A tragédia de um filho do século
(outubro de 1997)
Daniel Bensaïd
Tradução de Youssef Azzam
Revisão de Pedro Barbosa
Em 9 de outubro de 1967, Ernesto Che Guevara é friamente assassinado, depois de ser capturado pelo exército boliviano. O ano de 1968 se abre, assim, profundamente marcado por essa personalidade revolucionária com um destino trágico e voluntário, encarnando mais do que qualquer outro o engajamento internacionalista. E, internacionalista, 1968 o foi ⎼ ritmado pela ofensiva do Tet vietnamita e a revolta dos estudantes mexicanos no terceiro mundo, pela primavera de Praga no coração do bloco soviético, pelo movimento anti-guerra americano e a greve geral francesa nos países imperialistas. Trinta anos mais tarde, além das desilusões e da duvidosa homenagem da comercialização, a personalidade de Che encarna ainda essa aspiração radical, esse espírito internacionalista, essa vontade de coerência entre pensamento e ação. Não é exatamente isso que faz, para nós, sua atualidade?
Há 30 anos, Che
Uma vida, atos que resumem as grandes esperanças e desilusões de um século a terminar.
Para alguns, ele é a imagem do fanático movido pelo desespero, lançado em uma fuga para a frente suicida, em busca de sua própria morte, que infelizmente teria arrastado em sua aventura pessoal homens e mulheres ingênuos ou cegos. Para outros, é uma imagem religiosa imaculada, a encarnação de uma perfeição, com a edificação, amanhã, talvez, de um mausoléu para acolher seus restos mortais recuperados e celebrar um culto tão contrário à sua própria visão de mundo.
Nós, que não temos nem deus, nem senhor, nem ídolos, o que nos interessa na figura de Che, em sua passagem meteórica na história contemporânea, é ao contrário o caráter simplesmente humano do militante, com suas forças e fraquezas, cuja vida e os atos resumem as grandes esperanças e as grandes desilusões deste século a terminar.
A vida de Che é uma espécie de resumo acelerado da experiência revolucionária contemporânea. Com ele, ao seu redor, tudo passa muito rápido. Nascido em 1928, morreu em 1967, aos 39 anos. Sua vida política dura menos de uma quinzena de anos; é mais do que encorpada: 1954, participação na resistência guatemalteca contra a intervenção imperialista; 1956-1959, guerrilha cubana, desde o desembarque do Granma até a entrada vitoriosa em Havana; 1959-1965, exercício de responsabilidades governamentais e missões diplomáticas; 1966, participação na luta no Congo; 1967, luta e morte na Bolívia... Che viveu como homem apressado, mais intensamente do que muitos que tiveram vidas mais longas.
Três experiências
Não é apenas essa brevidade que impressiona, mas o percurso acelerado de sua experiência no século.
Se dá em primeiro lugar, durante uma viagem iniciática através da América Latina, a aprendizagem da realidade, da dominação imperialista, da miséria, da pobreza, da dependência cultural resultante. Ali ele forja uma profunda convicção rebelde, anti-imperialista, que é a primeira motivação de seu compromisso.
Em seguida, através da experiência da revolução cubana, ele constata que uma luta anti-ditatorial, de libertação nacional, a dois passos da potência imperialista, não pode ir até o fim de seus objetivos enquanto permanece entravada por acordos com as burguesias nacionais corruptas e dependentes. Ele conclui que a única solução para a real independência reside na luta pelo socialismo, com sua célebre fórmula "Ou revolução socialista, ou caricatura de revolução" que recupera, por um caminho próprio, os termos da oposição entre "socialismo em um só país" e revolução permanente.
Finalmente, sua terceira grande experiência, como ministro do governo revolucionário, foi aquela das relações conflituosas com "os países irmãos" do "campo socialista". Negociando o apoio, a cooperação econômica e militar, discutindo a política internacional com os dirigentes chineses e soviéticos, Che chega a uma terrível conclusão que ele teve a coragem ⎼ deve-se imaginar a época para medir sua audácia ⎼ de expressar publicamente, em 1965, no famoso discurso de Argel. É um desafio e um verdadeira acusação contra a ausência de internacionalismo na política dos Estados ditos socialistas. Ele os critica por aplicar aos países mais pobres condições de troca comercial que são as mesmas do mercado mundial dominado pelo imperialismo, e também por não fornecer ajuda incondicional, militar inclusive, às lutas de libertação, do Congo e do Vietnã em particular.
O discurso de Argel é um verdadeiro ato de acusação contra as violações à solidariedade internacional por parte desses países ditos socialistas. Não por acaso, ao voltar de Argel, Che nunca mais apareceu publicamente em Cuba. Parece que agora, de acordo com os documentos e testemunhos disponíveis, os dirigentes soviéticos deixaram claro para os cubanos que, dali em diante, ele havia se tornado indesejável e não podia mais representar a revolução cubana a qualquer título que fosse; que se deveria, portanto, eliminá-lo ou encontrar outro emprego para ele. Essa é uma das razões, sem dúvidas não a única, que permite compreender o que foram os últimos anos da vida de Che, sua presença no Congo em 1966 e sua expedição boliviana no ano seguinte.
