top of page
  • Foto do escritorEditor MRI

Introdução a Lênin e ao leninismo (Paul Le Blanc)



Introdução a Lênin e ao leninismo

(3 de junho, 2015)

Paul Le Blanc

Tradução de Rodrigo Rui

Revisão de Pedro Barbosa



Paul Le Blanc, o autor de vários livros, incluindo “Lênin e o partido revolucionário”, que será republicado em breve [em inglês], e “Leninismo inacabado: ascensão e retorno de uma doutrina revolucionária”, narra a vida de um dos mais importantes marxistas depois de Marx – e explica os diferentes componentes do que passou a ser chamado de "leninismo”.


A concepção de "leninismo" tem sido controversa há muitos anos. É um "ismo" que tem sido mirado não apenas por todos os inimigos da revolução, mas por muitos que são a favor de uma transição revolucionária para uma sociedade futura de livres e iguais.


Mesmo alguns na esquerda inclinados a olhar favoravelmente para o que Lênin escreveu e fez levantam questões sobre o valor do termo. E, afinal, o próprio Lênin nunca se considerou um "leninista". Ele se via como um seguidor de Karl Marx, abraçando a noção marxista central de que nem o socialismo nem as lutas atuais da classe trabalhadora podem ser triunfantes se não se juntarem.

De maneira mais simples, no entanto, se o "leninismo" pode ser definido como a abordagem básica, as idéias e o trabalho político prático de Lênin, achamos que ele é caracterizado por uma riqueza que ativistas sérios não podem se dar ao luxo de ignorar. Então, quem era essa pessoa e quais eram suas idéias?


* * *

VLADIMIR ILYICH ULYANOV (1870-1924) era conhecido por amigos íntimos como "Volodya" e, especialmente com o passar do tempo, como "Ilyich" – mas o mundo veio a conhecê-lo como Lênin, o pseudônimo revolucionário que ele começou a usar no início dos anos 1900. Ele se tornou um dos maiores líderes revolucionários do século XX – e, embora ainda existam controvérsias sobre o valor de suas ideias e exemplo, ativistas revolucionários em todo o mundo continuam a aprender com o que ele disse, escreveu e fez.


Seu pai era um educador e funcionário de uma escola, e sua mãe altamente culta estava especialmente preocupada em ensinar aos filhos o amor pelas artes, música e literatura. Todos os seus irmãos – uma irmã mais velha, um irmão mais velho, duas irmãs mais novas e um irmão mais novo – foram atraídos, como ele, para o movimento revolucionário.


O irmão mais velho de Lênin acabou como mártir por participar de uma conspiração para assassinar o monarca tirânico do império russo. O império permitiu à autocracia russa oprimir de maneira lucrativa dezenas de grupos nacionais e étnicos, o que lhe deu o rótulo de "a prisão de nações". A opressão também se espalhou para minorias religiosas (a religião oficial do estado sendo a Igreja Ortodoxa Russa), para intelectuais de visão liberal e estudantes rebeldes, e especialmente para as classes trabalhadoras do império.


Conhecido como o Czar, o monarca absoluto estava enraizado em uma camada de elite de nobres hereditários que viveram grandes vidas através da exploração de milhões de camponeses empobrecidos – os 80% da população que trabalhava na terra. Entrelaçada à elite semifeudal, havia uma crescente camada de empresários – comerciantes, donos de fábricas, banqueiros – que investiram capital especialmente no dramático processo de industrialização que começava a transformar a Rússia.

Esse processo transformou a economia da Rússia cada vez mais em um modo de produção capitalista e gerou uma classe trabalhadora crescente, composta em grande parte por homens e mulheres de origem camponesa que encontraram emprego nas fábricas em constante crescimento e representavam cerca de 10% da população.


Lênin escreveu um estudo maciço, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, na década de 1890, em parte na prisão e no "exílio interno" no interior da Rússia. Ele foi influenciado pelas ideias revolucionárias de Karl Marx que guiaram os crescentes movimentos socialistas e operários da Europa na época.


Lênin teve problemas por participar de protestos enquanto ainda era estudante, e mesmo depois de se formar em direito ele estava em conflito com as autoridades graças ao seu envolvimento cada vez profundo em atividades revolucionárias. Isso incluía esforços educacionais, agitativos e práticos em nome do nascente movimento da classe trabalhadora da Rússia.


