O marxista aberto
Ao aniversário de morte de Ernest Mandel
Thomas G.
Tradução de Amanda Mayer Casarin
Revisão de Pedro Barbosa
No dia 20 de julho é comemorado o aniversário de morte de Ernest Mandel pela 22ª vez. Mandel foi, ao meu ver, um dos marxistas mais importantes do século 20 e é, injustamente, quase completamente esquecido pela esquerda alemã ou quase um desconhecido. Não é exagero colocar sua contribuição no mesmo nível na de Edward P. Thompson, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, Nicos Poulantzas ou Louis Althusser.
Mandel desenvolveu, ainda que por vezes se desgastando com os obstáculos das mudanças dogmáticas, um “marxismo aberto” (conforme foi intitulada uma fita de entrevista com Johannes Agnoli), que está profundamente enraizado no humanismo revolucionário e no internacionalismo e que ainda hoje é valioso, que trabalha com um “socialismo de baixo” e se mantém numa perspectiva política em que a libertação dos oprimidos, marginalizados e explorados é, antes de mais nada, sua própria obra. Não podemos nos dar ao luxo de não lê-lo.
Marxista holístico
Mandel foi politicamente ativo ao longo de sua vida e foi um dos principais membros da Quarta Internacional marxista-revolucionária desde os primeiros anos, um legado de Trotsky; portanto, um detentor de heranças revolucionárias.
Ainda jovem participou ativamente da resistência contra os nazistas na Bélgica, foi ativo no movimento sindical belga, pesquisou enquanto economista marxista e trabalhou como palestrante multilíngue, que via sua ciência como instrumento na luta pela libertação das classes e povos oprimidos.
E por ter sido tudo isso, consequentemente ele obteve proibição de entrada na Alemanha (também no bloco ocidental, nos EUA, etc.) sob o governo social-liberal de Brandt, quando ele seria nomeado como professor na Universidade Livre de Berlim.
Nesse sentido, ele foi um dos poucos marxistas holísticos do final do século XX. Enquanto o “marxismo ocidental” das décadas de 1950 e 1960 (e também de 1970) era amplamente acadêmico e – como a Teoria Crítica de Frankfurt – assumia a integração “da” classe trabalhadora ao sistema capitalista tardio, Mandel combinava engajamento político com, portanto, uma prática científica revolucionária – e [o fez] ao longo de toda a sua vida, e não em apenas em uma década selvagem da vida, como era e frequentemente é o caso.
O pensamento e o trabalho de Mandel também foram holísticos em outro sentido. Ele levantou questões sobre temas tão diversos como a história da Segunda Guerra Mundial, estratégias radicais da esquerda radical na década de 1970, teoria e prática dos sindicatos, surgimento da consciência de classe, teoria da burocracia, economia das sociedades em transição (também em uma discussão que vale a pena ler, como, por exemplo, com Charles Bettelheim), o desenvolvimento do pensamento econômico de Marx e a economia do capitalismo contemporâneo.
Analista do capitalismo tardio
Para a análise econômica, ele contribuiu – entre outras – com a sua primeira obra importante “Teoria Econômica Marxista”, com “O Capitalismo Tardio” (sua verdadeira obra principal) e uma explicação marxista sobre as longas ondas do capitalismo que vale a pena ser lida (“As Ondas Longas no Desenvolvimento Capitalista”). A “Teoria Econômica Marxista” (publicada primeiramente em 1962) é uma representação básica lógico-histórica que começa com o estudo de sociedades comunistas primitivas, traça o desenvolvimento das sociedades de troca e finalmente termina com a introdução da análise marxista do capitalismo na discussão sobre imperialismo e capitalismo monopolista. Os resultados históricos já estão hoje ultrapassados, mas, com base na análise de “O Capital” de Marx, é altamente recomendado, especialmente para quem precisa de carne histórica para digerir a teoria.
