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A conquista das massas pelos revolucionários (Ernest Mandel)


A conquista das massas pelos revolucionários

Ernest Mandel

Transcrição por Pedro Barbosa


Fonte: capítulo 14 do livro “Introdução ao marxismo”


1. A diferenciação política no seio do proletariado

Já vimos (capítulo 9, ponto 5) como a necessidade de um partido revolucionário de vanguarda nasce da descontinuidade da ação direta das largas massas, assim como do caráter científico da estratégia necessária para derrubar o poder da burguesia. Cabe aqui adicionar um elemento suplementar a essa análise: a diferenciação política no seio do proletariado.


Em todos os países do mundo, o movimento operário aparece como uma soma de correntes ideológicas diferentes. Existem lado a lado: a corrente social-democrata, reformistas clássicos; a correntes dos partidos comunistas (PCs) oficiais pró-Moscou, de origem stalinista e de orientação cada vez mais neo-reformista; a corrente anarquista ou sindicalista revolucionária; a corrente maoísta; a corrente marxista revolucionária (IV Internacional). Em vários países existem ainda outras formações intermediárias (centristas) entre estas correntes ideológicas principais.

Esta diferenciação ideológica no interior do movimento operário mergulha numerosas raízes objetivas na realidade e história do proletariado.


A classe operária não é inteiramente homogênea do ponto de vista de suas condições sociais de existência. Dependendo se os trabalhadores trabalham em empresas grandes ou pequenas, se foram urbanizados ao longo de várias gerações ou só mais recentemente, se são altamente qualificados ou só dispõem de uma qualificação média; a depender disso, estarão inclinados a compreender, mais ou menos rapidamente, certas ideias básicas do socialismo científico.


Os grupos de trabalhadores altamente qualificados podem compreender muito mais rapidamente a necessidade de organização sindical do que os trabalhadores que estiveram desempregados durante metade de suas vidas. Mas a sua organização sindical também arrisca sucumbir mais rapidamente às tentações de um corporativismo estreito, subordinando os interesses gerais da classe operária aos interesses particulares de uma aristocracia operária, que defende as vantagens particulares que adquiriu, tentando interditar o acesso à profissão. É mais fácil para os operários das grandes cidades e indústrias tomar consciência da enorme força potencial das grandes massas proletárias, e compreender a possibilidade de uma luta proletária vitoriosa para arrancar o poder e as fábricas da burguesia, do que para os operários que trabalham em pequenas empresas e vivem em pequenas cidades.


Além da não homogeneidade da classe operária, há a diversidade de experiência na luta e de capacidades individuais dos trabalhadores. Um determinado grupo operário fez e possui a experiência de uma dezena de greves, na sua maioria vitoriosas, e várias manifestações operárias. Esta experiência determinará em parte sua consciência de maneira diferente da de um outro grupo de proletários que podem ter experienciado apenas uma única greve (que fracassou), no decurso de dez anos, e que nunca participou em bloco numa luta política. Um operário ou empregado pode ser naturalmente interessado no estudo, pode ler panfletos e livros, assim como jornal. Um outro, pode não ler quase nunca. Um pode ser, por temperamento, combativo e até “condutor de homens”; outro pode ser mais passivo e preferir ficar quieto durante as reuniões. Um pode ligar-se facilmente aos camaradas; outro pode ser mais caseiro e voltado para o seu lar. Tudo isto influenciará em parte o comportamento e a opção política de trabalhadores individuais, e seu nível de consciência de classe em um dado momento.


Finalmente, há que se levar em consideração a história específica e as tradições nacionais do movimento operário de cada país. A classe operária britânica, a primeira a alcançar a organização política de classe independente, com o movimento cartista, jamais conheceu um partido de massas fundado sobre um programa ou uma educação marxistas, mesmo que em um nível elementar. Seu partido de massas, o partido trabalhista, se funda e nasce com base no sindicalismo de massa.


