top of page
Foto do escritorEditor MRI

Karl Marx – Vida e obra (Ernest Mandel)



Karl Marx – Vida e obra

(1990)

Ernest Mandel

Tradução de Vinícius Azevedo

Revisão de Pedro Barbosa



Karl Marx

1. Vida e obra

2. Materialismo histórico

3. Teoria econômica de Marx – abordagem geral e influência

4. Teoria do valor trabalho de Marx

5. Teoria da renda de Marx

6. Teoria do dinheiro de Marx

7. Teoria do mais-valor de Marx

8. As leis de movimento do modo de produção capitalista

9. Teoria das crises de Marx

10. Marx e Engels sobre a economia das sociedades pós-capitalistas


1. Vida e obra


Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818, filho do advogado Heinrich Marx e de Henriette Pressburg. Seu pai descendia de uma antiga família de rabinos judeus, mas era um liberal admirador do Iluminismo e não era religioso. Ele se converteu ao protestantismo alguns anos antes do nascimento de Karl para escapar das restrições que ainda eram impostas sobre os judeus na Prússia. Sua mãe era de origem holandesa e judaica.


Karl Marx estudou no Friedrich-Wilhelm Gymnasium em Trier, e nas universidades de Bonn e de Berlin. Sua tese de doutorado, Differenz der demokritischen und epikurischen Naturphilosophie (Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro), foi aceita na universidade de Jena em 15 de abril de 1841. Em 1843 ele se casou com Jenny von Westphalen, filha de Baron von Westphalen, um alto oficial do governo prussiano.


Os estudos universitários de Marx cobriam diversas áreas, mas se focavam em filosofia e religião. Ele frequentou o círculo dos mais radicais seguidores do grande filósofo Hegel, se tornando amigo de um de seus maiores representantes, Bruno Bauer, e foi especialmente influenciado pela publicação de Das Wesen des Christentums (A Essência do Cristianismo), de Ludwig Feuerbach, em 1841. Ele tinha a intenção de ensinar filosofia na universidade, mas isso logo se provou estar fora de seu alcance. Então ele se voltou ao jornalismo, tanto para propagandear suas ideias quanto para se sustentar materialmente. Ele se tornou editor do Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), um jornal liberal de Colônia, em maio de 1842. Seu interesse se voltava mais e mais para a política e para as questões sociais, assuntos que ia abordando com crescente radicalismo. O jornal foi banido pelas autoridades prussianas um ano mais tarde.


Karl Marx então planejou a publicação de uma revista chamada Die Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais franco-alemães) em Paris, para escapar da censura prussiana e para estar mais intimamente ligado e identificado com as reais lutas por emancipação política e social que, na época, estavam centradas ao redor da França. Ele emigrou para Paris com sua esposa e encontrou lá aquele que se tornaria seu amigo por toda a vida, Friedrich Engels.


Marx se tornou crítico em relação ao sistema político da filosofia de Hegel, uma crítica que o levaria ao seu primeiro grande trabalho, Zur Kritik des Hegelschen Rechtsphilosophie (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, 1843). Estudando intensivamente história e economia política enquanto estava em Paris, ele se tornou fortemente influenciado pelos círculos socialistas e de trabalhadores da capital francesa. Com seus Manuscritos de Paris (Manuscritos econômico-filosóficos, 1844), ele definitivamente se tornou um comunista, isto é, um defensor da propriedade coletiva dos meios de produção.


Ele foi expulso da França no começo de 1845, pressionado pela embaixada prussiana, e migrou para Bruxelas. Sua guinada definitiva na direção do materialismo histórico (ver abaixo) ocorreria com seu manuscrito Die Deutsche Ideologie (A Ideologia Alemã, 1845-6), culminando nas onze Teses sobre Feuerbach, escrito junto com Engels, mas nunca publicado durante sua vida.


Isso também levou a um polêmico rompimento com o mais influente socialista francês daquele período, Proudhon, expresso no único livro que Marx escreveria em francês, Misère de la Philosophie (A Miséria da Filosofia, 1846).


Simultaneamente ele se envolveu mais e mais na política socialista prática, e começou a trabalhar com a Liga Comunista, a qual pediu a Engels e Marx para produzir sua declaração de princípios. Esta é a origem do Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do Partido Comunista, 1848).


Tão logo a revolução de 1848 teve início, Marx foi expulso da Bélgica, indo primeiro para a França, e depois, de abril de 1848 em diante, voltou para Colônia. Sua atividade política durante a revolução alemã de 1848 girou em torno da publicação do jornal diário Die Neue Rheinische Zeitung (A Nova Gazeta Renana), que teve amplo apoio popular. Depois da vitória da contrarrevolução prussiana, seu jornal foi banido em maio de 1849, e Marx foi expulso da Prússia. Ele nunca mais conseguiu recuperar sua cidadania.


Marx emigrou para Londres, onde ele se estabeleceria, com pequenas interrupções, até o fim de sua vida. Por quinze anos, seu tempo seria principalmente gasto com estudos econômicos, que o levariam à publicação primeiro de Zur Kritik der Politischen Oekonomie (Para a Crítica da Economia Política, 1859) e depois do primeiro volume de Das Kapital (O Capital, 1867). Ele gastou longas horas no Museu Britânico, estudando os escritos de todos os maiores economistas, bem como os Blue Books do governo, Hansard e muitas outras fontes contemporâneas das condições sociais e econômicas da Grã-Bretanha e do mundo. Suas leituras também abrangiam a tecnologia, etnologia e antropologia, além de economia política e história da economia; muitos cadernos foram preenchidos de excertos dos livros que lera.


