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A Quarta Internacional e a libertação das mulheres (Penelope Duggan)



A Quarta Internacional e a libertação das mulheres

(setembro, 2010)

Penelope Duggan

Tradução de Thais Maria

Revisão de Pedro Barbosa



O movimento marxista abordou desde seu início a questão do lugar das mulheres na sociedade, tanto nos seus escritos quanto nos seus pensamentos, por exemplo no Manifesto Comunista, mas especialmente na obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado de Engels, não esquecendo também de A mulher sob o socialismo de August Bebel; e em suas atividades, figuras notáveis incluem Clara Zetkin na social-democracia alemã, Alexandra Kollontai no partido bolchevique russo e Sylvia Pankhurst no movimento sufragista britânico. Os vínculos entre o amplo movimento dos trabalhadores e a atividade das mulheres enquanto mulheres também estiveram largamente presentes (por exemplo, sindicatos de mulheres foram formados nos primeiros dias do movimento sindical na Irlanda, Grã-Bretanha e Dinamarca, havia vínculos entre o movimento sufragista e os sindicatos trabalhistas britânicos e irlandeses).


Portanto, não é de se surpreender que a esquerda marxista também tenha respondido – ainda que correntes diferentes de maneiras diferentes – à ascensão do novo movimento de mulheres nas décadas de 1960 e 1970, no contexto de uma radicalização mundial da juventude. Essa emergência de movimentos feministas não estava, como é frequentemente considerado, confinado à Europa Ocidental e à América do Norte. Pequenos grupos feministas começaram a surgir na América Latina no início dos anos 1970, principalmente no México, mas também em outros lugares, apesar das ditaduras militares. As mulheres da América Latina também fizeram importantes contribuições teóricas ao feminismo (por exemplo, Ginny Vargas, do Peru). Os continentais Encuentros Feministas latino-americanos, dos quais o primeiro foi realizado em 1981, ainda são um sinal de um movimento de mulheres ativo, apesar dos problemas que foram observados com relação à "institucionalização" do movimento através da presença e atividade de ONGs. Na Índia, o movimento feminista começou a se desenvolver notavelmente após o levantamento do Estado de Emergência em 1976, um de seus principais focos foi a violência praticada contra as mulheres, principalmente estupros e “mortes por dote”. Mulheres feministas no Irã foram parte integrante do movimento para derrubar o Xá no final da década de 1970 e são hoje novamente parte ativa do movimento pró-democracia.


Mas é claro que esse movimento de massas era mais forte nas áreas em que as condições sociais favoreciam a radicalização geral da juventude, no contexto do boom pós-guerra, a massificação do ensino superior e, particularmente para as mulheres, o acesso a métodos contraceptivos.


Deste ponto de vista, é lógico que a resolução de 1979 "Revolução socialista e a luta pela libertação das mulheres", republicada neste livro[1], foi inicialmente desenvolvida por mulheres norte americanas e europeias ocidentais da Quarta Internacional. Na verdade, foi discutido se tal resolução deveria de fato almejar ter um escopo mundial ou se deveria lidar com as áreas em que a Quarta Internacional possuía a maioria de suas seções, as quais – embora em geral pequenas – eram um reflexo do aumento da radicalização da juventude e, portanto, onde o desenvolvimento do movimento feminista da segunda onda foi mais acentuado. Embora a decisão tomada tenha sido lidar com o que era conhecido na época como os "três setores" do mundo (países capitalistas avançados, o "terceiro mundo" e países stalinizados e burocratizados), as seções que tratam dos dois últimos setores são sem dúvida o ponto mais fraco do documento.