A classe operária francesa, fortemente influenciada por suas próprias tradições da primeira metade do século XIX (babovismo, blanquismo, proudhonismo) foi travada no seu acesso ao marxismo pela fraqueza relativa da grande indústria, e por sua relativa dispersão por cidades relativamente pequenas de província. Foi preciso esperar a expansão das grandes cidades nos subúrbios de Paris, Lyon, Marselha e nordeste da França nos anos 20 e 30, e novamente durante os anos 50 e 60, para que a greve de massas pudesse determinar o curso geral da luta de classes (junho de 36, greves de 47-48, maio de 68) e para que o Partido Comunista Francês (PCF) pudesse se tornar o partido hegemônico da classe operária, dando-lhe um verniz e uma tradição explicitamente referenciados no marxismo.


A classe operária e o movimento operário espanhóis foram largamente marcados pela tradição do sindicalismo revolucionário, fortemente influenciado pelo pronunciado subdesenvolvimento da grande indústria na península ibérica, etc.


A diversidade de correntes ideológicas no movimento operário é um resultado de sua própria lógica e história, isto é, de debates e oposições produzidos pelo próprio processo da luta de classes. Houve, sucessivamente: ruptura entre marxistas e anarquistas no seio da I Internacional, sobre a questão da necessidade de conquista do poder político; ruptura entre revolucionários e reformistas no seio da II Internacional por uma série de questões: participação em governos burgueses, apoio à defesa nacional em países imperialistas, apoio ou supressão da luta revolucionária das massas, no momento exato em que ela ameaçava a sobrevivência da economia capitalista e do Estado burguês, fundado na democracia parlamentar; ruptura entre stalinistas e “trotskistas” (marxistas-revolucionários) no seio da III Internacional e do movimento comunista internacional, entre partidários e adversários da teoria da revolução permanente e da teoria da “revolução por etapas”, entre partidários e adversários da utopia da construção completa do socialismo num só país, e a partir daí entre partidários e adversários da subordinação dos interesses da revolução internacional às pretensas necessidades desse “completar”.


Mas mesmo esta diversidade de correntes ideológicas também tem raízes objetivas e materiais mais profundas do que aquelas que acabamos de jogar luz.


2. A frente única operária contra o inimigo de classe

A diversidade das correntes ideológicas no seio do movimento operário levou a uma fragmentação das organizações políticas da classe operária. Enquanto a unidade sindical existe em vários países (Grã-Bretanha, países escandinavos, República Federal da Alemanha, Áustria), a divisão em organizações políticas diferentes é universal. Como materialistas, devemos compreender que isso tem causas objetivas profundas e não pode ser atribuído ao acaso, aos “crimes” dos “divisionistas” ou ao “papel criminoso” de qualquer indivíduo ou pequeno grupo de “traidores”.


Em si mesma, esta divisão política não é um mal. A classe operária pôde alcançar algumas das suas mais brilhantes vitórias em condições de coexistência de numerosos partidos e tendências, todos reivindicando-se simultaneamente do movimento operário. O 2º Congresso Panrusso dos Sovietes, que decidiu transferir todo o poder aos sovietes, estava marcado por uma fragmentação da classe operária ⎼ em diferentes partidos e tendências políticas ⎼ mais profunda do que tudo o que conhecemos atualmente no Ocidente. A divisão da classe operária alemã em três grandes partidos (e vários grupúsculos e correntes menores) não impediu a vitória da greve geral de 1920, que cortou pela raiz o putsch reacionário de von Kapp. A diversidade das organizações políticas e sindicais do proletariado espanhol em julho de 1936 não o impediu de dominar o levante militar-fascista praticamente em quase todas as áreas industriais do país.


Mas, para que a diversidade política do movimento operário não leve ao enfraquecimento da força de ataque da classe operária no seu conjunto, é pré-condição que não impeça a unidade de ação dos trabalhadores contra o inimigo de classe: o patronato, a grande burguesia, o governo burguês, o Estado burguês. Uma outra pré-condição é que não impeça a luta política e ideológica pela hegemonia do marxismo-revolucionário no seio da classe operária e pela construção do partido revolucionário de massa ⎼ em outras palavras, a existência da democracia operária no interior do movimento operário organizado e uma linha política correta levada adiante pelos marxistas revolucionários.


