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Como os socialistas deveriam se organizar? (Um debate sobre os sentidos do centralismo democrático)



Como os socialistas deveriam se organizar?

(Um debate sobre os sentidos do centralismo democrático)


Debatedores: Asmi Tiunara (SWP britânico), Gilbert Achcar (NPA francês), Paul Le Blanc (ISO estadunidense) e Alex Callinicos (SWP britânico). Introdução e tradução: Aldo Cordeiro Sauda



Ocorrido na conferência Marxismo de 2013, em Londres, Inglaterra, o debate traduzido e editado abaixo é de importância particular à esquerda anticapitalista no atual momento de reorganização política. A atividade “how should socialists organize?”, uma das centenas de mesas organizadas durante cinco dias pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) do Reino Unido, teve como expositor além de Asmi Tiunara, do SWP, Gilbert Achcar, membro do Novo Partido Anticapitalista (NPA) da França e Paul Le Blanc, da Organização Socialista Internacional (ISO) dos Estados Unidos. Alex Callinicos, membro da direção do SWP, participou do debate intervindo da plateia. Ressaltando a discussão teórica marxista, editamos a troca de ideias, cujo original transcrito ao português ocupava mais que o dobro do espaço abaixo. Provocações entre os palestrantes, assim como debates mais conjunturais sobre partidos da esquerda radical na Europa foram retirados do texto para valorizar as reflexões ligadas à estratégia. A gravação do debate, publicado no youtube, pode ser encontrada aqui.


O evento aconteceu em meio a um processo conturbado de ruptura no SWP, no qual a maior parte da juventude e muitas de suas figuras públicas abandonaram o grupo. Além de graves denúncias morais relacionadas a um caso de estupro, a divisão se deu também por divergências organizativas e teóricas em torno do regime interno. O debate público sobre a crise do grupo e sua forma de organização, incluindo correntes políticas de tradições diferentes, ressaltou diversos aspectos teóricos e práticos sobre o leninismo no século XXI.


Gilbert Achcar: Participo deste debate de uma perspectiva muito amigável ao SWP britânico. O Alex é testemunha disto. Sou inteiramente contra a demonização do SWP e de colocar o SWP no ostracismo, pois a destruição do SWP seria uma grande derrota para os revolucionários neste país. Dito isto, devemos também evitar a auto-destruição, e é este o centro de nosso debate. Posto que vocês tornaram o leninismo um fetiche – e este é o termo correto para descrever a relação de vocês com ele – reduzir o leninismo desta forma ao centralismo democrático coloca a necessidade de se dizer algumas coisas.


Primeiro, o regime interno do SWP é mais centralizado e menos democrático que o Partido Bolchevique pré-1917. Lendo até mesmo Zinoviev em seu livro “História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS” você tem um capítulo inteiro sobre as frações, do período entre 1906 e 1909. Frações públicas que incluíam parlamentar do partido, membros do comitê central e tudo mais. Estas coisas não eram resolvidas pela via das expulsões, mas sim com duros debates políticos. Lenin considerava que o partido bolchevique estava adaptado às condições russas. O seu modelo para a Alemanha era o Partido Social Democrata, no qual havia uma longa tradição de debates de tendências ou frações bastante públicas, da direita à esquerda do partido. E na verdade em sua própria concepção de organização partidária, Lenin não foi nem mesmo capaz de enxergar os problemas que a burocracia representava no Partido Social Democrata Alemão. Enxergou muito menos que Rosa Luxemburgo. Então porque não fetichizar a Rosa e não Lenin, que tem muito a ensinar, principalmente em um país como este, que tem muito mais em comum com a Alemanha daquela época do que a Rússia de Lenin.