O “Capitalismo tardio” é, por outro lado, uma tentativa de Mandel de expor uma análise independente do capitalismo (primeiramente publicado em 1972 em língua alemã), ao mesmo tempo em que refletia sobre os desenvolvimentos nos anos após 1945 sem levar à previsão inicial de estabilidade formulada tanto pela esquerda keynesiana quanto pelos teóricos do capitalismo monopolista da escola de Baran/Sweezy (para os quais as taxas de lucro do monopólio são curiosamente altas). Mandel se mantém contra isso com uma análise que comprovou fundamentalmente a propensão à crise do capitalismo contemporâneo concreto. A obra é certamente um pré-requisito, pois começa direto com o debate sobre os esquemas de reprodução marxistas e suas interpretações através de Rosa Luxemburgo. Ao longo das demais argumentações, ele também trabalhou nos diagnósticos da esquerda central da época – por exemplo, na teoria inicial da dependência ou no teorema da indústria permanente de armamentos. “O Capitalismo Tardio” é analisado, por conseguinte, por si só em seu contexto mundial (de mercado), que não apenas requer uma base empírica muito ampla (que, no entanto, parece um tanto arbitrária em alguns lugares), mas também permite que sejam resolvidas crescentes tensões/conflitos políticos imperialistas.
Frank Deppe, como me contaram, costumava fazer a brincadeira de que Mandel previu 8 das 2 últimas crises capitalistas (nisso há um pouco de verdade), mas isso mal diminui o valor do livro. É necessário se lembrar desse ano – em que, precisamente na Europa, houve uma retomada nas lutas de classes e na radicalização dos jovens, o que levou a uma virada para o “marxismo” (ou certos marxismos com hífen, a lá maoísmo etc.). Mas se se ler os clássicos atuais (pense, por exemplo, no “Problemas estruturais do estado capitalista” ou no “Capitalismo monopolista” de Baran/Sweezy), o sistema econômico parecerá curiosamente estável. Obviamente Mandel não estava sozinho com seu diagnóstico da crise, mas ele apresenta-o com um corte muito analítico – e eu gostaria de apontar o estranho fato de que “O Capitalismo Tardio” mal tem reconhecimento pela esquerda alemã. Com isso, poderia ser enriquecido o debate sobre a teoria da crise na Alemanha, no qual predominam as abordagens explicativas da esquerda keynesiana (ou seja, teoria do subconsumo) e da teoria do mercado financeiro.
Ondas Longas no Capitalismo
No “As Ondas Longas no Desenvolvimento Capitalista” (lançado em 1983 em língua alemã), Mandel finalmente deu um passo à frente e apresentou uma teoria marxista das ondas longas, cujo ponto central se encontra na “tendência de queda da taxa de lucro” e no conceito de “determinação dialética”.
Esse princípio é fortemente debatido entre marxistas (por fim, Paul Mason recorreu ao conceito das ondas no seu livro sobre o pós-capitalismo, no entanto com inclinação a Kondratieff). É que os teóricos das ondas acreditavam que ele mostra padrões de desenvolvimento recorrentes no capitalismo mundial. Portanto, as fases de crescimento nas quais prevalecem as altas taxas de lucro se alternam com as fases de crise bastante estagnadas, caracterizadas por baixa rentabilidade.
As ondas longas do desenvolvimento capitalista abrangem em torno de 50-60 anos e subdividem-se em uma fase “A” expansiva e em uma fase “B” mais estagnada. Fases expansivas são, segundo Mandel, resultados das lutas de classe bem sucedidas por parte dos de cima, através das quais capitalistas e elites estatais conseguem aumentar a lucratividade do capital – se isso der certo, pode seguir-se um período mais longo de prosperidade, assim como conhecemos nas décadas de 1950 e 1960. As fases estagnadas finalmente surgem, pois a queda da taxa de lucro prevalece depois de um longo tempo – como, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930. Ao contrário de autores que seguem Schumpeter, Mandel não explica as fases de expansão a partir da aplicação de novas tecnologias de controle, mas sim pelo seu amplo uso em condições de rentabilidade alteradas.
Portanto, existem duas coisas:
Primeiro, que não há necessidade nenhuma de uma crise final do capitalismo, mas sim que fases de crises podem suceder em fases de crescimento. O contrário também: que é sem sentido, na fase de crescimento, como foram frequentes os casos históricos, reconhecer a estabilidade do capitalismo como comprovada.