Foi também nesse período que ele se envolveu com Nadezhda Krupskaya, uma jovem professora que também havia comprometido sua vida com o movimento socialista revolucionário. Enquanto ele estava no exílio interno, os dois se casaram. Juntos, eles se envolveram no embrionário Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).


Além de desempenhar um papel organizativo crucial no desenvolvimento do movimento marxista russo em evolução, no final dos anos 20, Krupskaya escreveria uma história valiosa desse movimento, Reminiscências de Lênin, do ponto de vista das ideias e atividades de Lênin. (Apresentações mais recentes e mais curtas da vida e obra de Lênin podem ser encontradas no Lênin, de Lars Lih, e no meu próprio Leninismo inacabado).


* * *

O jovem Lênin estava convencido de que a única maneira de desenvolver um movimento revolucionário sério na Rússia era através da criação de coletivos de pensadores e realizadores – ativistas – sérios, comprometidos em entender a realidade para transformá-la para melhor.


No entanto, havia diferenças significativas entre os ativistas sobre como passar do presente opressivo para o futuro desejado. Alguns argumentaram que a Rússia poderia e deveria fazer um desvio ao redor do capitalismo, provocando um levante revolucionário entre a maioria camponesa através do uso de atos terroristas individuais contra as autoridades czaristas. Outros argumentaram que, na verdade, o capitalismo seria um grande passo à frente para a Rússia e que lutas – geralmente cautelosas e moderadas – deveriam ser usadas para fazer a transição do czarismo para uma república capitalista.


Lênin discordou fortemente desses populistas revolucionários, por um lado, e dos democratas liberais, por outro. Em vez disso, ele argumentou – com outros que buscavam aplicar as ideias marxistas às realidades russas – que apenas a classe trabalhadora seria capaz de liderar uma luta consistente pela democracia política genuína e pela democracia econômica do socialismo.


Mas mesmo dentro do coletivo político marxista com o qual Lênin estava comprometido, o POSDR, havia diferenças emergentes significativas que precisavam ser discutidas e debatidas.


Alguns foram denominados "economicistas" porque argumentavam que os marxistas deveriam restringir sua agitação entre os trabalhadores a questões econômicas (construindo sindicatos, etc.), permitindo aos liberais pró-capitalistas liderar a luta pela democracia política, uma vez que uma república capitalista permitiria o eventual desenvolvimento da abundância econômica e uma maioria da classe trabalhadora capaz de trazer o socialismo.


Em sua polêmica de 1902, Que fazer?, Lênin argumentou, entre outras coisas, que o POSDR deveria levar a sério a organização de uma liderança política marxista que lideraria lutas contra todas as formas de opressão, não apenas problemas econômicos enfrentados pelos trabalhadores.


Grupos revolucionários que fazem valer seu nome, de acordo com Lênin, devem se posicionar como "o tribuno do povo”... apto para reagir a toda manifestação de tirania e opressão, não importa onde apareça, não importa qual estrato ou classe do povo isso afete” – e eles devem “ser capazes de generalizar todas essas manifestações e produzir uma imagem única da violência policial e da exploração capitalista... visando esclarecer para tudo e para todos o significado histórico-mundial da luta pela emancipação do proletariado".


Outros no POSDR, embora não chegassem tão longe quanto os "economicistas", argumentaram que uma classe trabalhadora organizada política e economicamente precisaria estabelecer uma aliança com os capitalistas.


Lênin, por outro lado, argumentou que apenas uma aliança operário-camponesa, envolvendo a maioria das massas trabalhadoras do país, seria capaz de avançar através de uma revolução profunda que derrubaria o czarismo. Os capitalistas, argumentou ele, ficariam apavorados por uma classe operária insurgente e ao contrário iriam preferir fazer acordos com o czar, a nobreza dos proprietários de terras e as forças militares da antiga ordem.


Somente os trabalhadores e camponeses iriam até o fim – e o movimento operário teria que fornecer a liderança, nesta aliança operário-camponesa, para realizar a revolução democrática. Esse foi um ponto-chave em sua polêmica Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, de 1905. (Alguns que discordaram dele o acusaram de querer uma revolução burguesa sem – e contra! – a burguesia).