Agora, peguemos uma ilustração, o último episódio desta crise, que eu achei particularmente e totalmente inacreditável: de suspender militantes partidários porque haviam escrito em um blog ou algo do tipo. Apenas pensem no que ocorreu em 1917 em meio à revolução no qual dois membros da direção do partido bolchevique, Zinoviev e Kamenev, que pronunciaram-se na imprensa burguesa, – ou na imprensa dirigida por Gorki, mais ligado a burguesia – denunciando a decisão interna, secreta, da insurreição em outubro. Lenin dizia que por conta disto, por conta dessa gravidade, que era uma ruptura tão grave das deliberações, que ele próprio os chamou de fura-greve e exigiu a expulsão deles do partido. eles não foram expulsos. Kamenev apenas foi retirado do Comitê Central. Foi apenas isto, não foram nem suspensos, era outra concepção de organização.


Depois da revolução, nas condições posteriores, você tem este modelo do chamado “centralismo democrático” das 21 condições de admissão à Internacional Comunista. Porém, não é possível separá-las do contexto. A primeira coisa dita nas condições de admissão é que “em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes está entrando na fase guerra civil”.“Os partidos filiados à Internacional Comunista devem ser construídos segundo o princípio do centralismo democrático no atual período de guerra civil encarniçada”, e continua “um partido comunista só pode cumprir seu dever, etc etc.” isto eh um contexto muito específico, você não pode apenas generalizar isto.


Mas mesmo se lermos as teses dos 3o congresso, na estrutura partidária encontraremos inclusive muitas qualificações, você encontrará o seguinte: “A centralização no Partido Comunista não deve ser formal e mecânica; deve ser uma centralização da atividade comunista” e não de debates, diga-se de passagem. “Uma centralização formal ou mecânica será apenas a centralização do ‘poder’ nas mãos de uma burocracia para dominar os outros membros do partido”. Esta é a política da Terceira Internacional. E a mais importante qualificação é dizer “não pode haver uma forma de organização imutável e absolutamente conveniente para todos os partidos comunistas. As condições da luta proletária se transformam constantemente e, conforme essas transformações, as organizações da vanguarda do proletariado devem também procurar constantemente formas novas e adequadas. As particularidades históricas de cada país determinam também formas especiais de organização para os diferentes países.”


Tempo e espaço. Esta é a base sobre a qual se constrói uma organização. Não com uma ideia pré-concebida, abstrata, que é vista como válida para todos os tempos e todos os países. Isto não é sequer leninismo, e lembrem-se, Lenin reagiu até a estas estruturas no ano seguinte escrevendo: “esta resolução é excelente, mas ela é quase inteiramente russa, em outras palavras, tudo nela se baseia em condições russas (…) Ela é muito russa. Não porque foi escrita em russo, mas porque ela é profundamente embutida de um espírito russo. Se por acaso algum estrangeiro entendê-la, ele não conseguirá executá-la.”


A pergunta colocada aqui, acredito eu, foi muito bem sintetizada por Trotsky em seu livro Stalin. Um livro, inclusive, muito interessante na questão da organização. “A chave do problema dinâmico de direção reside nas relações concretas entre a máquina política e o seu partido, entre a vanguarda e a sua classe, entre o centralismo e a democracia. Estas relações não podem, pelo seu caráter, estabelecer-se a priori e petrificar-se. Dependem das condições históricas reais e a sua balança instável regula-se pela luta vital das tendências, que, representadas pelas alas extremas, oscilam entre o despotismo da máquina política e a impotência dos tagarelas.”


Agora, a pergunta que surge é que tipo de organização que devemos construir no Reino Unido no século XXI. Este aqui não é o Reino da Arábia Saudita. Estamos na Grã Bretanha, um país no qual você não irá encarar uma polícia política que te persegue e coisas do tipo. Temos que olhar o espírito da nova geração, o fato de esta nova geração ter compreendido, na sua própria forma, é claro, as lições do colapso deste enorme tragédia chamada Socialismo no Século XX, e é extremamente sensível no tema da democracia. Você também precisa olhar, de certa forma, na questão tecnologia. Sou um materialista bruto neste sentido, e acho que a imprensa subterrânea lhe dá uma forma específica de organização, a internet lhe dá outra forma organizacional, é preciso levar tudo isto em consideração.


