top of page
  • Foto do escritorEditor MRI

Ernest Mandel e o ecossocialismo (Michael Löwy)

Atualizado: 2 de ago. de 2020


Ernest Mandel e o ecossocialismo

Michael Löwy


A preocupação com o meio ambiente aparece com força nos escritos de Mandel apenas a partir dos anos 70. Dificilmente aparece, por exemplo, no Tratado de economia marxista (1962). É verdade que já encontramos neste trabalho “inaugural” a ideia de uma “paragem do crescimento” no socialismo: “Quando a sociedade dispuser de um parque de máquinas automatizadas amplo o bastante para atender todas as suas necessidades atuais (…) é provável que o ‘crescimento econômico’ seja retardado ou mesmo momentaneamente parado. O homem completamente livre de todas as preocupações materiais e econômicas terá nascido” [1].


As ideias ecológicas de Ernest Mandel


Foi, portanto, a partir de 1971-72, após o aparecimento dos primeiros movimentos ecológicos e após a leitura das obras pioneiras de Elmar Altvater, Harry Rothman e Barry Commoner, que ele começou a integrar a dimensão ecológica no seu pensamento. Assim, em O Capitalismo Tardio (1972), aponta a “crescente ameaça que a tecnologia contemporânea, devido à sua instrumentalização capitalista, representa para o meio ambiente” e, consequentemente, para “a sobrevivência da humanidade”. Mas esta não é uma questão central no livro: existem apenas algumas referências aqui e ali, sem que o tema seja tratado de forma sistemática [2]. Parece portanto que foi o Relatório do “Clube de Roma” (Meadows Report, apresentado por Sicco Mansholt) que estimulou Mandel a iniciar uma reflexão mais sustentada sobre o tema do meio ambiente: este foi o tema do artigo “Dialectique de la croissance” (Dialética do crescimento) de novembro de 1972, mais tarde publicado em alemão sob o título “Marx, Engels e a Ecologia”. Considerando o que tinha escrito no Tratado... sobre a paragem do crescimento econômico no socialismo, é curioso que a sua reação ao Relatório Meadows tenha sido tão negativa, ao ponto de caracterizar os autores como “capitalistas doutrinários” dispostos a sacrificar tudo, mesmo o nível de vida que ainda hoje é considerado sagrado, “desde que a propriedade privada e o lucro sejam preservados”. No entanto, dá-lhes crédito por apontarem a existência de “recursos naturais limitados”, que tornam impossível a generalização à escala global do estilo de vida da classe média dos Estados Unidos.


Depois de recordar que para Marx o crescimento econômico, o desenvolvimento das forças produtivas não era um fim em si, mas simplesmente um meio de emancipação humana, Mandel cita uma importante passagem de A ideologia alemã (1846) sobre a transformação, no capitalismo, das forças produtivas em forças destrutivas. Este potencial destrutivo do desenvolvimento capitalista das forças produtivas resulta da própria lógica da economia de mercado baseada na busca do lucro: “se certas técnicas foram escolhidas em vez de outras, sem ter em conta os efeitos no equilíbrio ecológico, é com base nos cálculos da lucratividade privada de certas empresas…” [3]. Em certas passagens Mandel parece acreditar na neutralidade da tecnologia moderna: “simplesmente não é verdade que a tecnologia industrial moderna tende inevitavelmente a destruir o equilíbrio ecológico”. Mas mais tarde reconhece que a tecnologia atual, a tecnologia industrial moderna realmente existente – por exemplo a imposta por trustes químicos como a Monsanto – é perigosa e prejudicial. Ele simplesmente insiste que esta orientação técnica não é a única possível: numa perspectiva socialista, “seria dada prioridade ao desenvolvimento de outra tecnologia, tendendo inteiramente para o desenvolvimento harmonioso do indivíduo e a conservação dos recursos naturais, e não para a maximização dos lucros privados”. A solução não é, portanto, impor a escassez, a ascese e a redução drástica do nível de vida – como propuseram os peritos do MIT no seu relatório ao Clube de Roma –, mas sim planejar o crescimento, sujeitando-o a “uma série de prioridades claramente estabelecidas, que estão inteiramente fora dos imperativos do lucro privado”. A opção do “crescimento zero”, especialmente nos países subdesenvolvidos, é inaceitável. A alternativa socialista proposta por Mandel consiste em transformar radicalmente as estruturas econômicas e sociais, criando assim as condições para restabelecer o equilíbrio ecológico. Numa sociedade socialista, será dada prioridade à satisfação das necessidades básicas de todos os seres humanos e à busca de novas tecnologias que reconstituam as reservas de recursos naturais escassos. A qualidade de vida, o tempo livre e a riqueza das relações sociais se tornarão muito mais importantes do que o “aumento do rendimento nacional bruto” [4].