A resolução de 1991 sobre a América Latina[2] foi uma importante retificação disso em termos de compreensão de como os processos de radicalização e construção de movimentos poderiam ocorrer naquele contexto específico. Foi baseada em um estudo real do estado do movimento naquele período no subcontinente latino-americano, realizado notadamente por camaradas do PRT mexicano. Infelizmente, a implantação real da Quarta Internacional em outras partes do mundo não nos permitiu fazer um trabalho semelhante lá. O ponto mais importante que essa resolução enfatizou foi que as mulheres em luta com base em sua posição social como mulheres – por exemplo, como mães, como moradoras de favelas lutando por água ou tratamento de esgoto, como camponesas lutando pelo direito de possuir ou trabalhar na terra – poderiam também desenvolver uma radicalização com consciência de gênero. Também vimos isso em outros lugares, por exemplo, como esposas em solidariedade com as lutas iniciadas por seus maridos (ver, por exemplo, a greve dos mineiros de 1984-85 na Inglaterra) ou como ativistas do movimento pela paz (o Women’s Peace Camp em Greenham Common e também na Inglaterra no início dos anos 80) ou no movimento de enfermeiras na França em 1988.


O mais importante ganho teórico e estratégico do documento de 1979 é algo que acreditamos permanecer bom no geral. Isto é, o processo de transformação da sociedade em uma base anticapitalista, desenraizando a base de toda opressão e exploração, requer a participação ativa de um movimento autônomo ou independente de mulheres. O significado de um movimento autônomo de mulheres é explicitado na resolução:


“Com “movimento de mulheres” queremos dizer todas as mulheres que se organizam em um nível ou outro e lutam contra a opressão que lhes é imposta por esta sociedade: grupos de libertação das mulheres, grupos de conscientização, grupos de vizinhança, grupos de estudantes, grupos organizados nos locais de trabalho, comissões sindicais, organizações de mulheres de nacionalidades oprimidas, grupos de lésbicas-feministas, coalizões de ação em torno de demandas específicas. O movimento de mulheres é caracterizado por sua heterogeneidade, sua penetração em todas as camadas da sociedade e pelo fato de não estar vinculado a nenhuma organização política específica, mesmo que várias correntes sejam ativas em seu interior. Além disso, alguns grupos e coalizões de ação, embora liderados e sustentados por mulheres, também são abertos a homens, como a Organização Nacional para Mulheres nos Estados Unidos e a Campanha Nacional pelo Aborto na Inglaterra.” (Nossos métodos de luta, ponto 2)


A base para considerar esse movimento como uma necessidade estratégica é que:


As mulheres são ao mesmo tempo um componente significativo da classe trabalhadora e um aliado potencialmente poderoso da classe trabalhadora na luta para derrubar o capitalismo. Sem a revolução socialista, as mulheres não podem estabelecer as pré-condições para sua libertação. Sem a mobilização de massas de mulheres em luta por sua própria libertação, a classe trabalhadora não pode cumprir suas tarefas históricas. A destruição do estado burguês, a erradicação da propriedade capitalista, a transformação das bases e prioridades econômicas da sociedade, a consolidação de um novo poder estatal baseado na organização democrática da classe trabalhadora e de seus aliados e a luta contínua para eliminar todas as formas de relações sociais opressoras herdadas da sociedade de classes – tudo isso, em última instância, só pode ser realizado com a participação e liderança conscientes de um movimento independente de libertação das mulheres.” (Nossa perspectiva, 2.b.)


Por mais importante que seja a política de tal movimento, não se trata apenas de mulheres como mulheres:


Embora todas as mulheres sejam oprimidas por serem mulheres, o movimento de massas de libertação das mulheres que buscamos construir deve ser basicamente da classe trabalhadora em sua composição, orientação e liderança. Somente esse movimento, com raízes nas camadas mais exploradas das mulheres da classe trabalhadora, será capaz de levar até o fim, de maneira intransigente, a luta pela libertação das mulheres, aliando-se com as forças sociais cujos interesses de classe são paralelos e se interseccionam com aqueles das mulheres. Somente tal movimento poderá desempenhar um papel progressivo sob as condições de acirramento da polarização de classe.” (Nossa perspectiva, 2.e.)