Segundo: que lutas políticas são de suma importância para o desenvolvimento capitalista, na medida em que influenciam as condições de valorização do capital – como definir o rumo. Quem conhecer um pouco (mais do que eu) sobre guilda de economistas, talvez adivinhe quantos protestos isso deveria provocar. Primeiro com certeza daqueles que queriam descobrir um tipo de crise final no capitalismo monopolista, o qual não resistiria à competição sistêmica com a terra-mãe do socialismo e seus satélites; também dos teóricos da crise que acreditavam em uma tendência linear da queda da taxa de lucro, de modo que uma nova elevação nas taxas de lucro era bastante impossível. E também, claro, dos que não veem o decrescimento das taxas de lucro como a causa central da crise. Naturalmente, há motivo para o ceticismo, mas isso consiste principalmente na base empírica-histórica insuficiente, que seria necessária para comprovar exaustivamente as ondas longas. Isso se deve principalmente a estatísticas estatais precárias (embora exista algum trabalho empírico interessante tentando fazê-lo). O historiador Eric Hobsbawm afirmou o contrário: no seu pensamento, as ondas longas poderiam ser averiguadas, mas não poderiam ser explicadas satisfatoriamente, porque elas não deveriam ser usadas para a historiografia marxista – uma conclusão rebelde.
Seja como for, essa contribuição de Mandel é interessante, embora – como Michael Roberts tenha mostrado recentemente em suas obras "A Grande Recessão" e "Uma Longa Depressão" – ela precise ser modificada à luz dos desenvolvimentos dos últimos 40 anos (quebraram as taxas de lucro no início da década de 1970, mas não houve uma fase depressiva longa, e sim uma expansão neoliberal desde o início da década de 1980 – ainda que com menores índices de crescimento etc.).
Crítico e analista da burocracia
Mandel forneceu uma contribuição valiosa para a compreensão das lutas de classes nos centros capitalistas com artigos sobre sindicatos e burocracias, que ele desenvolveu com o tempo e posteriormente influenciou o livro (com título enganoso em alemão) “Poder e Dinheiro”. Quem gostaria de entender hoje por que os sindicatos funcionam como eles funcionam (e ainda faz sentido e é importante trabalhar politicamente neles), deveria ler, por exemplo, o longo artigo “Sindicatos compatíveis com o sistema?” – [onde] Mandel delineia não só as funções de funcionários de tempo integral (como mediadores da luta de classes e do trabalho com mercadorias), ele também fornece uma ferramenta à mão com o conceito da “dialética das conquistas parciais”, que, por exemplo, reconhece o “aparato” como uma conquista necessária e que vale a pena (em uma sociedade com uma divisão capitalista do trabalho, não há outro caminho, mesmo que alguns camaradas sindicalistas o imaginem de maneira diferente), mas sem disfarçar sua tendência à política conservadora.
Pelo contrário, explica que é necessário que os membros ativos e os funcionários em período integral preservem as conquistas e não as comprometam por meio de políticas "aventureiras" – uma tendência que pode ser encontrada não apenas entre sindicatos, mas também em outras organizações, como partidos de esquerda, por exemplo.
Certamente, essa ainda não é uma análise esgotada, mas é muitas vezes mais diferenciada e "satisfatória" do que as explicações básicas dos aparelhos (aqui a base possivelmente rebelde, ali os maus funcionários) ou mesmo as teorias unilaterais dos aparelhos.
Em “Poder e Dinheiro” (publicado em 2000), Mandel tenta finalmente dar um grande salto, dedicando-se à sociologia das burocracias da classe trabalhadora (tanto em suas "organizações de luta" no capitalismo como as burocracias nos países pós-capitalistas do Bloco Oriental). O que o preocupa politicamente é claro: o poder das burocracias não é (como sugere Robert Michels) algo sem alternativa, mas pode – e, portanto, deve – ser combatido. Essa perspectiva é também válida para a esquerda que busca uma nova abordagem.
Estratégia socialista
Uma contribuição muito própria para o debate marxista que precisa ser redescoberta, Mandel trouxe de passagem em diversos artigos, nos quais ele tentou desenvolver uma estratégia revolucionária moderna ou explicar como deveria ser uma estratégia revolucionária sob as condições altamente desenvolvidas da Europa Ocidental. Pode ser considerado um elogio a essas tentativas o fato de que "mandelismo" seja uma espécie de palavreado para os trotskistas ortodoxos.
Alguns desses artigos apareceram sob o título "Estratégias revolucionárias no século XX" (lançado em 1984). Neles, ele retoma, por exemplo, o conceito de "reformas estruturais anticapitalistas", discute estratégias de saída/escape (se 10.000 hippies saírem, não muda o sistema, como se diz) e reflete sobre eventos como o maio de 1968 na França (uma revolução bem-sucedida sob condições de capitalismo tardio, Mandel informa às pessoas em outros lugares que este é um maio de 1968 bem-sucesso, no qual novos órgãos de poder a partir de baixo estão sendo formados, etc). Assim, Mandel mantém e sustenta a possibilidade de lutas radicais de massa das classes trabalhadoras, inclusive rastreando ciclos de luta de classes em que fases de intensa auto-organização, auto-atividade e desejo de luta "da" classe se alternam com períodos de maré baixa – uma maneira de olhar que fornece uma espécie de bússola estratégica para tempos recorrentes em que "a classe" luta pouco (períodos em que geralmente é considerada "integrada").
