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Os bolcheviques e as reivindicações feministas: uma relação tumultuosa (Marijke Colle)

Atualizado: 28 de out. de 2019



Os bolcheviques e as reivindicações feministas: uma relação tumultuosa

(13 de dezembro, 2017)

Marijke Colle

Tradução de Agnello Camarero Oliveira

Revisão de Andreza Sant’ana e Pedro Barbosa



Uma manifestação de mulheres foi a faísca para que em fevereiro de 1917, explodisse a Revolução Russa. Mesmo assim, as reivindicações feministas estavam distantes de serem uma das principais preocupações dos dirigentes revolucionários da época. O turbilhão da revolução trouxe a emancipação das mulheres russas... antes de um rápido retorno ao modelo tradicional de família.


No 13 de março de 1881, depois de 10 tentativas, o Czar Alexandro II caiu assassinado. Sofia Lvovna Peróvskaya ajudou a organizar o atentado. A condenaram a morte junto com outros camaradas e morreu na forca em 15 de abril em São Petersburgo. Militava na organização terrorista revolucionária Naródnaya Volia (vontade popular), cujos membros eram conhecidos pelo apelido de “narodniki”. Queriam servir ao povo, sobretudo os camponeses pobres. O movimento esperava encontrar uma via especificamente russa para a revolução e aspirava criar uma sociedade em que a soberania residiria em pequenas unidades econômicas autônomas que abrangeriam diversas aldeias e uniriam em uma confederação que substituiria o Estado.


Vera Zasulich (1849-1919) se uniu aos “narodniki” sendo estudante, em 1880 emigrou e foi colaborar com Gueorgui Plejánov (1856-1918), com quem fundou o primeiro grupo marxista do movimento operário russo. Ambos preconizavam a criação de um partido proletário revolucionário e portanto se opunham desde então as estratégias dos “narodniki”.


A Rússia da época, sob o regime czarista, era um país atrasado e em grande parte feudal. Em 1861, o Czar Alexandro II havia decretado a emancipação dos servos. Cada camponês recebeu um lote de 3,5 deciatinas (4 hectares).


Mas esta concessão não foi gratuita: era necessário comprar a terra, pagando em 49 anuidades ao Estado, que, por sua vez, adiantava a quantia aos proprietários.


A revolução de 1905


Esta começou em 22 de janeiro durante o domingo vermelho e levou dez meses depois à promessa de uma constituição. Durante a revolução, toda a sociedade está em movimento de ebulição. As mulheres também participam. Se constitui um feminismo burguês que coloca reivindicações relacionadas com a emancipação das mulheres: direito ao voto, salário igualitário, educação... Os partidos social-democratas (revolucionários da época) apoiam essas reivindicações, mas rechaçam toda colaboração ou aliança com as feministas burguesas. Não há nenhuma tentativa de analisar com profundidade a concepção feminista burguesa da opressão das mulheres. A menor manifestação de interesse pelos problemas das mulheres ou a menor intervenção em direção às mulheres são assimilados ao feminismo burguês.


No primeiro Congresso panrusso de mulheres, celebrado em 1908, Alexandra Kollontai forma um grupo de trabalhadoras que participam dele. Kollontai conta, em seus esforços, com o respaldo de Lenin. O comitê central do partido vota uma resolução a favor de organizações políticas e sindicais separadas para as mulheres, mas esta resolução não concretiza nada sobre a natureza destas organizações e se converte em papel molhado. A revolução de outubro chega sem que o partido social-democrata tenha formulado uma teoria sobre a organização de mulheres.


A condição das mulheres antes da revolução de 1917


A grande indústria moderna na Rússia está muito concentrada: empresas gigantescas com mais de mil de trabalhadores representavam 41% do conjunto da classe trabalhadora (17% dos EUA). Os capitalistas ocidentais controlam em média de 50% dos investimentos. A burguesia russa é débil e depende das classes dominantes da Inglaterra e da França. A condição dos trabalhadores é terrível. O patronato importa famílias trabalhadoras inteiras e as aloja em humildes barracas ou dormitórios improvisados perto das máquinas. A grande maioria dos trabalhadores são não-qualificados e em muitos casos analfabetos.


Se a condição dos trabalhadores é miserável, a das trabalhadoras é, no entanto, pior. As mulheres trabalhadoras ganham em média 50% do salário dos homens. Em 1913, as mulheres trabalham de 12 a 13 horas por dia. No setor de confecção, trabalham de 13 a 14 horas e as vendedoras e gerentes de armazém tem jornadas de 16 a 18 horas. As trabalhadoras que engravidam arriscam a vida, não existe licença maternidade e todos os anos morrem 30.000 mulheres durante o parto.