Esta posição foi uma ruptura com as tradições do movimento marxista sobre a organização das mulheres. Embora os movimentos de mulheres vinculados ao movimento marxista fossem frequentes, eles tinham outros papéis: oferecer a possibilidade para mulheres terem atividade política onde não era permitida atividade política mista, organizar mulheres apoiadoras do partido, tendo um trabalho específico de atrair mulheres para o partido. Eles não levavam em consideração, em um nível teórico e prático, a necessidade de um movimento autônomo de mulheres para construir uma relação de forças suficiente para impor as demandas das mulheres.


Deste modo, esse foi o grande embate com correntes dentro e fora da Quarta Internacional que, enquanto se situavam como marxistas revolucionários, aderiam a uma concepção do processo revolucionário focada na classe trabalhadora representada “pelo” [no singular, único] partido revolucionário como a única agência da transformação social revolucionária, que na melhor das hipóteses iria naturalmente incorporar as demandas das mulheres ou lançar as bases para a eliminação da desigualdade entre os gêneros uma vez atingido o poder. Permanece hoje uma posição distintiva em relação a outras correntes marxistas revolucionárias internacionais, como a corrente morenista, a IST em torno do SWP britânico ou as diferentes correntes que se desenvolveram a partir da tendência British Militant.


Esta posição desenvolvida pela Quarta Internacional também deve ser vista no contexto de outro debate que estava ocorrendo naquele período e que foi concluído pela adoção, em 1985, da resolução “Democracia socialista e ditadura do proletariado”[3], ainda que as principais linhas da discussão tenham sido desenvolvidas na década de 1970. Esse debate marcou um importante avanço no pensamento estratégico da QI ao afirmar que as diferentes experiências e interesses de setores dos explorados e oprimidos implicavam o desenvolvimento de diferentes organizações autenticamente revolucionárias e que um único partido não sintetizaria todos os seus interesses em seu programa. Essa discussão também foi marcada pela experiência da revolução nicaraguense e por uma discussão posterior sobre a questão do sujeito revolucionário na década de 1980, na qual foi proposta uma distinção entre o sujeito político-prático que mobilizaria a massa da população capaz de impor seu programa e o sujeito político-teórico que contribuiria para o desenvolvimento do programa político sem mobilizar diretamente a massa dos explorados e oprimidos.


Este ponto importante foi aceito por uma maioria absolutamente esmagadora da Quarta Internacional em seu Congresso Mundial de 1979. No entanto, isso não impediu que outros debates importantes continuassem, no próprio congresso e posteriormente.


A posição tomada em favor de um movimento independente de libertação das mulheres foi sustentada a partir do fracasso das lideranças dos partidos e sindicatos do movimento operário em atender as demandas das mulheres e também de uma noção idealizada da atitude dos trabalhadores homens em relação às mulheres:


“Elas frequentemente enfrentam assédios e abuso sexistas que são organizados e promovidos por seus chefes e supervisores. Mesmo quando vem de seus colegas de trabalho, geralmente é resultado de uma atmosfera promovida pelo empregador.” (Nossos métodos de luta, 7)


Esse debate também se prolongou após o congresso na discussão sobre os “benefícios dos homens”, isto é, até que ponto os homens como indivíduos se beneficiam da opressão das mulheres e, portanto, têm interesse, ou pensam que têm, em perpetuar uma situação de desigualdade e discriminação.