Com tudo isso, Mandel tenta atualizar o legado do início da Terceira Internacional de uma maneira que era refrescantemente aberta a outras abordagens (como o guevarismo, etc.). Não é necessário compartilhar disso tudo – mas é sempre interessante discutir esses pedaços de estratégia no contexto de abordagens alternativas da época.
Tomemos dois polos: o maoísmo subversivo ("Somente o controle das massas sobre o rifle cria o socialismo") ou a estratégia da democracia antimonopolista, representada pelo PCA [Partido Comunista Alemão] (e encontrada variantes semelhantes em outros PCs europeus). Enquanto os maoístas se abstiveram de uma conexão orgânico-dinâmica com as lutas de reforma real com rupturas com o poder do capital e do estado a partir de uma perspectiva radical de esquerda (no sentido de Lenin), o PCA colocou uma fase intermediária em sua estratégia, na qual a classe trabalhadora, a pequena burguesia (até agora, tão boa) e todas as partes não-monopolistas do capital deveriam ser vencidas contra o principal inimigo (até agora, tão errado): o capital monopolista. Aqui também – porque uma democracia antimonopolista deve ser uma aliança com o capital contra o capital – falta aqui uma conexão dinâmico-orgânica entre lutas com tentativas de desenvolver movimentos a partir dessas lutas que poderiam abrir as portas para um futuro pós-capitalista. O tudo ou nada dos maoístas contrastava com uma teoria de etapas mais inteligente dos comunistas oficiais, combinada com visões surpreendentemente estranhas sobre o caráter do Estado.
Em contraste, Mandel atualiza a estratégia das reivindicações de transição e da frente única. As demandas levantadas no aqui e agora devem, portanto, ser ligadas nos movimentos com aquelas que – conscientemente – só podem ser realizadas se o poder do capital e das burocracias do Estado for atacado: com reformas anticapitalistas que rompem com a lógica do sistema capitalista. A ideia é que a superação da dominação de classe burguesa só é possível se surgir um movimento de luta de massas combativo – e que, de acordo com a ideia estratégica por detrás disso, só acontecerá se as lutas por reforma forem dinâmicas, com experiências de duplo poder, etc. Para conseguir isso, a aliança da esquerda também é necessária para superar a fragmentação política da classe – ou, pelo menos, relativizá-la: a frente única.
As próprias respostas de Mandel ainda são estimulantes hoje (especialmente sua confiança na capacidade de auto-atividade política dos trabalhadores), embora, na minha opinião, elas dificilmente mostrem o que uma esquerda pode realmente fazer (além de “construir a organização” e fazer propaganda) se não houver fases pré-revolucionárias (ou um ascenso dos movimentos sociais). Em outras palavras, não é visível no trabalho de Mandel um equilíbrio entre estratégias defensivas e ofensivas, um entendimento mais diferenciado da política de hegemonia, etc. Na minha opinião, no entanto, valeria a pena redescobrir propostas colocando-as sistematicamente em diálogo com contribuições “gramscianas”.
Crítico do Eurocomunismo
Quem quiser se aprofundar um pouco mais, pode ler o livro de Mandel sobre "Eurocomunismo" (primeiro em 1978), um pouco dogmatizado em termos de idioma e, em alguns casos, também com a realpolitik do PCI, os comunistas espanhóis e o PCF. O critério de julgamento aqui é a luta de classes revolucionária e internacionalista – e, a julgar por isso, os partidos citados são um fracasso para ele. O que é interessante sobre o livro não é tanto este lado, ou seja, a crítica positiva de Mandel, mas a crítica negativa. Ou seja: se alguém se perguntar como uma grande parte do PCI poderia se tornar um partido de esquerda pró-capitalista por volta de 1990 (não estou falando da PRC, mas do PDS italiano), a discussão de Mandel sobre a política de austeridade do PCI, que a executou com responsabilidade regional, será bem aproveitada. Ou quem se interessar nas raízes mais profundas do europeísmo na esquerda pós-comunista (como o Syriza, por exemplo) estará interessado em estudar a avaliação crítica de Mandel sobre o falso otimismo do PCI diante da Comunidade Econômica Europeia – CEE.
