Antonio Gramsci
Paul Le Blanc
Tradução de Fabiane Aparecida Lourenço
Revisão de Pedro Barbosa
Paul le Blanc continua a série Revolutionaries Reviewed [Revolucionários Revisitados] com uma discussão sobre Antonio Gramsci, um marxista italiano preso pelo regime fascista de Mussolini, autor dos famosos escritos que se tornariam os Cadernos do Cárcere – que continuam influenciando ativistas ao redor do mundo.
O ditador fascista Benito Mussolini uma vez se referiu ao comunista italiano Antonio Gramsci como “este sardo corcunda e professor de economia e filosofia” que tinha “um cérebro inquestionavelmente poderoso”. O promotor fascista no julgamento de Gramsci – no qual ele foi condenado a seis diferentes acusações de traição – alertou a corte dos perigos que [ele] colocava, estabelecendo a sentença de duas décadas: “Nós temos que interromper o funcionamento deste cérebro por vinte anos”.
Gramsci enganou duplamente as autoridades – ao morrer em onze anos, não vinte, e ao realizar um intenso trabalho intelectual durante seu encarceramento, o que manteve seus pensamentos funcionando – influenciando poderosamente pesquisadores e ativistas – do momento da sua prisão até hoje.
A formação de Gramsci
A descrição de Mussolini destacava as origens de seu oponente (a ilha empobrecida na costa italiana: Sardenha) e sua doenças físicas: ele não só tinha duas corcundas, nas costas e na frente, como também media pouco mais de 1,50m e mancava. Um forasteiro multiplamente desavantajado, como foi reportado por um observador da época, ele “dominou sua própria infelicidade com uma vontade de ferro de estudar, se esforçando bastante além da capacidade de seu organismo”.
Um estudante brilhante com uma paixão pela leitura, Gramsci ganhou uma bolsa que o possibilitou entrar na Universidade de Turim em 1911. Ele estava lendo panfletos Marxistas e o jornal do Partido Socialista, Avanti, desde a sua juventude. Um irmão mais velho havia se tornado um militante do Partido Socialista Italiano, mas o irmão mais novo faria o seu próprio caminho politicamente.
Um ativista no Partido Socialista Italiano, ele se opôs à I Guerra Mundial (1914), gravitando na ala revolucionária daquele partido. Em 1919, ajudara a fundar um novo semanário L’Ordine Nuovo (Nova Ordem), que buscava aplicar na Itália as lições da Revolução Russa de 1917. Esse jornal se tornou a voz de trabalhadores industriais militantes que se engajaram numa greve geral e ocupações de fábricas que, em 1920, pareceram ameaçar a derrubada do capitalismo italiano e uma revolução operária.
Moderados do Partido Socialista que lideraram o movimento sindical, contudo, rapidamente fizeram um acordo que pôs fim à greve, resultando em modestas concessões aos trabalhadores e na sobrevivência (temporária) de um regime capitalista liberal.
Assustados com a militância dos trabalhadores, no entanto, a aristocracia fundiária e os industriais concluíram que era necessária uma contra-força de direita, e eles investiram recursos substanciais no ascendente movimento fascista liderado pelo ex-socialista Benito Mussolini.
Decepcionado com a traição dos socialistas moderados, Gramsci e muitos outros no lado esquerdo do espectro político concluíram que era necessário um partido de trabalhadores genuinamente revolucionário. O resultado foi a fundação do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921.
Líder revolucionário, prisão fascista, Cadernos do Cárcere
A ascensão e sucessão de vitórias do movimento fascista foram uma grande preocupação para Gramsci e seus camaradas, mas não houve acordo sobre perspectivas apropriadas para o PCI. Gramsci desenvolveu uma perspectiva em desacordo com alguns camaradas que ele considerava excessivamente moderados e com outros que ele considerava excessivamente rígidos, sectários e ultra esquerdistas.
Suas perspectivas se tornaram predominantes no PCI, e ele foi considerado seu líder central. Seus escritos populares influenciaram profundamente e ajudaram a educar a base trabalhadora do seu partido.
Gramsci foi eleito para o parlamento em 1924, onde ele foi o líder dos deputados comunistas. Em janeiro de 1926, as posições de Gramsci conquistaram a maioria do partido. Mais tarde nesse ano, no entanto, ele foi preso enquanto os fascistas consolidavam a sua ditadura.
Ele escreveu ao seu irmão em 1929: “Minha mente é pessimista, mas minha vontade é otimista. Em qualquer situação, eu imagino o pior que poderia acontecer para invocar todas as minhas energias e força de vontade para superar todos e cada um dos obstáculos”.
Durante seus dez anos na prisão, onde sua saúde finalmente foi quebrada, Gramsci foi capaz de completar 34 cadernos densos com uma notável gama de escritos políticos, sociais, históricos e culturais. A presença de censores fascistas o forçou a usar códigos e formulações obscuras. Gramsci também estava preocupado em desenvolver uma abordagem superior à influência crescente e autoritária do stalinismo, que estava começando a corromper o movimento comunista internacional.
“Os primeiros cadernos estavam arrumados, numa caligrafia clara e regular”, de acordo com Carl Marzani (que primeiro introduziu o “marxismo aberto” de Gramsci para os leitores de língua inglesa). “No fim, sua escrita à mão treme, vagueia, é errática e fraca. Mas o pensamento permanece lúcido, vigoroso, nítido, enquanto o estilo continua equilibrado e profissional, apimentado com humor, ironia e frases com subterfúgios [twist of phrase] genais”.