Paul Le Blanc: Camaradas, é um verdadeiro prazer estar aqui com vocês discutindo questões importantes nesta mini-série na conferência sobre Leninismo no Século XXI. Segundo minha compreensão, não há duvidas entre nós sobre a necessidade de um partido revolucionário enraizado em perspectivas leninistas. A questão é, ou uma questão é, como tal partido deve ser construído. Muitos nesta sala se apresentam como membros de partidos revolucionários de vanguarda. Eu argumentaria, segundo minha compreensão, que não existe hoje um partido revolucionário de vanguarda. Ele ainda tem de ser construído.


Se olharmos “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo”, em que Lenin fala de partidos revolucionários, ele fala em três pré-condições para tal partido. A primeira é a necessidade de haver uma camada de vanguarda entre os trabalhadores. Uma camada da classe trabalhadora com consciência de classe. É necessário também um partido com um programa revolucionário correto. Não um programa perfeito. Pode se argumentar que o SWP, assim como a ISO, tem bons programas. São perfeitos? Não. Precisam ser melhorados, é claro. Eu sei que nos Estados Unidos, infelizmente, não existe uma camada de vanguarda da classe trabalhadora que tenha consciência de classe. Três condições: camada de vanguarda da classe trabalhadora, programa revolucionário, e contato com massas de trabalhadores. Contato íntimo com massas de trabalhadores. Isto é o que Lenin mapeia como pré-condições para aquele partido, e sem isto, cai-se “em ficção, frases sem significado e gestos grotescos“.


Também argumentaria que não existe um núcleo de tal partido revolucionário nos EUA ou no Reino Unido. Acredito que os camaradas que estão aqui são parte deste futuro núcleo, há camaradas que não estão aqui que são parte, e há camaradas que ainda não são nem camaradas, camaradas que ainda não são revolucionários, que terão que vir a se juntar a nós. Mas isto não ocorrerá agora.


Uma segunda coisa que precisamos entender é quem é a classe trabalhadora e qual seu significado. A classe trabalhadora que existia nos tempos de Lenin e Trotsky, ou de James P. Cannon não existe mais. Isto não significa que não há mais classe trabalhadora, mas aquela classe trabalhadora se decompôs, e há uma recomposição da classe trabalhadora em curso. Ela parece diferente de quando existia na época em que Lenin e Trotsky estavam escrevendo. Isto não quer dizer que Lenin, Trotsky e Luxemburgo não sejam relevantes. São muito relevantes, mas o que precisamos entender é como aplicar isto à nossa realidade hoje. É preciso também ajudar a construir consciência de classe, entendendo que existem diferentes identidades. Posso lhes dizer que nos EUA a classe trabalhadora como um todo não se enxerga como classe trabalhadora. Ela se vê como “classe média”. Não seriam ricos, nem pobres, estariam em algum lugar no meio. Agora, isso não quer dizer que eles não sejam a classe trabalhadora. Assim como eles têm elementos de consciência de classe.


Muitas pessoas se identificam em torno de causas específicas. A causa ambientalista, questões ligadas a oposição a guerra, questões ligadas ao racismo, diferentes temas ligados à identidade, e isso faz parte da luta de classes. A classe recorta todos esses temas e todas essas identidades. Sou feminista, anti-racista, sou ativista ambiental, sou uma pessoa contra a guerra, como parte de ser um trabalhador. Além do mais, sou um trabalhador, eu vendo minha força de trabalho em troca de um salário, como a maioria das pessoas nos EUA.


Esta é a parte da realidade com a qual lidamos nos EUA e imagino que tenha similaridades aqui no Reino Unido. Portanto, temos que nos envolver em lutas. Educação socialista e lutas. Lutas sociais de vários movimentos e sindicatos, porém a maioria da classe trabalhadora não está em sindicatos. Mas a luta de classes vai para além dos sindicatos, e temos que nos envolver nisto. Sei que não estou dizendo algo que vocês não sabem ou com o qual não concordam, há concordâncias entre nós nesses aspectos, porém pode haver divergências também. De qualquer forma, isto é um ponto chave.