Debates a respeito da validade da afirmação de Engels de que a opressão das mulheres era um produto do desenvolvimento da sociedade de classes – um tema contínuo de pesquisa e discussão entre antropólogos feministas e cientistas sociais hoje – produziram uma fórmula de meio-termo:


A origem da opressão das mulheres está entrelaçada com a transição da sociedade pré-classes para a sociedade de classes. O processo exato pelo qual essa complexa transição ocorreu é um assunto contínuo de pesquisa e discussão, mesmo entre aqueles que partilham de uma visão histórica materialista. No entanto, as linhas fundamentais através das quais a opressão das mulheres surgiu estão claras. A mudança no status das mulheres se desenvolveu juntamente com a crescente produtividade do trabalho humano baseado na agricultura, na domesticação de animais e na criação de gado; o surgimento de novas divisões do trabalho, artesanato e comércio; a apropriação privada de um crescente sobre-produto social; e o desenvolvimento da possibilidade de alguns seres humanos prosperarem através da exploração do trabalho de outros.” (Origem e natureza da opressão das mulheres, 3)


Havia, no entanto, um acordo completo de que a opressão das mulheres era anterior ao capitalismo e, portanto, não seria eliminada com o seu fim, como a experiência da União Soviética havia mostrado. O capítulo "O termidor na família", no livro de Leon Trotsky, A Revolução Traída, foi um texto importante a esse respeito.


Em comum com grande parte da corrente conhecida como "socialista" ou “classista” [class struggle] dentro do amplo movimento feminista, as questões de sexualidade e violência foram menos observadas dentro de nosso quadro, ainda que demandas tenham sido formuladas. Os primeiros rascunhos do documento, implicando que todas as lésbicas eram separatistas, foram alterados. Posteriormente, no Congresso Mundial de 2003, foi adotada uma resolução programática sobre a Libertação Lésbica e Gay, baseada no quadro analítico e estratégico formulado em 1979. Na década de 70, certas organizações da QI ainda tinham, lamentavelmente, posições extremamente atrasadas sobre a homossexualidade, chegando ao ponto de não permitir que fossem membros, argumentando que isso poderia colocar a organização em perigo como uma atividade ilegal. Obviamente uma tal posição hoje não seria aceitável e nenhuma organização desse tipo seria admitida, ou seria então excluída, à QI. Em 1991 uma organização deixou de ser membro, seguindo uma decisão de todas as camaradas mulheres de sair da organização porque, em sua opinião, seu partido não havia lidado corretamente com incidentes de violência sexual e assédio, embora os indivíduos responsáveis ​​tivessem sido expulsos.


A resolução de 1979 insistia no fato de que todas as mulheres são oprimidas, embora essa opressão se combine com a opressão de classe. No entanto, as únicas referências a mulheres de diferentes origens étnicas estão relacionadas às mulheres imigrantes, ainda que nos Estados Unidos mulheres negras fossem líderes proeminentes das internacionalistas quartistas que contribuíram amplamente para a redação do documento. Textos posteriores como o sobre mulheres nos países capitalistas avançados ocidentais de 1991[4] foram melhores nesse ponto. As questões de violência contra as mulheres também foram tratadas mais completamente em textos posteriores.


Foi dada particular importância ao impacto do movimento de mulheres no movimento operário e nas formas de organização das mulheres como trabalhadoras, principalmente nas comissões de mulheres que se desenvolveram nos sindicatos. As formas e a natureza dessas comissões eram diferentes dependendo das tradições do movimento operário – até que ponto essas lideranças sindicais as aceitavam como estruturas sindicais legítimas ou as pressionavam para se organizarem fora dessas estruturas. Isso não significava, no entanto, necessariamente, que as estruturas “legítimas” desempenhavam um papel menos dinâmico do que aquelas forçadas a se organizar de maneira mais independente. As comissões de mulheres nos movimentos sindicais britânicos e franceses desempenharam um papel importante ao pressionar as lideranças sindicais a organizar grandes manifestações nacionais em defesa dos direitos ao aborto em colaboração com o movimento organizado de mulheres em 1979. A Coalizão de Mulheres Sindicalistas nos Estados Unidos fez um trabalho valioso.