Depois, esta questão estará muito presente nos escritos de Ernest Mandel: por exemplo, no manifesto Socialisme ou Barbarie au seuil du XXIe siècle (Socialismo ou Barbárie no Limiar do Século XXI) da Quarta Internacional (1993), há uma seção dedicada à relação entre socialismo e ecologia. O autor reconhece as fraquezas do movimento operário nesta área, o fracasso gritante das sociedades burocráticas pós-capitalistas e a dívida dos marxistas para com os ecologistas. Mas mantém o rumo da alternativa socialista: “uma luta eficaz contra a poluição, uma defesa sistemática do meio ambiente, uma busca constante de substitutos para os recursos naturais escassos, uma economia rigorosa na utilização destes recursos, exige então que as decisões de investimento e de escolha de técnicas de produção sejam arrancadas dos interesses privados e transferidas para a coletividade que os opera democraticamente” [5]. A insistência sobre os “recursos naturais escassos” – já presente no artigo de 1972 – é uma limitação evidente: os desafios ecológicos vão muito além deste aspecto econômico.


“Apropriação” ou subversão do aparelho produtivo?


Se a opção socialista de Mandel me parece ainda atual, me parece necessário dar mais alguns passos além, tanto na crítica à herança marxiana como na radicalidade da ruptura com o paradigma tecno-produtivo existente. É necessário integrar as realizações da ecologia no próprio cerne da abordagem socialista: em outras palavras, visar uma alternativa ecossocialista.


Um certo marxismo clássico – utilizando algumas passagens de Marx e Engels – parte da contradição entre forças e relações de produção, e define a revolução social como a supressão das relações capitalistas de produção, que se tornaram um obstáculo ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Esta concepção parece considerar o aparelho produtivo como “neutro”, e o seu desenvolvimento como ilimitado. Deste ponto de vista, a transformação socialista consistiria sobretudo na apropriação social das forças produtivas criadas pela civilização capitalista e a sua colocação a serviço dos trabalhadores. Para citar uma passagem do Anti-Dühring de Engels, esse trabalho canônico para gerações de socialistas: no socialismo “a sociedade toma abertamente e sem rodeios a posse das forças produtivas que se tornaram demasiado grandes para qualquer outra direção que não a sua própria” [6].


É preciso criticar esta perspectiva, de um ponto de vista ecossocialista, inspirando-se nas observações de Marx sobre a Comuna de Paris: os trabalhadores não podem assumir o aparelho de Estado capitalista e colocá-lo para trabalhar para eles. Devem “quebrá-lo” e substituí-lo por outro, totalmente distinto, uma forma não estatizada e democrática de poder político.


O mesmo se aplica, mutatis mutandis, ao aparelho produtivo capitalista “realmente existente”: pela sua natureza e estrutura, ele não é neutro, mas [está] a serviço da acumulação de capital e da expansão ilimitada do mercado. Está em contradição com as exigências de preservação do meio ambiente e da saúde da força de trabalho. Pelo seu funcionamento e lógica, só pode agravar a poluição, a destruição da diversidade biológica, a supressão das florestas e a perturbação catastrófica do clima. Deve, portanto, ser “revolucionado”, transformando radicalmente a sua estrutura. Para alguns ramos de produção – centrais nucleares, por exemplo – isto pode significar “quebrá-lo”. Em qualquer caso, as próprias forças produtivas devem ser profundamente modificadas, de acordo com critérios sociais e ecológicos.


Isto significa, em primeiro lugar, uma revolução energética, a substituição das energias não renováveis e responsáveis pela poluição e envenenamento do meio ambiente – carvão, petróleo e [energia] nuclear – por energias “suaves” e renováveis: água, vento, sol.


Mas é o conjunto do modo de produção e de consumo – baseado, por exemplo, no automóvel particular e em outros produtos deste tipo – que deve ser transformado, junto com a supressão das relações capitalistas de produção e o início de uma transição para o socialismo. É evidente que qualquer transformação do sistema de produção ou de transporte – substituição progressiva da rodovia pelo trem – deve ser realizada com a garantia de pleno emprego da força de trabalho.