Consciência política
Esse percurso apressado pela tragédia do século nos leva a uma questão muito discutida hoje em dia, inclusive na esquerda revolucionária, onde às vezes se apresenta a ação de Che como uma tolice romântica e suicida, talvez simpática, mas estranha à realidade. As escolhas e o comportamento de Che, para além de suas características psicológicas pessoais (todos nós temos nosso lado sombrio, nossos traumatismos da pequena infância, nossas pulsões bizarras) provêm de uma consciência política particularmente aguda do que estava em jogo, de uma compreensão terrivelmente lúcida de qual era a realidade da situação internacional, marcada pela parceria conflituosa das grandes potências e pela experiência histórica da Guerra do Vietnã. Suas decisões são políticas. Elas traduzem uma concordância perfeita, rara mesmo em revolucionários, entre o pensamento e os atos. Pode-se dizer dele o que foi dito de Saint-Just, que era "um pensador de atos".
O que ele escreveu em seus últimos textos, em particular em sua famosa mensagem de 1967 à Tricontinental, são coisas simples, quase banais. Mas para muitas pessoas que se diziam revolucionárias, que se consideravam guardiãs da herança revolucionária [mas] sem agir em consequência, ressoou como um desafio inexorável. "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução ", esta pequena frase tão evidente é uma maneira de denunciar, então, todos os pretensos revolucionários que, não apenas não procuraram fazer a revolução, que administraram as rendas da situação, mas que torpedearam os esforços dos povos para se libertar.
"Revolução socialista ou caricatura de revolução", não se constrói uma sociedade e uma humanidade novas com os mesmos costumes, os mesmos métodos, as mesmas relações de poder, a mesma concepção de trabalho daquela do mundo antigo. Deve-se transformar profundamente as relações sociais em todos seus aspectos, inclusive os da vida cotidiana. Em um texto que foi muito importante para nós, O Socialismo e O Homem em Cuba, Che critica a vulgata oficial dos países socialistas, apelando para a renovação do pensamento, o afastamento dos dogmas e a ruptura com a cultura pesada de uma ortodoxia de Estado.
Romper o círculo
O peso do edifício burocrático era tão pesado de remover, precisava de tanta energia, tanto esforço, que a ruptura, certamente, não viria sem riscos. Alguns criticaram Che por seu voluntarismo, uma vontade excessiva que se descola da realidade, ou seu esquerdismo. Ele mesmo estava perfeitamente consciente, em seus últimos combates, de uma situação contraditória, de uma corrida contra o relógio, quase desesperada, contra a barbárie. Em sua mensagem à Tricontinental, ele fala da "trágica solidão do povo vietnamita" diante da intervenção americana. Essa trágica solidão, é também sua própria solidão na Bolívia. É a sua. Ela é o resultado, diz ele, "de um momento ilógico da história da humanidade", ilógico porque no momento em que os povos se levantam e sacodem o jugo da opressão, aqueles que deveriam ter se colocado ao lado deles sem negociar seu apoio, foram ausentes.
Finalmente, a patética corrida de Che na Bolívia, que aparece como uma tentativa sem sentido em uma região desolada e quase deserta, assinala uma lógica implacável. Proibido retornar a Cuba depois de seu discurso em Argel, ele tentou abrir no Congo uma nova etapa da revolução africana após a independência e o assassinato de Patrice Lumumba. O fracasso foi amargo.
Che, apesar de tudo, permaneceu profundamente convencido de que, se permanecesse isolada, no âmbito da costa americana, a revolução cubana só poderia se submeter pouco a pouco aos ditames dos países irmãos, cair sob sua palmatória burocrática. O imperativo, o dever revolucionário ⎼ bem-sucedido ou não ⎼ era então fazer de tudo para romper o círculo, para quebrar o cerco: estender a revolução, começando pelo continente que ele conhecia por ter percorrido.
O projeto era sem dúvidas desmedido, mas não carecia de lógica política. Não se tratava de tomar o poder na Bolívia, mas de reunir, de formar algumas centenas de combatentes de pelo menos cinco países para fazer da Bolívia o ponto de partida de uma subversão continental.
Ao lançar sua palavra de ordem "Criar dois, três, muitos Vietnãs", Che acrescentou que muitos morreriam "vítimas de seus erros". Esses erros, ele mesmo os cometeu, e não dos menores. Como subestimar a sabotagem da qual ele foi vítima por parte dos dirigentes soviéticos e de seus colegas bolivianos. De acordo com Benigno, ele reuniu em 1 de janeiro de 1967 um punhado de cubanos comprometidos com ele para lhes explicar que as condições não estavam como previstas, que seria muito duro, que eles poderiam consequentemente se sentir livres para se retirar sem vergonha, o que ninguém fez. Encurralado em um impasse político e histórico, sua luta poderia ainda ter um sentido: uma mensagem, uma herança a transmitir, que temos em troca a responsabilidade de recolher e transmitir por nosso turno.
Rouge n° 1749, 9 outubro de 1997
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