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Por que Keynes não é a resposta? (Ernest Mandel)


Por que Keynes não é a resposta?

O crepúsculo do monetarismo

(1992)

Ernest Mandel

Tradução de Gabriel Carvalho

Revisão de Pedro Barbosa



Conforme se tornam aparentes as desastrosas consequências das políticas ultraliberais, vozes estão se levantando nos círculos capitalistas e social-democratas exigindo intervenção estatal para reanimar a economia. Mas esta é realmente a saída? E uma nova rodada de intervenção estatal na economia e de financiamento do crescimento através de dívida teria efeitos benéficos para a classe trabalhadora? Neste artigo, Ernest Mandel argumenta que as tradicionais políticas deflacionárias [reflationary] keynesianas devem ser distinguidas das políticas de déficit orçamentário de Thatcher e Reagan; e que a deflação [reflation] capitalista somente traz vantagens de curto prazo para os trabalhadores, e inevitavelmente acaba em uma nova recessão.


A ideia fundamental do keynesianismo é que o gasto público, um déficit orçamentário nacional, pode ser usado para combater crise econômica e recessão.


De um ponto de vista teórico, elevar a demanda geral em um dado país facilitaria a recuperação na medida em que haja capacidade produtiva disponível (desempregados, estoques de matérias-primas, máquinas ociosas). Estes recursos ociosos são mobilizados pelo poder de compra adicional criado pelo déficit orçamentário. Somente quando estas reservas são esgotadas é que se dá a investida fatal da inflação.


Mas há um obstáculo. Para que o déficit orçamentário não abasteça a inflação antes que se alcance o pleno emprego, impostos diretos devem crescer na mesma proporção que a renda.


Dado que a burguesia prefere comprar títulos do Estado do que pagar impostos, e que a sonegação de impostos pela burguesia é endêmica, mais o peso da carga tributária das políticas keynesianas recai sobre os trabalhadores.


Conforme cresce a dívida pública, honrar esta dívida consome uma parte cada vez maior dos gastos públicos, então há uma tendência de crescimento do déficit orçamentário sem efeitos benéficos correspondentes sobre o emprego.


Então, no fim, a expansão keynesiana tende a se sabotar com a crescente inflação e retornos cada vez menores do “impulso” inicial operado pelo déficit orçamentário; uma nova recessão é o resultado. E a crescente carga tributária tende a redistribuir renda em favor da burguesia.


O balanço histórico da política keynesiana é claro. O experimento mais extensivo, o “New Deal” de Roosevelt nos EUA durante os anos 30, terminou em fracasso.


Apesar do crescimento do gasto público, descambou na crise de 1938 quando o desemprego chegou a 10 milhões. Foi o rearmamento massivo devido à guerra que reduziu o desemprego em massa.


Há algo de bizarro na forma como os dogmáticos neoliberais contrastam suas políticas ‘baseadas em oferta’ [supply-side] com aquelas baseadas em criar demanda através de déficit orçamentário. Na verdade, os déficits orçamentários nunca foram maiores do que no governo do campeão neoliberal, Ronald Reagan.


O mesmo é verdade, em grande parte, com relação ao reino da Sra. Thatcher. Ambos implementaram programas neo-keynesianos recordistas, enquanto professavam o tempo todo a fé oposta. O verdadeiro debate não era a respeito do tamanho do déficit orçamentário, mas para o que ele seria utilizado.


Os fatos falam por si mesmos. O neo-keynesianismo de Reagan e Thatcher reforçou brutalmente a ofensiva de austeridade em todos os lugares. Gastos sociais e de infraestrutura foram cortados; gastos militares expandidos massivamente nos EUA e Inglaterra e, em menor medida, no Japão e Alemanha.


Subsídios à iniciativa privada cresceram. Desemprego e ampliação das desigualdades sociais foram estimulados. Nos últimos 20 anos, o número de desempregados nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] quadruplicou.


O impacto social geral foi desastroso. Pode-se aprender em qualquer curso de desenvolvimento econômico que os investimentos mais produtivos a longo prazo são aqueles em educação, saúde pública e infraestrutura.


No entanto, os dogmáticos neoliberais desprezam essa verdade elementar quando abordam os problemas do ponto de vista de um ‘equilíbrio’ a ser restabelecido a qualquer custo. Seus alvos prediletos para os cortes são precisamente a educação, saúde, seguridade social e infraestrutura, com os inevitáveis efeitos nocivos, inclusive na produtividade.


Isso significa que os socialistas preferem o keynesianismo tradicional e o estado de bem-estar social ao coquetel venenoso de monetarismo e neo-keynesianismo atualmente em oferta? Se a nossa resposta for positiva, ela deve ser pesadamente qualificada.


O keynesianismo tradicional implica várias formas de exercício e divisão do poder dentro do quadro da sociedade burguesa. Isto leva a várias formas de contrato social e consensos com aqueles que atualmente detêm o poder econômico, nos seus termos.


Isto é um consenso puramente unilateral e vai na direção contrária dos interesses da classe trabalhadora. O keynesianismo tradicional é apenas o mal menor em comparação às políticas deflacionárias na medida em que ele promove uma queda imediata e rápida no desemprego.


Porém, nas condições atuais, o neo-keynesianismo está levando ao crescimento do desemprego e da marginalização de setores cada vez maiores da população, com toda sorte de consequências reacionárias.


Além disso, defensores das políticas keynesianas tradicionais têm de lidar com um fato fundamental constrangedor; a efetividade de sua abordagem tem sido enormemente reduzida pelo crescimento do poder das corporações multinacionais. Enquanto com certeza é ridículo dizer que a intervenção estatal hoje é impotente, é certamente muito menos poderosa do que durante as décadas de 1930 e 1950.


Diante do crescimento das empresas transnacionais, o estado nacional não é mais um instrumento econômico adequado para as frações dominantes da burguesia. Assim, um esforço tem sido consistentemente feito para substituí-lo por instituições supranacionais, o caso clássico sendo as várias instituições da Comunidade Europeia.


Mas muitos obstáculos devem ser superados para que as instituições supranacionais adquiram características de um verdadeiro estado supranacional, por exemplo, na Europa.


A unificação europeia permanece suspensa entre uma vaga confederação de estados soberanos e uma federação europeia com algumas das características de um estado, com uma moeda única, um banco central, uma política industrial e agrícola única, exército e forças policiais conjuntas e, finalmente, uma autoridade governamental central.


No processo de unificação capitalista da Europa há uma bomba-relógio, que está começando a explodir nas greves da Itália e da Grécia. É um simples fato que a ‘estabilização orçamentária’ exigida para a união monetária terá um enorme efeito deflacionário [deflationary] e de austeridade. Isto, por si mesmo, deveria ser causa suficiente para o movimento operário rejeitar o tratado de Maastricht.


Maastricht não oferece nada mais que uma desculpa para a continuidade e endurecimento das políticas de austeridade. É mais vital do que nunca continuar a luta contra ele.

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