A terceira coisa que temos que entender, e acho que é algo que compreendemos, é a centralidade da democracia. O centralismo democrático é necessário. Agora, como se define centralismo democrático? Como se entende isso é um tópico em debate na organização de vocês, do SWP- Reino Unido. Na palestra passada Alex Callinicos disse que há uma forma particular de compreender e interpretar o centralismo democrático que se desenvolveu no SWP- Reino Unido. Esta não é a única forma de se compreender o centralismo democrático, caso contrário o Alex não teria formulado aquilo daquele jeito.


Toda a nossa esperança no futuro está em formar quadros, isto é, aqueles que entendem a história no longo prazo e ao mesmo tempo as exigências imediatas, como organizar uma reunião, como organizar uma manifestação, saber se relacionar com os outros na luta, e como recrutar pessoas mais e mais. O centralismo democrático, francamente, tem de relacionar-se de forma harmônica e consistente com esta necessidade.


Asmi Tiunara: Bem, camaradas, nos reunimos neste fim de semana em meio a levantes que sacodem o mundo e constantemente colocam a questão e a necessidade de uma organização. Um fenômeno que tenho visto é, agora, que ouvimos muito na esquerda do ressurgimento de formas organizativas do radicalismo reformista de esquerda.


Alguns na esquerda que argumentam que estas novas formações foram capazes de superar as divisões entre reforma e revolução, em parte por conta de sua retórica radical anti-austeridade, em parte porque estas formações incorporam e envolvem setores da esquerda revolucionaria ou radical dentro destas organizações. Minha visão é que devemos dar bem vindas a elas. Devemos dar bem vindas a qualquer ameaça, colocada pela esquerda, a linha majoritária da social-democracia, assim como das políticas de austeridade e os ataques que estamos enfrentando. Porém, não aceito que a divisão entre reforma e revolução pode ser simplesmente evitada ou superada por novas formações de organizações reformistas de esquerda.


Há muitas razões pela qual os partidos revolucionários são necessários, e quero mencionar apenas duas delas. a primeira se relaciona a questão do estado capitalista. não acredito que exista qualquer forma de superar a questão do reformismo. se a estratégia política de qualquer partido é pegar as alavancas do estado capitalista, este governo de esquerda, como aprendemos na história, será esmagado, isolado, ou deformado e tornado em uma réplica do estado capitalista.


A segunda razão pela qual precisamos falar sobre é a necessidade de um partido revolucionário e seu formato é a questão das desigualdades da classe trabalhadora. Quando falamos da classe trabalhadora, está correto o Paul ao dizer que a classe mudou de aparência nas diferentes eras nas quais existiu. Porém, na verdade eu não acho que nem Marx nem Lenin nem Trotsky achavam que a classe trabalhadora era um fenômeno estático. Caso formos pegar as descrições de Trotsky sobre o desenvolvimento desigual e combinado, veremos que ele mesmo observou e analisou as mudanças que ocorriam na classe trabalhadora. O mesmo se aplica a Marx, que olhava para a dinâmica da classe.

No SWP baseamos-nos naquilo que Hal Draper descrevia como socialismo “vindo de baixo”, que a auto-emancipação da classe trabalhadora e a libertação da humanidade tem de vir das mãos da classe trabalhadora, sabendo que na classe trabalhadora – seja como ela estiver constituída ou aonde estiver baseada – vai haver uma desigualdade nas ideias, vai haver uma divisão entre os que são os setores mais avançados, que têm as ideias mais avançadas, seja lá por qual razão, que são os revolucionários. Na outra ponta há os que são os mais reacionários. A maioria da classe trabalhadora está algum lugar no meio, ou tem uma mistura de ideias de todos os tipos diferentes de pensamentos, experiências e reflexões nas cabeças. A questão de um partido revolucionário é agrupar aqueles que, seja lá por qual razão, chegaram a conclusão que temos que derrubar o sistema como um todo e toda política que deriva dele. não apenas isto, mais todas as políticas que vêm desta conclusão. Juntar estas pessoas para que possamos intervir nas lutas que existem e as amplas campanhas de nossa classe e dos movimentos maiores de nossa época.