A realização intelectual de Gramsci teria um impacto poderoso anos após sua morte. Dentre os mais importantes trabalhos presentes nos cadernos do cárcere está o extenso ensaio O Príncipe Moderno, escrito entre 1929 e 1934.
Polemizando contra a “interpretação mecânica e caricata” da experiência revolucionária russa, Lênin insistiu (nos debates dentro da Internacional Comunista) que “na Europa, onde quase todos os proletários estão organizados, nós precisamos ganhar a maioria da classe trabalhadora e qualquer um que falhar em compreender isso está perdido para o movimento comunista”. Peter Thomas, pesquisador de de Gramsci, conclui que “o aviso de Lênin sobre a necessidade de ganhar a maioria da classe trabalhadora (compreendida no sentido mais amplo)... se tornou a orientação fundamental de Gramsci”.
Maquiavel e Gramsci
No início do século XVI, Nicolau Maquiavel escreveu um clássico ensaio sobre poder político e liderança, O Príncipe. Gramsci contrapõe a isso o que ele chama O Príncipe Moderno, que para ele não era um monarca, mas um partido revolucionário.
“O primeiro elemento é que realmente existem governantes e governados, líderes e liderados”, ele escreveu. “Toda a ciência e arte da política estão baseadas nesse primordial e (dadas certas condições gerais) irredutível fato”.
A diferença entre Maquiavel e Gramsci reside na frase “dadas certas condições”. Estas são as condições da moderna sociedade de classes, que nem sempre existiram, se cristalizando inicialmente há cerca de 5000 anos. Como marxista, Gramsci acredita que essas condições podem e devem ser superadas.
Como ele coloca: “Na formação de líderes, uma premissa é fundamental: é a intenção sempre haver governantes e governados, ou o objetivo é criar as condições nas quais essa divisão não é mais necessária?”.
Outra diferença entre Maquiavel e Gramsci é que o teórico medieval acreditava que a liderança seria fornecida por indivíduos heróis e vilões – príncipes – enquanto Gramsci acreditava que o príncipe moderno deve ser coletivo e só poder ser um partido político, o que é o foco do seu texto. Como ele observa: “a formulação do sistema de partidos” envolve “uma fase histórica ligada à padronização das grandes massas da população (comunicação, jornais, cidades grandes, etc.)...”.
Mas Gramsci era crítico desta política contemporânea: “a contagem ‘dos votos’ é a cerimônia final de um longo processo, no qual são precisamente aqueles que devotam suas maiores energias ao Estado e à nação (quando estes existem) que carregam o maior peso”, mas ele vai além para apontar a influência corruptora das classes altas – nos tempos modernos, os capitalistas: “a racionalidade histórica do consenso numérico é sistematicamente falsificada pela influência da riqueza”.
Gramsci estava almejando uma democracia genuína, expansiva e revolucionária – conselhos democráticos de trabalhadores nos quais, como ele coloca, a vida política se move além “dos cânones da democracia formal” e “o consentimento popular não termina no memento do voto”, mas ao invés disso também envolve participação ativa na implementação das decisões, dando vida nova e um sentido mais profundo (ou conteúdo operário) à ideia de autogoverno.
Partido revolucionário
Isto se refere às observações de Gramsci sobre “aquele partido determinado que tem o objetivo de fundar um novo tipo de Estado”. Em seu miniensaio “Dialética verdadeira”, de 1921, ele deixou claro que via o Partido Comunista Italiano nesta perspectiva, emergindo de lições aprendidas de eventos importantes, “a verdadeira dialética da história”, por um número crescente de indivíduos que fazem parte das “massas operárias e camponesas”.
Gramsci atuou em organizações constituídas por centenas de milhares, que por sua vez influenciavam milhões. Ele era crítico de grupos de extrema esquerda que “nunca ou quase nunca representaram blocos sociais homogêneos”, mas são antes “o equivalente político de tribos ciganas ou nômades”.
Ao invés disso, ele acreditava na necessidade de uma interação de lutas por “hegemonia” (predominância) ideológica e cultural por organizações e movimentos de massa da classe trabalhadora para superar a “hegemonia” das classes altas.
Socialistas revolucionários organizados devem “opor uma campanha enérgica de organização usando os melhores e mais conscientes elementos da classe trabalhadora”, insistia Gramsci. “De todos os modos abertos a eles, os socialistas se esforçam para, através desses elementos de vanguarda, preparar os setores mais amplos das massas a fim de conquistar a liberdade e o poder que pode garantir essa liberdade”.
Na sua mente e em seus cadernos, Gramsci sistematicamente trabalhou para desenvolver concepções do príncipe moderno, o coletivo disciplinado e consciente, e o partido revolucionário, que ele via como essencial para libertar e mobilizar a imensa energia criativa dos oprimidos. Aqueles que continuam a luta pela libertação humana podem encontrar se nutrir e encontrar força neste presente.
26 de maio, 2020
Paul le Blanc tem estado ativo lutas sociais e operárias nos Estados Unidos por seis décadas. Autor das obras A short history of the US working class e Lenin and the revolutionary party, é professor de história na Universidade LaRoche (Pensilvânia, EUA).
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