A resolução de 1979 colocou-se na perspectiva de uma existência contínua e mesmo do desenvolvimento do movimento de mulheres. Por volta de 1991, estava claro que o impacto mundial do feminismo não estava expresso no crescimento contínuo dos movimentos de mulheres. Apesar da nossa convicção de que a libertação das mulheres estava longe de ser alcançada, as questões óbvias de legislação foram em grande parte vencidas nos países capitalistas avançados e amplas mobilizações de frente única eram então mais difíceis de serem alcançadas. A atividade contínua de feministas comprometidas tendia a se organizar em torno de temas específicos e, em particular, onde as mulheres necessitavam de redes de apoio que não eram oferecidas em outro lugar, por exemplo mulheres vítimas de violência sexual.


Ao mesmo tempo, os debates teóricos e analíticos abertos sob o impacto do próprio movimento de mulheres estavam levando camadas de mulheres, notadamente nos círculos acadêmicos, à conclusão de que um movimento de libertação das mulheres era um objetivo impossível porque as diferentes experiências das mulheres, moldadas por suas posições sociais, econômicas, étnicas, etc., tornaram impossível a existência de quaisquer demandas comuns. Esses desenvolvimentos alimentaram e foram fortalecidos pelo movimento intelectual conhecido como "pós-modernismo", com sua ênfase na desconstrução das meta-narrativas e na impossibilidade de valores ou demandas universais.


Desde o início, as mulheres no movimento feminista desafiaram, por um lado, figuras “universais”, como "o trabalhador", apontando que metade de todos os trabalhadores eram mulheres e que qualquer discussão sobre a classe trabalhadora e qualquer movimento que pretendesse defender suas necessidades e interesses tinham, portanto, de se dirigir a essas experiências. Por outro lado, o próprio movimento foi desafiado por mulheres que sentiam que, como negras, imigrantes, trabalhadoras ou lésbicas suas necessidades e interesses não estavam sendo levadas em consideração por um movimento que parecia se localizar principalmente entre jovens brancas heterossexuais no ensino superior ou em trabalhos administrativos.


De fato, desde o início muitas lésbicas, que não sentiam que seu lugar era o movimento gay porque o consideravam predominantemente masculino (e muitas vezes sexista), haviam sido ativistas e iniciadoras importantes no movimento de mulheres. Uma emenda sobre esse ponto foi introduzida na resolução de 1979 por mulheres britânicas, refletindo sua experiência de que ativistas lésbicas estavam na vanguarda do movimento de mulheres e suas campanhas centrais, principalmente para defender a lei de aborto existente.


Enquanto mulheres se organizavam dentro dos sindicatos para forçar as organizações de trabalhadores a atender as demandas de suas mulheres membros, o movimento de mulheres assistiu ao desenvolvimento de grupos de mulheres negras, de lésbicas, de mulheres contra o racismo, que contribuíram para um aumento de consciência dentro do movimento a respeito das diferentes experiências das mulheres.


Um modo pelo qual esse impacto se mostrou claramente foi como campanhas que foram iniciadas em torno dos direitos ao aborto, como a Campanha Nacional de Aborto na Inglaterra, levaram em consideração as experiências das mulheres de Bangladesh que se descobriu terem sido usadas como cobaias involuntárias para o anticoncepcional injetável Depo-provera, ou das mulheres das Índias Ocidentais na Inglaterra que descobriram que a esterilização obrigatória muitas vezes acompanhava o aborto, e a partir e de acordo com isso desenvolveram seu programa.


Em um nível internacional, a Campanha Internacional por Direitos ao Aborto mudou rapidamente seu nome para Campanha Internacional de Contracepção, Aborto e Esterilização – e é hoje a Rede Global de Mulheres pelos Direitos Reprodutivos – para desenvolver e expandir de maneira inclusiva a questão da saúde reprodutiva e do direito das mulheres de controlar seu próprio corpo. É difícil ver de que maneira o direito de decidir o que acontece com o próprio corpo não seria uma demanda universal para as mulheres, assim como a demanda de estar livre de tortura ou da fome deve ser para todos os humanos.