Como um partido revolucionário pode ter efetividade? Acho que temos que ser muito flexíveis, como disse Paul, temos que ser capazes de mudar nossas posições, nossas ideias, aprender da classe, aprender uns dos outros, e isto quer dizer que não podemos ter um partido com uma oposição interna permanente. Precisamos ter a habilidade de sermos flexíveis, de aprender das lutas mas também precisamos de unidade de ação. Esta é a importância de um partido revolucionário, quando discutimos e debatemos, o objetivo desta discussão e debate é como melhor armar nossa habilidade de intervir no mundo e nas lutas em que participamos.


Precisamos de unidade de ação, e uma razão pela qual precisamos de unidade de ação é porque sem isto, como entenderemos quais diferentes ideias estiveram certas ou erradas? A unidade na ação é parte do debate e discussão. Nós discutimos, debatemos, agimos e depois voltamos e nos perguntamos, acertamos? Mas para sermos capazes de fazer isto, temos que ter o máximo de discussão e debate. Dentro desta organização revolucionária precisamos de direção, precisamos de uma direção política centralizada que responda à base. Precisamos disto por inúmeras razões, em parte por conta das desigualdades que havia mencionado que existem na classe, desigualdades que se refletem no partido. Sei que o SWP não é do tamanho que queremos ou um partido operário de massas, mas temos militantes que integram diferentes setores da classe trabalhadora nos setor público ou privado, temos estudantes, aposentadas, pessoas voltadas a luta da moradia. Uma das razões porque precisamos ter uma organização centralizada em um partido é porque precisamos ter uma visão geral da luta de classe como um todo, para melhor armar nossas habilidades de intervenção nas lutas, por isso é preciso ter centralismo.


O Paul corretamente diz que não estamos na situação de sermos um partido revolucionário que vá dirigir uma revolução. Tenho acordo. de forma alguma o SWP, como ele é hoje, é um produto final do que um partido revolucionário terá como aparência em uma revolução na Grã Bretanha, e há muitas coisas que acontecerão no caminho em direção a tal revolução, mas temos que dizer que, apesar de certamente não ser o objeto pronto, somos certamente um grupo bem animado de pessoas que se vieram de uma longa caminhada nas coisas que fizemos, e acho que as coisas que nos guiaram em direção aonde estamos hoje e porque, nas palavras de Owen Jones [jornalista social-democrata], somos capazes de dar socos para além de nosso peso, em lutas mais amplas, é por conta da política que trazemos e a unidade de ação que trazemos com isto. Enfrentamos desafios enormes camaradas, não vamos subestimar isto. É por isto acho que os debates que estamos tendo sobre o tipo de organização que precisamos é tão crucial para garantir o avanço das lutas.


Perguntas da plateia


Alex Callinicos: Gilbert nos perguntou porque falamos de Lenin ao invés de Luxemburgo no tema partidário. Por uma razão muito simples: em agosto de 1914, quando chegou a crise, Lenin tinha um partido para responder à realidade, já Rosa Luxemburgo não tinha nada.


Porque somos o tipo de partido que somos? Não porque achamos que somos o partido que vai dirigir as massas dos trabalhadores a tomar o poder ou qualquer coisa ridícula deste tipo, mas porque somos uma organização que se baseia num conjunto de princípios marxistas e intervém na luta com o objetivo de construir, catalisar, influenciar, moldar e às vezes dirigir movimentos reais.