Mas enquanto sua atividade era principalmente a de um estudioso, ele nunca abandonou completamente a política prática. Ele esperava que a Liga Comunista se mantivesse viva, graças à revitalização da revolução. Quando isso não ocorreu, ele progressivamente se retirou da política emigratória, mas não sem escrever uma acusação contundente da contrarrevolução francesa em Der 18 Brumaire des Louis Bonaparte (O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, 1852), que era de certa forma um balanço de sua atividade política e uma análise do ciclo de revolução e contrarrevolução do período de 1848-52. Ele se tornaria amigo dos líderes do sindicato britânico e gradualmente tentaria atraí-los para os interesses e política da classe trabalhadora internacional. Esses esforços culminaram na criação da Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT (1864), também chamada Primeira Internacional, na qual Marx e Engels teriam um papel de liderança, tanto política quanto organizativamente.


Não era apenas seu interesse político e paixão revolucionária que preveniu Marx de se tornar um economista puro e simples. Também foi a pressão da necessidade material. Contrariando suas expectativas, ele nunca conseguiu dinheiro o suficiente de seus escritos científicos para sustentar a ele e à sua família que crescia. Ele teve de se voltar ao jornalismo para conseguir se manter. Ele teve um sucesso inicial modesto nesse campo quando se tornou o correspondente europeu do New York Daily Tribune no verão de 1851. Mas ele nunca teve uma remuneração estável desta colaboração, e ela terminou depois de dez anos.


Então os anos de seu exílio em Londres foram majoritariamente anos de grande necessidade material e de sofrimento moral. Marx sofreu muito com o fato de que ele não podia prover condições mínimas de vida para sua esposa e filhos, pessoas que ele amava profundamente. Mal alojado numa Soho [Small office, home office] atacada pela cólera, comida e cuidado médico insuficientes, levaram a uma deterioração crônica da saúde dele e de sua mulher e à morte de muitos de seus filhos; a morte do seu filho mais velho Edgar, em 1855, foi especialmente dura para ele. De seus sete filhos, somente três meninas sobreviveram: Jenny, Laura e Eleanor (Tussy). Todas as três eram muito talentosas e teriam um papel significativo no movimento operário internacional, Eleanor na Grã-Bretanha, Jenny e Laura na França (onde se casaram com os líderes socialistas Longuet e Lafargue).


Durante esse longo período de miséria material, Marx sobreviveu graças ao apoio financeiro e moral de seu amigo Friedrich Engels, cuja devoção a ele persistia como um excepcional exemplo de amizade na história da ciência e da política. As coisas começaram a melhorar quando Marx recebeu a herança de sua mãe; quando os primeiros partidos da classe trabalhadora (seguidores de Lassalle de um lado, e de Marx e Engels de outro) se desenvolveram na Alemanha, criando um mercado mais amplo para seus escritos; quando a AIT se tornou influente em vários países europeus e quando as condições financeiras de Engels melhoraram ao ponto em que ele sustentaria a família de Marx com uma maior regularidade.


O período de 1865-71 foi um período no qual a concentração de Marx em estudos econômicos e na produção de O Capital foi interrompido mais e mais por compromissos políticos na AIT, culminando na sua apaixonada defesa da Comuna de Paris (Der Bürgerkrieg in Frankreich, A Guerra Civil na França, 1871). Mas sua satisfação de poder participar por uma segunda vez de uma revolução real – ainda que indiretamente – foi atormentada pelas divisões profundas dentro da AIT, que levaram à fragmentação do grupo de anarquistas que estavam em torno de Mikhail Bakunin.


Marx não conseguiu finalizar a versão definitiva dos volumes II e III de O Capital, que foram publicados postumamente, depois de extensa revisão, por Engels. Permanece controverso se ele tinha a intenção de adicionar estes outros dois volumes, de acordo com o plano inicial. Mais de 25 anos depois da morte de Marx, Karl Kautsky editou o que é frequentemente chamado de Volume IV de O Capital, a sua extensa crítica a outros economistas: Theorien über den Mehrwert (Teorias da Mais-Valia, 1905-10).


Os últimos anos de Marx foram crescentemente marcados por uma saúde debilitada, a despeito das condições de vida ligeiramente melhores. A má saúde foi provavelmente a principal razão pela qual os volumes II e III d’O Capital não puderam ser finalizados. Mesmo tendo escrito uma dura crítica ao Programa que foi adotado pelo congresso de unificação da social-democracia alemã (Kritik des Gothaer Programms, Crítica do Programa de Gotha, 1875), ele se animou com a criação daquele partido unificado da classe trabalhadora em sua terra natal, pela disseminação de organizações socialistas através da Europa e pela crescente influência de suas ideias no movimento socialista. Sua mulher adoeceu em 1880 e morreu no ano seguinte. Isto atingiu Karl Marx como um golpe mortal, que não sobreviveu sem ela por muito tempo. Ele morreu em Londres, em 14 de março de 1883.

810 visualizações1 comentário

1 Comment


andremateusnetinho30
Jan 19, 2021

E uma pena que Max não teve os mesmos direitos que escritores capitalistas de trabalhar com liberdade

Sempre tocado de um lugar a outro como um moribundo era assim a Europa do século 19

A mente mais fértil daqueles anos sendo atrasada pela fome e miséria justamente aquilo ao qual lutava contra.

Like
Post: Blog2_Post
bottom of page