A ênfase na compreensão da experiência específica das mulheres também deu origem a diferentes formas de diferença ou feminismo essencialista que aceitaram que existiam diferenças essenciais entre mulheres e homens e estabeleceram como seu objetivo que o que são considerados valores ou características “femininos” deveriam receber tanto valor social como o que são tradicionalmente considerados valores "masculinos". Essa abordagem, como as baseadas em uma noção de patriarcado como um sistema de opressão masculina paralelo ao capitalismo ou à sociedade de classes, foi rejeitada como incompatível com uma abordagem marxista que compreende todas as relações sociais como abarcadas dentro das relações de produção e reprodução.


A entrada de uma geração de jovens em radicalização sob o impacto do movimento feminista também levou a um questionamento sobre a facilidade com que encontravam seu lugar nessas organizações, em relação aos camaradas mais velhos, mas também a seus contemporâneos. Isso não era, é claro, específico das organizações da Quarta Internacional, a relação simbiótica entre movimentos radicais mistos e a radicalização feminista levou inevitavelmente a se questionar e desafiar as formas de organização política em geral. No entanto, a Quarta Internacional continua sendo a única organização política que adotou uma resolução analítica sobre a questão, em seu Congresso Mundial em 1991, ao lado de propostas de muitas medidas práticas a serem tomadas para formar um "plano de ação positivo".[5]


Em 1979 uma dura discussão foi provocada pela proposta de que as camaradas mulheres deveriam ter o direito de se reunir para discutir juntas as dificuldades que enfrentavam em se sentirem à vontade e aceitas na organização, a fim de identificar características comuns e propor à organização como um todo medidas para enfrentar essas dificuldades. Essa proposta foi rotulada como “anti-leninista” pela maioria da liderança que estava de saída e dos delegados, em particular o SWP americano e a corrente a ele associada. O grupo de jovens mulheres delegadas dos países da Europa e da América Latina, bem como do Canadá, que defenderam a proposta teve a sua primeira experiência de trabalhar através de fronteiras nacionais e linguísticas para travar uma luta comum. Embora tenham sido derrotadas no Congresso, o debate estava essencialmente terminado, pois a prática [de reuniões auto-organizadas] continuava onde já havia sido estabelecida, e o declínio da corrente do SWP americano e sua eventual saída da Internacional fizeram com que tal medida fosse corretamente considerada apenas uma dentre um número de outras medidas usuais, como paridade ou cotas para a representação de mulheres na liderança na resolução adotada em 1991.


Desde 1991 as contribuições da Comissão de Mulheres para as discussões internacionais concentram-se no lugar das mulheres no desenvolvimento da globalização da economia mundial – como nas teses de 1995 e no documento Mulheres e a Crise de 2010 – e na reafirmação da importância estratégica de integrar a dimensão feminista em nossa construção partidária e elaboração programática.


A batalha pela libertação das mulheres, e para organizações marxistas revolucionárias e anticapitalistas para integrar completamente essa luta em seu programa, perspectivas e estratégia, não está acabada e sob o impacto da situação em desenvolvimento teremos novas tarefas de análise e elaboração. Achamos que esses documentos criaram um quadro que nos ajudará a cumprir essas novas tarefas.


Este artigo está presente no livro “Libertação das mulheres e revolução socialista: documentos da Quarta Internacional” [“Women Liberation & Socialist Revolution: Documents of the Fourth International”], publicado pelo Instituto Internacional para Pesquisa e Educação (IIRE): http://www.iire.org/index.php/node/703


Notas


[1] “Socialist Revolution and the Struggle for Women’s Liberation”: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article1586 [2] “Latin America: Dynamics of mass movements and feminist currents”: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article142 [3] Em português: https://www.marxists.org/portugues/tematica/1985/01/dsdp.pdf. Em inglês: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article921 [4] “Western Europe: Changing forms of the struggle for women’s liberation”: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article140 [5] “Positive action and partybuilding among women”: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article143

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