Luta Contínua
Na década de 1930, muitos na URSS lembraram dos ideais democráticos e igualitários da causa revolucionária e permaneceram comprometidos a eles. Dentre os comunistas dissidentes, derrotados e reprimidos pelo regime, havia revolucionários que tinham ajudado a derrubar o Czar. O novo regime não poderia confiar neles, especialmente porque nem tudo estava bem na União Soviética.
Apesar da propaganda pseudo-revolucionária ininterrupta (e apesar das melhorias em oportunidades sociais e econômicas de alguns operários), havia sofrimento generalizado e insatisfação entre a população. A dinâmica do "socialismo em um só país", acelerada pela "revolução vinda de cima", estava fadada a explodir em um autoritarismo cruel.
O programa dos heroicos Opositores de Esquerda que deram suas vidas era definitivamente uma ameaça ao sistema stalinista, e foi eloquentemente traçado na obra de Trotsky "A Revolução Traída". "Não se trata de substituir uma camarilha dirigente por outra, mas de modificar os próprios métodos da direção econômica e cultural. O arbítrio burocrático deve dar lugar à democracia soviética".
Isto deve envolver "o restabelecimento do direito de crítica e de uma verdadeira liberdade eleitoral [que] são condições necessárias ao desenvolvimento do país. O restabelecimento da liberdade dos partidos soviéticos, a começar pelo partido bolchevique, e o renascimento dos sindicatos, são indispensáveis".
É impossível pensar no verdadeiro socialismo sem democracia. "A democracia acarretará, na economia, a revisão radical dos planos no interesse dos trabalhadores", Trotsky explica. "A livre discussão das questões econômicas diminuirá as despesas gerais impostas pelos erros e ziguezagues da burocracia". Projetos burocráticos dariam lugar a projetos práticos para melhorar a qualidade de vida da maioria trabalhadora e,
"à medida que cresça a riqueza social, diante da igualdade socialista (...) A juventude poderá respirar livremente, criticar, errar e amadurecer. A ciência e a arte serão libertas de suas correntes. A política externa reatará a tradição do internacionalismo revolucionário."
Antes de morrer, Trotsky trabalhou pela movimentação de construir uma frente única contra o fascismo, para se opor ao imperialismo e à guerra, para que os esforços dos trabalhadores e oprimidos limpassem a vida "de todo o mal, de toda a opressão e de toda a violência, para gozá-la plenamente".
Nota da tradução. As citações de “A Revolução Traída” foram extraídas da edição de 1980, publicada pela Global Editora. Tradução de Olinto Beckerman.
– Publicado originalmente em Rebel News, 10 de junho de 2020. Traduzido por Laura Miranda e revisado por Mateus Garcia de Oliveira para o Blog MRI.
Comments