Na Rússia, uma mulher que não apanha de seu marido é uma exceção. A lei o autoriza expressamente. As mulheres não têm direito de herdança, são legalmente inferiores a todos os homens adultos da família. No mundo rural, a mulher camponesa não se diferencia muito de um animal de carga. Em 1914, um terço das mulheres sabe ler, e esta porcentagem é superior entre as assalariadas. O abuso sexual no trabalho é moeda corrente. Muitas mulheres têm de se prostituir para conseguir emprego.


Participação na revolução


As mulheres trabalhadoras já haviam participado ativamente no movimento revolucionário em 1905. Como escreveu Alexandra Kollontai (1872-1952): “O movimento das trabalhadoras, por sua própria natureza, forma parte do movimento operário em geral. […] A participação no movimento operário aproxima a trabalhadora de sua libertação, não só como vendedora de sua força de trabalho, mas também como mulher, esposa, mãe e dona de casa”. No entanto, também constatou: “Assim que cessou as ondas de greves e os trabalhadores voltaram ao trabalho, tanto no caso de vitória como de derrota, as mulheres foram de novo dispersadas e isoladas”.


Em 23 de fevereiro de 1917, em razão do Dia Internacional da Mulher, várias colunas de mulheres (estudantes, funcionárias, trabalhadoras têxteis dos subúrbios Vyborg) se manifestam no centro de Petrogrado para exigir pão. Sua ação recebe o apoio dos trabalhadores, que abandonam o trabalho para se unirem às manifestantes. Diante deste movimento popular e espontâneo, os raros dirigentes revolucionários presentes em Petrogrado se mantêm prudentes, considerando, como o bolchevique Alexandro Shliápnikov (membro do comitê central do partido), que se trata mais de uma revolta por fome do que de uma revolução em marcha.


Em 1917, 43% da classe trabalhadora eram mulheres. Desde o começo da revolução, as mulheres se organizam e publicam suas reivindicações. Mulheres de soldados formam comitês e nos primeiros dias de fevereiro milhares de lavadeiras de Petrogrado se declaram em greve e rompem deste modo o consenso entre o governo provisório de Kerensky, os mencheviques e os socialistas revolucionários.


Em março de 1917, no partido bolchevique, resulta rechaçada a proposta de constituir uma secretaria de mulheres (unicamente com tarefas técnicas e de propaganda!) a fim de fazer frente à propaganda das feministas burguesas. Toda forma de organização autônoma das mulheres segue sendo considerada um apoio ao feminismo burguês.


Genotdel e organização não mista


A Conferência de mulheres celebrada em Petrogrado no outono de 1917 rechaça mais uma vez uma resolução a favor de uma secretaria de mulheres e, até o Congresso de trabalhadoras e camponesas reunido em Moscou em 1918, não se decide criar uma rede nacional de organização de mulheres. São as condições da guerra civil que favorecem uma intervenção específica com relação às mulheres. Konkordiya Samoilova (1876-1921) defende em 1918 a convocação de conferências separadas de mulheres porque nas habituais reuniões mistas não se podia falar dos problemas das mulheres... devido à escassa presença de mulheres. De todo modo, esta organização separada se considera uma solução temporária.


Depois do Congresso de trabalhadoras e camponesas de Moscou (1918) começa a construção de uma rede de mulheres em todas instâncias do partido. Esses grupos de mulheres passam a ser denominados departamentos (Genotdel) em 1919 e lhes são facultados tomar iniciativas organizativas com a abertura de locais em povoados e bairros, assim como a edição de publicações específicas. Organizam reuniões, defendem os interesses das mulheres no partido, nos sindicatos e nos sovietes.


As bolcheviques vão mais longe na prática do que na teoria. Durante a guerra civil se organizam conferências de mulheres não filiadas ao partido e se celebram reuniões não mistas de delegadas para intervir diretamente em questões que interessam às mulheres. As delegadas trabalhadoras, camponesas e donas de casa são eleitas por três meses e recebem formação política para poder assumir responsabilidades no soviete local. O sistema de delegadas abarcava ao final mais de três milhões de mulheres, mas nunca chegará a ser um movimento social coerente e independente. O medo de outorgar aos Genotdel uma excessiva liberdade de ação estará sempre muito presente.


A discussão ficara contida à organização no interior do partido bolchevique. Não se colocava a possibilidade de um movimento de mulheres fora do partido, pois o consideravam burguês. Os bolcheviques não se libertaram jamais das amarras do pensamento social-democrata alemão neste terreno: “Não existe um movimento específico de mulheres”.