Olhem só para o nosso histórico: a Liga Anti-Nazi, a frente contra a guerra no Iraque, o coletivo Unidos contra o Fascismo, hoje, movimentos como o movimento anti-imposto de moradia. É esta interação entre um conjunto de políticas e uma forma de organização e movimentos e lutas mais amplas que definem o SWP como uma organização. E a forma com que nos organizamos não é por conta de uma certa concepção sobre a estrutura do proletariado ou por conta das teses do Comintern de 1922 ou qualquer coisa assim, mas é para nos permitir desempenhar este papel. Indispensável para isto é nossa capacidade de concentrar nossas forças, de forma muito central, nos principais frontes de luta. É por conta disto que temos uma forma particular de centralismo democrático que temos. Não é porque achamos que estamos copiando Lenin, não é porque achamos que sabemos de tudo, mas é condicionado pelo que tentamos atingir enquanto organização.


Gilbert afirma que unidade de ação é uma questão irrelevante. Peço desculpas, mas não. Porque unidade de ação depende de debates que nos levam a posições de maioria que tem de ser respeitadas [aplausos] Eu sou pelo mais amplo debate. Por discussões sobre como podemos melhorar o debate interno na organização. Mas sou muito mais contra frações permanentes hoje do que a um ano, porque o problema da fração permanente é que você coloca a lealdade à fração acima da lealdade à organização.


Gilbert Achcar: Alex, se seu argumento sobre Lenin é empírico “há, Lenin tinha uma organização” então porque você não vai até o final nesta perspectiva empírica e veja o que ocorreu com a chegada deste partido ao poder. E depois você irá dizer a velha história, da muralha de China que existe entre o partido Bolchevique pré-stalinista de 1917 e pós 1917, mas lembre-se que até mesmo Trotsky escreveu, e estou citando aqui novamente seu livro Stalin: “o aspecto negativo das tendências centrípetas do bolchevismo apareceu, pela primeira vez, no Terceiro Congresso da Socialdemocracia Russa. – 1905 – Os hábitos peculiares a uma máquina política já se formavam na ilegalidade. O jovem burocrata revolucionário já estava emergindo como tipo.” Não estou dizendo que temos que devemos ser luxemburguistas ou algo do tipo, apenas perguntei porque vocês só constroem sua visão baseada apenas em Lenin?


A unidade na ação, qual o significado disto? É respeitar a decisão da maioria? Não diria respeitar, eu diria aplicar. É uma questão de aplicação do que foi decidido. Mas isto não tem contradição alguma com continuar o debate. Tentar calar o debate porque vocês votaram o tema e ponto, isto é burocrático. Desculpe, mais isto não é democrático.


Paul Le Blanc: Algo que a Asmi disse com o qual eu concordo bastante é que os camaradas aqui são uma turma bem animada [risos]. Mas não um partido revolucionário, segundo a forma com que Lenin descrevia um partido revolucionário. Se vocês se veem como “o partido”, na minha opinião, isto leva a uma forma de agir sectária. Também, talvez, há certas pressões internas, que podem ser destrutivas. Aqueles que não estão com você no “partido revolucionário” se tornam um problema, e aqueles que questionam aspectos relacionados ao funcionamento partidário tornam-se um problema. Esta foi a minha experiência no SWP, não o Britânico, mas o Norte Americano. Eu acho que há elementos similares a isto aqui.


Há uma necessidade, e ninguém aqui discorda disso, para que os revolucionários tenham unidade na ação. Isto é certamente o caso. Mas unidade de ação não significa que se fecha o debate. Há uma diferença entre estas coisas.


Uma organização socialista revolucionária é necessária para ajudar a criar as pré-condições para a construção de um partido socialista revolucionário para a derrubada do capitalismo e a construção do socialismo. Precisamos de um partido revolucionário socialista que funcione segundo os marcos do centralismo democrático. Entendo isto como plena liberdade de debates e unidade de ação, assim como compreender o que a organização é e o que ela não é. Este é um debate que acredito ser necessário.