A resposta unificada da classe operária é essencial sobretudo contra as ofensivas da burguesia. Esta ofensiva pode ser econômica: demissões, fechamento de empresas, redução de salários reais, etc. E pode ser política: ataques ao direito de greve e às liberdades sindicais; ataques às liberdades democráticas das massas e do movimento operário; tentativas de instaurar regimes autoritários ou abertamente fascistas, suprimindo a liberdade de organização e de ação do movimento operário no seu conjunto. Em todos estes casos, uma resposta massiva e unitária pode derrotar a ofensiva burguesa. E a efetiva unidade de ação da classe operária passa por uma efetiva frente única de todas as organizações operárias que possuam alguma influência sobre setores importantes do proletariado.


Uma das maiores tragédias do século XX foi a derrota do proletariado alemão mediante a conquista do poder por Hitler em 30 de janeiro de 1933, como resultado da recusa e da incapacidade das direções do KPD (PC Alemão) e do SPD (Partido Social-Democrata Alemão) de concluir a tempo um acordo de frente única contra a ascensão do nazismo. Esta tragédia foi de consequências tão pesadas que todos os trabalhadores deve absorver a principal lição desta experiência: contra a ascensão do fascismo, é indispensável a frente única de todas as organizações operárias, para conter a subida ao poder de assassinos, torturadores e carrascos por meio de uma ação unitária e resoluta das massas trabalhadoras.


As barreiras e obstáculos na via para a realização da frente única são essencialmente de natureza ideológica e política: por instinto, os trabalhadores são, na grande maioria, favoráveis a toda iniciativa unitária. Dentre estes obstáculos de natureza política e ideológica, há que se assinalar:


⎼ As práticas repressivas dos dirigentes social-democratas que exercem responsabilidades no interior do Estado burguês, bem como dos dirigentes stalinistas quando se encontram nas mesmas posições. As camadas radicalizadas da classe operária indignam-se justamente com tais práticas, que vão do “simples” ato de furar greves até a organização sistemática de espionagem no interior das organizações operárias, e mesmo à organização do assassinato de dirigentes revolucionários ou ainda de simples operários (Noske!).

⎼ As práticas burocráticas e manipuladoras de dirigentes sindicais reformistas e stalinistas, de dirigentes dos partidos comunistas catapultados a posições dirigentes do movimento operário, etc. Tais práticas, somadas às práticas repressivas da burocracia onde ela está no poder, também provocam justificada hostilidade em certas camadas de trabalhadores.

⎼ O papel sistematicamente contrarrevolucionário das direções tradicionais do movimento operário, que amortecem o impulso da consciência de classe, ajudam objetivamente (e frequentemente deliberadamente) os projetos contrarrevolucionários e anti-operários do grande capital, disseminam a ideologia burguesa e pequeno-burguesa no interior da classe operária, etc.


Contudo, nós devemos combater o sectarismo e o ultra-esquerdismo com relação às organizações de massa tradicionais do movimento operário ⎼ sectarismo e ultra-esquerdismo que são não só obstáculos na via para a realização da frente única operária contra o inimigo de classe, mas também obstáculos na via para uma luta eficaz contra a hegemonia das direções reformistas e stalinistas sobre a maioria da classe operária.


Na base dos erros sectários e ultra-esquerdistas encontra-se a incompreensão da natureza dupla e contraditória das organizações de massa tradicionais e burocratizadas do movimento operário. (De uma maneira geral, o sectarismo se caracteriza a nível de teoria pela incapacidade de compreender os problemas da luta de classes e da revolução proletária em toda a sua complexidade e na sua totalidade, pela tendência de isolar e dar um peso exagerado a um aspecto particular de tática ou estratégia.)