Qual será o futuro das forças produtivas nesta transição para o socialismo – um processo histórico que não pode ser contado em meses ou anos? Duas escolas se enfrentam dentro daquilo que se poderia chamar a esquerda ecológica:


– A escola otimista, segundo a qual graças ao progresso tecnológico e às energias suaves, o desenvolvimento das forças produtivas socialistas pode expandir-se sem limites, com o objetivo de satisfazer a “cada um de acordo com as suas necessidades”. Esta escola não leva em conta os limites naturais do planeta e acaba por reproduzir – sob o rótulo “desenvolvimento sustentável” – o velho modelo socialista.

– A escola pessimista, que, partindo destes limites naturais, considera que é preciso limitar, de maneira draconiana, o crescimento demográfico e o nível de vida das populações. Seria preciso reduzir pela metade o consumo de energia, ao custo de abandonar habitações unifamiliares [individuais], aquecimento, etc. Como estas medidas são fortemente impopulares, esta escola, às vezes, acalenta sonhos de uma “ditadura ecológica esclarecida”.


Me parece que estas duas escolas partilham uma concepção puramente quantitativa do desenvolvimento das forças produtivas. Existe uma terceira posição, que me parece mais apropriada – para a qual Mandel parecia tender –, para a qual a hipótese principal é a mudança qualitativa do desenvolvimento: pôr fim ao monstruoso desperdício de recursos pelo capitalismo, baseado na produção, em grande escala, de produtos inúteis ou prejudiciais: a indústria do armamento é um exemplo evidente. Trata-se, portanto, de orientar a produção para a satisfação de necessidades autênticas, a começar pelas que Mandel designou como “bíblicas”: água, comida, vestuário, habitação.

Como distinguir as necessidades autênticas das artificiais e falsas? Estas últimas são induzidas pelo sistema de manipulação mental chamado “publicidade”. Peça indispensável para o funcionamento do mercado capitalista, a “pub” está condenada a desaparecer numa sociedade de transição para o socialismo, para ser substituída pela informação fornecida pelas associações de consumidores. O critério para distinguir uma necessidade autêntica de outra artificial é a sua persistência após a supressão da publicidade… (Coca-Cola!).


O automóvel individual, por outro lado, satisfaz uma necessidade real, mas num projeto ecossocialista, baseado na abundância de transportes públicos gratuitos, terá um papel muito mais reduzido do que na sociedade burguesa, onde se tornou um fetiche mercantil, um sinal de prestígio e o centro da vida social, cultural, desportiva e erótica dos indivíduos.


Certo, responderão os pessimistas, mas os indivíduos são movidos por desejos e aspirações infinitas, que precisam ser controlados e reprimidos. Agora, o ecossocialismo baseia-se numa aposta, que já era de Marx e na qual Mandel insistia frequentemente: a predominância, numa sociedade sem classes, do “ser” sobre o “ter”, ou seja, a realização pessoal, através de atividades culturais, lúdicas, eróticas, desportivas, artísticas e políticas, em vez do desejo de acumulação infinita de bens e produtos. Este último é induzido pela ideologia burguesa e pela publicidade, e nada indica que constitua uma “natureza humana eterna”.


Isto não significa que não haverá conflitos, entre as exigências de proteção ambiental e as necessidades sociais, entre os imperativos ecológicos e as necessidades de desenvolvimento, especialmente nos países pobres. Cabe à democracia socialista, liberta dos imperativos do capital e do “mercado”, resolver estas contradições.


Notas

[1] E. Mandel, Traité d’Économie Marxiste (1962), UGE 10/18, Paris 1969, tome IV, pp. 185-186.

[2] 2. E. Mandel, O Capitalismo Tardio (1972), Les Éditions de la Passion, Paris 1997, pp. 400, 459.

[3] E. Mandel, Dialética do crescimento, Mai n° 26, novembre-décembre 1972, p. 11.

[4] Ibid. pp. 12-14.

[5] E. Mandel, Socialismo ou barbárie no limiar do século XXI, supplément à Inprecor, juillet 1993, p. 14-15.

[6] F. Engels, Anti-Dühring, Éditions Sociales, Paris 1950, p. 318.


Michael Lowy é um filósofo marxista e dirigente da IV Internacional.


– Traduzido por Alain Geffrouais, de Inprecor (20/07/2020).

Revisado por Pedro Barbosa para o Blog MRI.

197 visualizações0 comentário
Post: Blog2_Post
bottom of page