Eu e Gilbert concordamos com muita coisa, mas não concordamos em tudo. Eu não defendo o direito a frações permanentes. Aquilo que alguns camaradas falaram, ao meu ver, está correto na crítica a isto.


Gilbert Achcar: Uma observação, Paul. Eu não sou a favor de frações permanentes. Eu estou falando aqui sobre o direito a frações permanentes. É como o aborto. Ninguém é a favor do aborto, as pessoas são favoráveis ao direito de se fazer um aborto.


Paul Le Blanc: OK. De qualquer forma, frações permanentes não é a mesma coisa que debates contínuos. Eu sou a favor de debate contínuo. O debate não deve ser fechado.


Asmi Tiunara: Acho estranho sermos acusados de fazer culto a Lenin, se ao olharmos as falas aqui eu não citei Lenin em momento algum e nós tivemos muitas citações de Lenin pelo Gilbert. A razão pela qual eu não fiquei citando Lenin é exatamente porque eu acho que de todos os revolucionários, Lenin é o que mais escreve dentro de seu próprio contexto. Ele é uma figura extremamente flexível, que conduz uma série de teorias de argumentação, por tanto, para mim, não é uma questão de citar que Lenin falou isto ou falou aquilo, porque você consegue achar uma citação oposta a tudo que Lenin diz. Para mim, a questão é a essência do que aprendemos de Lenin, e o que aprendemos de Lenin e da história? Aprendemos que há vários, vários levantes na história dos trabalhadores, que os trabalhadores são capazes de milagres. Mas também sabemos que houve apenas uma revolução vitoriosa vindo da classe trabalhadora na história do capitalismo, e esta foi a revolução dirigida por Lenin. Isto não significa que devemos organizar um culto em torno de Lenin, mas podemos sim dizer, “olha só, ele fez algo especial, temos algo a aprender ai”. Por isso é importante procurar não apenas a citação perfeita, mas qual a essência que podemos aprender disso. Por conta disso quero voltar ao tipo de partido que precisamos.


A questão das frações permanentes. Interessante que o Gilbert disse que não podemos pegar a forma específica do partido bolchevique, implementá-la no Reino Unido, e depois ele tenta pegar a situação do partido bolchevique antes da revolução de 1917 para provar que as frações permanentes são a forma de se organizar. As frações permanentes são de fato uma forma de se organizar, mas eu as acho uma forma particularmente ruim de organização.


O principal problema para mim no tema das frações permanentes é que ele trava o debate. Sou a favor de debates e discussões porque eu acho que temos tarefas e desafios muito difíceis a nossa frente para a nossa classe, e não podemos fazer estas coisas sem debates e discussões, mas a partir do momento em que se tem frações permanentes as pessoas se organizam como oposição permanente dentro de uma organização colocando seus interesses não apenas acima dos interesses mais amplos do partido e da classe, mas também trava o debate. Se formos ter um debate, como tivemos na última semana ou nos últimos meses no SWP em que um lado diz ‘tudo é terrível, tudo que você faz é um lixo, e tudo que está sendo feito é inútil’, e o outro lado afirma ‘não, tudo que fizemos é genial, tudo que é nosso é fantástico e não paramos de avançar’, como isto ajuda a qualquer um de nós? Temos que ter uma leitura séria e genuína sobre cada tema específico, ponto a ponto. Isto significa, o debate tem que estar aberto, aberto a todos, e isto também significa que ás vezes não teremos acordos e tem de haver mecanismos dentro do partido sobre o que fazer quando não há acordo. E se não temos acordo, o ideal não parece ser, para mim, um milagre da democracia revolucionária, mas sim algo usual na democracia, de que deve-se seguir a decisão da maioria. Não estou falando que discussões e debates não devem continuar, mas na realidade, se você é uma minoria, e você não conseguiu convencer a maioria, ás vezes você tem que aceitar isto como uma realidade.

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