Além desses pontos fortes, na minha opinião, há também uma fraqueza considerável no livro – que é a quase completa ignorância do chamado "eurocomunismo de esquerda", como o associado aos nomes de Pietro Ingrao ou Nicos Poulantzas. Isso também pode ser bom, porque Ingrao pode ter sido uma figura de identificação para os comunistas italianos dissidentes, mas dificilmente deu expressão visível à sua própria dissidência no partido – e Poulantzas pode ter sido um chefe muito produtivo, mas provavelmente sua influência prática no movimento comunista francês foi nula. Não obstante, foi uma oportunidade perdida para um encontro/uma descoberta intelectual potencialmente produtiva (de uma perspectiva marxista revolucionária, Henri Weber buscou esse debate na França com Poulantzas, o que se refletiu em ensaios interessantes na New Left Review e em uma entrevista muito perspicaz).
Internacionalista
Em termos de política mundial, Mandel defendia um tipo de teoria dos três mundos, ou seja, ele defendia um movimento de classe revolucionário nos centros capitalistas; apoiou movimentos de libertação anticolonial; e confiava nas revoltas dos trabalhadores anti-burocráticos contra o governo de uma burocracia stalinista nos países do bloco oriental, nos quais ele (diferentemente dos maoístas e dos trotskistas da Tendência Socialista Internacional [IST, em inglês]) não via um novo capitalismo (de Estado) ou uma nova sociedade de classes, mas – aqui aderindo às avaliações mais antigas de Trotsky – viu um estado operário degenerado: uma sociedade pós-capitalista na qual novas camadas viviam às custas dos trabalhadores, e onde havia não uma ditadura da classe trabalhadora (no sentido de Marx), mas uma ditadura política sobre a classe trabalhadora. Se isso pode parecer loucura hoje, imagine-se como eram os debates políticos da época. Quem via a RDA como um Estado fedorento (tudo bem: capitalismo de Estado) pode ter tido poucas razões para defendê-la contra a agressão imperialista (os maoístas desenvolveram a teoria do social-imperialismo e alguns deles estavam mais do lado da OTAN); mas quem viu uma sociedade socialista chique na RDA (o PCA, por exemplo) teve pouca simpatia pelas críticas ao SED, à burocracia – e pouco amor pelos movimentos de oposição. O conceito de "estado degenerado dos trabalhadores" pode ter sido bastante ossificado – mas me parece ter mais correto do que as teorias do capitalismo de Estado e os elogios à ditadura. Não importa hoje? Acredito que uma esquerda que ainda não perdeu a esperança de uma sociedade pós-capitalista não pode se permitir dizê-lo. Pelo contrário – apenas uma apropriação crítica desses debates nos fornece as ferramentas intelectuais necessárias para um novo começo.
Consequentemente, os textos de Mandel sobre a "sociedade em transição" ainda não estão desatualizados. Sabemos que as transformações socialistas não levam diretamente aos socialismos, muito menos em um único país. Mas, se for esse o caso, já temos que lidar com questões da economia de transição e de como as lutas de classes precisam ser levadas a essa fase. Especialmente quando, como ideólogos na história, não queremos reviver o que aconteceu às gerações antes de nós: a transformação dos movimentos de libertação em dominação sobre aqueles que haviam começado a se libertar.
Leitura Adicional
Quem deseja se ocupar com Mandel com mais detalhes, recomendamos a dissertação de Manuel Kellner [1], publicada pela editora ISP. Uma apreciação (não particularmente crítica, mas ainda assim muito produtiva) de Mandel pode ser encontrada no volume "Justiça e Solidariedade", editado por Gilbert Achcar, no qual escrevem, além de Achcar, Enzo Traverso e Charles Post. Vale muito a pena ler a biografia crítica de Stutje, publicada pela VSA em alemão. Se você gosta de cinema, "Die pure Flamme der Revolution" e "A life of a revolucionary" [2] são recomendados para assistir no Youtube.
Notas da revisão
[1] O IIRE anunciou a publicação em inglês do livro de Manuel Kellner: “Against Capitalism and Bureaucracy – Ernest Mandel’s socialist strategy” [Contra o capitalismo e a burocracia – a estratégia socialista de Ernest Mandel]
[2] Este e outros vídeos de Mandel podem ser facilmente encontrados no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=LXFFcJQSLrk
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