É verdade que a política das direções destas organizações é amplamente favorável à burguesia, que estas direções praticam a colaboração de classes, enfraquecem a luta de classe do proletariado e são responsáveis por inúmeras derrotas sofridas pela classe operária. Porém também é verdade que a existência destas organizações permite aos trabalhadores alcançar um mínimo de consciência e força de classe, sem o quê o desenvolvimento dessa consciência de classe se tornaria muito mais difícil.


A existência destas organizações permite também uma modificação das relações de força cotidianas entre o capital e o trabalho, sem o quê a confiança da classe operária em si mesma seria fortemente abalada. Apenas a sua substituição imediata por formas superiores de organização de classe (sovietes) evitaria que o seu enfraquecimento fosse acompanhado por um recuo ou paralisia da classe operária. Por outro lado, o seu enfraquecimento, para não falar da sua destruição, pela reação capitalista, representaria um enfraquecimento e um recuo graves para o conjunto do proletariado. Eis a base de princípio sobre a qual os marxistas revolucionários lutam por sua política de frente única operária contra a reação capitalista.


3. A dinâmica ofensiva da frente “classe contra classe”


Diante de qualquer ofensiva capitalista contra a classe operária e em particular perante toda a ameaça fascista ou de estabelecimento de uma ditadura da direita, os marxistas preconizam a constituição de uma frente única de todas as organizações operárias, da base à cúpula. Tentam envolver nesta frente única todas as organizações que se reivindicam como parte do movimento operário, incluindo as mais moderadas e com direções oportunistas e revisionistas. Abordam sistematicamente os dirigentes do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista (PC), dos sindicatos reformistas e cristãos, para que uma frente única seja estabelecida entre direções nacionais, regionais e locais, assim como nas empresas e bairros, visando fazer frente à ofensiva do inimigo por todos os meios apropriados.


A recusa de buscar a frente única no nível das direções da social-democracia ou dos PCs (política dita do “terceiro período” da Comintern [Internacional Comunista], retomada hoje por não poucas organizações mao-stalinistas) se baseia numa falta de compreensão ultimatista e infantil da função objetiva e das pré-condições subjetivas da unidade da frente proletária. Pressupõe que a massa dos trabalhadores socialistas (ou que seguem o PC) já está pronta para se engajar numa ação unitária com os trabalhadores revolucionários sem o acordo prévio de seus dirigentes “social-fascistas” ou “revisionistas”. Supõe, pois, como resolvida a tarefa que falta resolver: separar as massas de suas direções oportunistas, através de sua própria experiência. Na verdade, é precisamente o chamado aos dirigentes do PS e do PC para se juntarem numa frente única contra a ofensiva da reação que permite aos trabalhadores que seguem essas direções fazer uma experiência preciosa e indispensável de julgar a credibilidade, eficácia e boa-fé de seus dirigentes.


Aliás, supor que não é necessário envolver as direções do PS e do PC na frente única operária é abrir espaço para a ideia de que os revolucionários já são uma maioria na classe trabalhadora, e semear graves ilusões sobre a possibilidade de derrubar o capitalismo, o Estado burguês ou a ameaça fascista, através de golpes de ação minoritários.


Isto quer dizer que a tática de frente única operária se limita estritamente a fins defensivos? De modo algum. A organização de toda a classe operária em dispositivo de combate ⎼ mesmo que de partida para fins defensivos ⎼ modifica as relações de força entre as classes, e reforça consideravelmente a militância, a força de ataque, a autoconfiança e a capacidade de ação política das massas trabalhadoras. Cria-se, assim, um imenso potencial de luta suplementar, que pode rapidamente transformar uma luta defensiva em luta ofensiva. Quando do putsch de von Kapp, na Alemanha, em março de 1920, a resposta vitoriosa e unitária das organizações operárias alemãs criou, em alguns dias, uma situação na qual os militantes de várias organizações ⎼ mesmo de organizações reformistas ⎼ decidiram, em várias cidades do Ruhr, constituir milícias operárias armadas. A reivindicação por um governo operário foi até avançada pelos dirigentes sindicais mais moderados. A resposta vitoriosa e unitária das massas espanholas contra o putsch fascista de julho de 1936, na maioria das grandes cidades, levou ao armamento geral do proletariado e à tomada das fábricas.