Leon Trotsky concordou com Lênin sobre a aliança operário-camponesa, mas foi além, dizendo que uma revolução operária, apoiada pelo campesinato, estabeleceria lógica e necessariamente o poder político da classe trabalhadora e acabaria indo em uma direção socialista, o que seria apoiado pela expansão de revoluções socialistas da classe trabalhadora em outros países.


Lênin, junto com a maioria dos outros marxistas russos, discordou de maneira aguda dessa teoria da "revolução permanente", ainda que em 1917 seu próprio pensamento tenha mudado em uma direção semelhante.


* * *           

Um setor significativo do POSDR concordou com Lênin sobre esses e outros assuntos, e se reuniram com ele na fração bolchevique, enquanto a maioria dos membros do POSDR que discordavam dele fazia parte da fração menchevique. (Bolchevique significava "maioria" e Menchevique significava "minoria", embora às vezes a maioria real dos membros do partido tenha mudado em uma direção ou noutra).


A ideia menchevique de uma aliança operário-capitalista, em oposição ao compromisso bolchevique de uma aliança operário-camponesa, era uma divergência essencial. Outra foi sobre a natureza e o funcionamento da organização revolucionária.


A concepção de "centralismo democrático" – frequentemente identificada como o emblema do leninismo – foi primeiramente articulada de maneira mais clara, dentro do movimento russo, pelos mencheviques. Mas os bolcheviques imediatamente a abraçaram também, e pode-se argumentar que eles levaram a ideia mais a sério.


A definição básica de centralismo democrático é "liberdade de discussão, unidade na ação". Em outras palavras, as decisões a respeito das atividades de uma organização revolucionária são desenvolvidas através de um processo democrático, no qual todas as visões devem ser apresentadas e consideradas, mas devem então ser implementadas. Fazer o contrário violaria a democracia.


Mais de uma vez, no entanto, uma decisão a que se chegou através de uma discussão séria e de voto democrático foi abertamente rejeitada e desrespeitada pelos mencheviques. Lênin – que insistia que os quadros revolucionários comprometessem "toda a sua vida" à luta revolucionária, não simplesmente tratando-a como um passatempo para "noites de folga" – entendeu que essa maneira não séria de proceder desorganizaria profundamente o trabalho de realizar uma revolução.


Em 1912, isso levou a uma divisão organizacional permanente entre bolcheviques e mencheviques.


Mesmo antes disso, no entanto, havia também uma fissura dentro da organização bolchevique, particularmente após as imensas, ainda que fracassadas, insurgências revolucionárias de 1905. Surgiram diferenças agudas a respeito da relação entre reforma e revolução – com Lênin insistindo que as lutas pela reforma social eram essenciais para construir um movimento operário de massas capaz de liderar uma revolução vitoriosa no futuro.


A contraposição da revolução às "meras reformas" – e da luta armada e da hostilidade da ultra-esquerda aos esforços sindicais e à atividade eleitoral – continuaria a surgir no movimento revolucionário, inclusive fora da Rússia, levando Lênin a escrever o seu posteriormente clássico Esquerdismo – doença infantil do comunismo, em 1920.


* * *

No período entre a fracassada revolução russa de 1905 e os triunfos revolucionários de 1917 – primeiro, a derrubada do czarismo em fevereiro/março e, em seguida, o estabelecimento de uma república operária baseada nos conselhos democráticos, ou sovietes, de trabalhadores, soldados e camponeses em outubro/novembro – o papel de Lênin como um teórico revolucionário se aprofundou dramaticamente.


Sua insistência na necessidade de independência política da classe trabalhadora e na necessidade de supremacia (ou hegemonia) da classe trabalhadora para o triunfo das lutas democráticas e de reforma é acompanhada por sua abordagem das alianças sociais (como a aliança operário-camponesa) como um aspecto fundamental da luta revolucionária.


Também encontramos o seu desenvolvimento da tática de frente única, na qual diversas forças políticas podem trabalhar juntas por objetivos comuns, sem que as organizações revolucionárias minem sua capacidade de apresentar alternativas efetivas ao status quo capitalista.


Enquanto isso, suas análises profundas do desenvolvimento capitalista, do imperialismo e do nacionalismo utilizam, expandem e, em certa medida, aprofundam as próprias análises de Marx.