Reivindicações das mulheres e o trabalho legislativo radical


A nova constituição do jovem Estado soviético instaura o matrimônio civil; se proclama a igualdade entre homens e mulheres; a lei deixa de estabelecer diferença entre filhas ilegítimas e legitimas; se oficializa o divórcio de mútuo consentimento ou por requerimento de uma das partes sem necessidade de demonstrar provas ou testemunhas. O adultério e a homossexualidade se eliminam do código penal e a autoridade do cabeça da família desaparece do código civil. Se reconhece o direito de voto das mulheres. O novo código de trabalho inclui as licenças maternidade, a igualdade salarial, medidas de proteção específicas das mulheres; a jornada fica limitada a 8 horas e a semana a 48 horas e se criam os seguros sociais.


A socialização do trabalho doméstico


Para Kollontai, para as dirigentes do trabalho destinado às mulheres e determinados dirigentes bolcheviques, como Trotsky e Lenin, a mudança de natureza do trabalho doméstico se produzirá com a industrialização, o acesso das mulheres ao mundo do trabalho e a socialização do trabalho doméstico. Isso se considerava uma questão de importância imediata na transição. A socialização do trabalho doméstico mediante a criação de equipamentos comunitários é considerada a medida principal para libertar as mulheres. O partido se pronuncia pela criação de restaurantes públicos, creches e escolas infantis.


Em 1920 se promulga uma lei do aborto, mas esta não se associa à questão da contracepção como melhor maneira de evitar um aborto. A maioria dos médicos são favoráveis à lei do aborto, mas frequentemente esse direito é concedido de modo relutante. As mulheres que solicitavam um aborto por razões que não eram a pobreza, eram objeto de ataques. Não havia camas o suficiente nos hospitais para os abortos e em meados da década de 1920 se suspendeu a pesquisa em matéria de métodos contraceptivos por falta de investimentos. O aborto se considera antes de tudo um problema de saúde pública, se apontam os riscos de uma queda da natalidade e a periculosidade da operação. Depois de 1921 não houve nuca mais um debate nas organizações de mulheres sobre o aborto e o controle da fertilidade pelas próprias mulheres.


A instauração da NEP


Depois do período do comunismo de guerra, o país resulta vencedor, mas esgotado depois de três anos de guerra imposta pelo imperialismo. A Nova Política Econômica (NEP) impõem uma drástica redução do gasto público e a suspensão de investimentos para equipamentos coletivos. Inclusive se pretende suprimir os Genotdel, mas diante das queixas massivas e depois de um debate enervado no Pravda, se decide mantê-los. Aparecem os mesmos argumentos que serão retomados ao fim da década de 1920 para fechar os locais dos Genotdel.


Os Genotdel se debilitam a partir de 1922. Inesa Armand e Konkordiya Samoilova estão mortas. Krupskaya se dedica a outros problemas e Kollontai vai à Noruega. As novas mulheres dirigentes não têm peso suficiente em um partido que não se interessa pelos debates teóricos no terreno do feminismo. Debilita-se a democracia interna: seguir as ordens de cima e o desejo de fazer carreira conduzem à passividade política.


Algumas militantes, no começo da NEP, temem que o retorno das mulheres ao lar e o abandono dos equipamentos coletivos reinstaurem os esquemas tradicionais de família. Propõem criar um movimento que agrupe associações que lutem localmente pela instauração de um novo modo de via. No entanto, a maioria de membros dos Genotdel criticaram essas ideias como desvios feministas.


No final da década de 1920, os Genotdel mudam de opinião sobre a questão das formas de organização independentes do partido. Criticam o fracasso do partido com relação ao progresso da libertação das mulheres. Não obstante, suas críticas não deixam de ser parciais. Não propõem nenhum programa econômico e social alternativo que permita ao partido integrar realmente a libertação das mulheres em seu programa, sua teoria e sua prática. Em 1930, Stálin suprime os Genotdel e sua publicação, Kommunitska.


Como conclusão


O estudo da revolução russa nos permite captar melhor o vínculo que existe entre a luta pelo socialismo e a luta pela libertação das mulheres. Assim se pode ver até que ponto a luta por um movimento autônomo das mulheres enfrentou a capacidade de resistência da ideologia e das estruturas familiares. Frequentemente tem-se a impressão de que, enquanto o país era um Estado operário relativamente sadio e democrático, cumpriu seus compromissos com relação às mulheres, e de que foi só com a degeneração da revolução que se deteriorou a situação também para as mulheres.


Porém, a ascensão e o declínio da democracia proletária e do controle operário não coincidem com a ascensão e o declínio do movimento das mulheres. Teria sido possível uma aplicação diferente da política da NEP, mas nem dirigentes nem militantes de base comunistas concediam suficiente importância para as “questões relacionadas à mulher” nos debates. Esta debilidade não está associada diretamente à contrarrevolução burocrática capitaneada por Stálin.

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