Para explorar inteiramente o potencial ofensivo da frente única operária, os marxistas revolucionários preconizam a necessidade de estruturar a frente única tanto na base como na cúpula, sem evidentemente fazer deste chamado um ultimato dirigido aos partidos, sindicatos ou massas do proletariado. Esta proposta implica que, para além de acordos e “blocos” nacionais e regionais das organizações operárias, a frente única envolva comitês locais, em fábricas, estados e localidades; comitês que deveriam evoluir tão depressa quanto possível para comitês democraticamente eleitos e engajados em mobilizações e ações de massa sistemáticas. É evidente a dinâmica ofensiva de tal estrutura, dado que ela claramente abriria uma situação revolucionária.


4. Frente única operária e frente popular


Quanto mais os marxistas revolucionários são firmes defensores de uma política de frente única operária, tanto mais rejeitam a política da “frente popular”, que procura impor de novo, desde o 7º Congresso da Comintern, a velha política reformista social-democrata de alianças entre a burguesia “liberal” (ou “nacional”, ou “antifascista”) e o movimento operário (“bloco de esquerda”).


Há uma distinção fundamental entre a frente única operária e o “bloco de esquerda” ou “frente popular”. Pela sua lógica de “classe contra classe”, a frente única operária desencadeia uma dinâmica que desenvolve e agudiza a luta do proletariado contra a burguesia, enquanto a política de frente popular, pela sua lógica de colaboração de classe, pelo contrário, desencadeia uma dinâmica que trava as lutas operárias, e que até mesmo reprime as camadas operárias mais radicalizadas. Enquanto a frente única operária contra a ofensiva capitalista não contém qualquer pré-condição de defesa da ordem burguesa e da propriedade capitalista (qualquer que seja o apego dos dirigentes reformistas a essa defesa), a frente popular se baseia no respeito da ordem e da propriedade burguesas ⎼ sem o quê, dizem, a presença da “burguesia progressista” no interior da frente seria impossível, e isso “reforçaria a reação”. Toda a lógica da frente popular tende, pois, a desviar, conter ou destruir as lutas de massa, o que não é o caso dos acordos de frente única operária.


Como é evidente, a distinção entre frente única operária e frente popular, embora seja uma diferença considerável segundo a natureza de classe objetiva dos dois tipos de acordo, não é uma diferença “absoluta”. Podem se verificar aplicações oportunistas da tática de frente única operária, nas quais, sob o pretexto de não “assustar os dirigentes reformistas”, dirigentes de organizações que se dizem revolucionárias começam a travar as lutas das massas. Inversamente, em certas situações, acordos de frente popular podem afastar as massas de ilusões colaboracionistas e na direção de um aumento de suas lutas mesmo da criação de estruturas de auto-organização ⎼ iniciativas estas que os marxistas revolucionários deverão evidentemente apoiar e reforçar por todos os meios.


Mas sejam quais forem estas situações intermediárias, a questão de princípio permanece vital. Do ponto de vista da luta de classes, é necessário apoiar políticas de frente única operária; é necessário combater todo acordo político com partidos burgueses, mesmo os “de esquerda”, que colocariam em questão a independência política de classe do proletariado.


5. Independência política de classe e organização unitária de classe


Assim, a problemática da frente única operária, como a da frente popular, reconduz em definitivo a uma única e mesma questão vital: como a classe operária pode realizar uma organização unitária da sua força, com total independência em relação à burguesia, apesar da sua fragmentação em correntes ideológicas e partidos, grupos e seitas políticas diferentes, e apesar da insuficiência do seu nível médio de consciência de classe?


Aqueles que preconizam o desaparecimento prévio dessa divisão como uma pré-condição para atingir a organização unitária de classe perseguem uma quimera. Essa fragmentação existe há um século. Não existe qualquer indício de que irá desaparecer em breve. Considerar esse desaparecimento desse modo é proclamar efetivamente que a unidade da frente proletária (e, logo, a sua vitória) é uma possibilidade perdida nas brumas do tempo.