Lênin foi forçado a lidar com isso em face da terrível calamidade da Primeira Guerra Mundial, que começou em 1914. Seu clássico Imperialismo, estágio superior do capitalismo (1916) argumenta que o conflito sangrento foi causado em grande parte através do natural desenvolvimento do capitalismo em rivalidades imperialistas – com potências capitalistas concorrentes desenvolvendo um expansionismo econômico voraz (buscando mercados, matérias-primas e oportunidades de investimento) em uma escala global, apoiadas por máquinas militares massivas.


A vibrante orientação internacionalista de Lênin abrange os trabalhadores e os povos oprimidos de todo o mundo nesses escritos. Ao lidar com a questão do nacionalismo, ele fez distinções importantes entre o nacionalismo das grandes potências imperialistas, que ele considerava opressivo e reacionário, e o nacionalismo dos povos oprimidos lutando pela libertação do imperialismo, que ele considerava progressista e digno de apoio.


Especialmente dramática é a notável compreensão de Lênin da maneira pela qual as lutas democráticas fluem na direção da revolução socialista. A democracia está no centro da orientação estratégica leninista. "Devemos combinar a luta revolucionária contra o capitalismo com um programa revolucionário e táticas para todas as demandas democráticas", enfatizou Lênin, incluindo oposição à opressão racial, nacional e de gênero.


A pressão pela democracia genuína significa uma pressão pelo socialismo genuíno, ele explicou:


“Enquanto o capitalismo existir, essas demandas – todas elas – só podem ser cumpridas como uma exceção e, mesmo assim, de forma incompleta e distorcida. Baseando-nos na democracia já alcançada e expondo sua incompletude sob o capitalismo, nós exigimos a derrubada do capitalismo... como uma base necessária tanto para a abolição da pobreza das massas quanto para a instituição completa e generalizada de todas as reformas democráticas.”


Uma maioria da classe trabalhadora só pode trazer o socialismo se permeada pelo "espírito da mais consistente e resolutamente revolucionária democracia", ele concluiu.


Desafiando perspectivas de “lugar comum” no movimento socialista de sua época, em seu clássico de 1917, O Estado e a revolução, Lênin analisou a natureza do estado na história, com uma conceituação – enraizada em Marx e Engels, porém ao mesmo tempo notavelmente inovadora – de lutas triunfantes da classe trabalhadora gerando uma democracia cada vez mais profunda e expandida que em última análise levaria o estado a desaparecer.


* * *

Armado com essas ideias e um acúmulo de experiência política prática ao longo de vários anos, Lênin e seus companheiros bolcheviques desenvolveram uma organização cuja constituição foi, como Tamás Krausz colocou em seu recente estudo Reconstruindo Lênin, "criada entre os membros da classe trabalhadora com maior consciência de classe, através de um árduo processo de seleção".


A ideologia e a estrutura organizacional dos bolcheviques, observa Krausz, "foram reconhecidas por membros politicamente conscientes da classe trabalhadora em 1905 e 1917 como expressões válidas de sua política".


Isso tornou possível a transição após a revolução de 1917 que – pelo menos brevemente – deu "todo o poder aos sovietes", como previu o slogan dos bolcheviques.


Nada disso foi um show de um só homem. Lênin foi capaz de desempenhar o papel que desempenhou porque fazia parte de uma coletividade que envolvia muitos revolucionários talentosos e capazes, que por sua vez se tornaram a força que foram por causa das energias revolucionárias criativas das massas de trabalhadores e camponeses.


Nem o socialismo poderia ser alcançado em um único país atrasado. Lênin e seus camaradas estavam conectados com muitos milhares de revolucionários dedicados em países ao redor do mundo. Suas ricas deliberações sobre como avançar a revolução mundial podem ser encontradas nos volumes da jovem Internacional Comunista recentemente disponibilizados por John Riddell e seus colegas de trabalho.


Tragicamente, revoluções em outros lugares foram derrotadas. A revolução russa permaneceu isolada, adotando expedientes autoritários para sobreviver. Pouco antes de morrer, Lênin comentou e lutou contra sua degeneração burocrática.


Nosso próprio mundo é bem diferente do de Lênin em muitos sentidos. Porém, com a aproximação de crises e lutas cada vez mais profundas, ativistas sérios podem recuperar ferramentas Leninistas que podem ajudar na criação de um futuro melhor.

183 visualizações0 comentário
Post: Blog2_Post
bottom of page