Aqueles que vêem a realização da unidade de ação da classe como simples função de acordos de cúpula, independentemente do conteúdo de classe e da dinâmica objetiva desencadeada por esses acordos ⎼ aqueles, por exemplo, que identificam positivamente a frente única operária com a frente popular ⎼ esquecem que a unidade real da frente proletária não é possível senão sobre uma base de classe; de fato, é impensável que todos os setores e todas as camadas da classe operária poderiam aceitar a auto-limitação e auto-mutilação contidas nos acordos de colaboração de classes.


Existe, pois, uma ligação íntima entre a unidade de ação da classe operária no seu conjunto e a aceitação comum de seus objetivos de luta, e mesmo as formas de luta adotadas pela classe. Os marxistas revolucionários são totalmente favoráveis a toda iniciativa realmente unitária, porque estão convencidos de que tais iniciativas sempre reforçam a combatividade e a consciência dos trabalhadores num sentido de intransigente luta de classes contra o capital.


A independência de classe do proletariado, sem a qual sua unidade não pode ser atingida, se aplica em relação aos empregadores no nível da empresa e do setor industrial. Em relação aos partidos burgueses. Mas também em relação ao Estado burguês, até mesmo o mais livre Estado democrático burguês. A confiança que a classe operária adquire em si própria, através de uma experiência realmente unitária de toda a classe, a leva a desejar tomar nas suas próprias mãos a solução de todos os problemas, incluindo os problemas normalmente relegados ao parlamento. É mais uma razão para os revolucionários serem os defensores mais resolutos e consistentes da unidade de ação de toda a classe operária.


6. Independência de classe e alianças entre as classes


A distinção de princípio que estamos fazendo aqui entre a frente única operária e a frente popular tem sido frequentemente criticada como “dogmática”. Ela “tenta negar a necessidade de alianças”. Sem “alianças entre as classes” a vitória da revolução socialista seria impossível. Lênin não teria baseado toda a estratégia bolchevique na necessidade de uma aliança entre o proletariado e o campesinato?


De imediato é preciso observar que é abusivo todo o paralelo entre os países imperialistas de hoje e a Rússia tsarista. Na Rússia, o proletariado apenas representava 20% da população ativa. Nos países imperialistas, à exceção de Portugal (onde representa 38% da população) o proletariado, ou seja, a massa daqueles que são obrigados a vender a sua força de trabalho, representam a maioria esmagadora da nação, na maior parte destes países de 70 a 90% da população ativa. A unidade da frente proletária (incluindo, como é evidente, os desempregados) é infinitamente mais vital para a revolução do que a aliança com o campesinato.


Acrescente-se que os marxistas revolucionários de nenhum modo são adversários de uma aliança entre o proletariado e a pequena burguesia trabalhadora (não exploradora) das cidades e do campo, mesmo nos países onde estas são minoritárias. Em numerosos países imperialistas, tais como Portugal, Espanha, Itália e França, o estabelecimento da aliança operário-camponesa é ainda de uma grande importância política e sobretudo econômica para a vitória e consolidação da revolução socialista.


O que nós contestamos é que a aliança entre partidos operários e partidos burgueses seja necessária para fundar semelhante aliança das classes trabalhadoras. Pelo contrário, libertar o campesinato e a pequena burguesia urbana da influência da burguesia pressupõe também sua emancipação do apoio que tendem a conceder a partidos políticos burgueses. A aliança pode e deve ser baseada em interesses comuns. O proletariado e os seus partidos devem oferecer, a estas classes, objetivos sociais, econômicos, culturais e políticos que lhes interessem e que a burguesia é incapaz de assegurar. Se a experiência confirma a vontade do proletariado de conquistar o poder e realizar o seu programa, poderá obter o apoio de uma boa parte da pequena burguesia que deseja alcançar esses objetivos.


⎼ Transcrição baseada na edição da Editora Movimento (1982), com correções e ajustes feitos a partir da edição inglesa (“From class society to communism”).



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